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A história de um ícone

do comércio paulistano

Natal de 2023, as compras por canais virtuais, seja nos chamados “marketplaces”, sites que reúnem pequenos ou mesmo grandes comerciantes que utilizam a plataforma para suas vendas, ou mesmo nos canais digitais diretos das lojas, é uma tendência irreversível e reflete o tempo em que vivemos, quando a tecnologia permite que toda a cadeia de fornecedores e logística do comércio faça com que um produto comprado pela internet chegue em nossas casas em poucas horas.

Anúncio da inauguração do Mappin, em 1913.

Voltemos ao natal de 1913.

110 anos atrás, mal e mal poucas residências da capital paulista tinham sequer uma linha telefônica. Os mascates, muitos imigrantes árabes, vendiam suas mercadorias de porta em porta. Os bairros concentravam pequenas lojas que vendiam de tudo. De alimentos a produtos de limpeza.

O paulistano que morasse em um bairro retirado e precisasse comprar um produto mais sofisticado só contava com as lojas do centro da cidade.

Mas, naquele Natal de 1913, uma nova loja inaugurada em 29 de novembro daquele ano, trazia uma novidade para a cidade. O conceito de departamentos.

Pela primeira vez os paulistanos poderiam entrar em um edifício e encontrar desde roupas até as novidades tecnológicas da época, tudo dividido em departamentos.

A novidade foi trazida pelos irmãos Walter John Mappin e Herbert Joseph Mappin, que abriram a sua loja na rua quinze de novembro, voltada à alta sociedade paulistana, mostrando vitrines de cristal na fachada, louças, porcelanas e objetos sofisticados para uma seleta clientela.

Sede do Mappin na Praça do Patriarca.

O sucesso foi absoluto. Logo o Mappin se tornaria referência de loja “chique” para os paulistanos. Tanto que a sede da rua Quinze de Novembro ficou pequena e, em 1919, a loja se mudou para a Praça do Patriarca. Nesse momento já contava com 34 departamentos e mais de 200 funcionários em sua estrutura.

A crise de 1929, o crescimento da cidade e a “invenção” do crediário

O Mappin que se firmara como uma “loja da elite” enfrentaria um grande problema quando a crise financeira de 1929 mexeu com a economia mundial, refletindo no consumo brasileiro também. O jeito foi se reiventar, com algumas soluções inovadoras naquele momento.

Primeiro, a empresa passou a usar uma comunicação em suas vitrines introduzindo algo que hoje, para nós, é basicamente comum. Passou a informar o preço das mercadorias expostas nas vitrines, o que não era usual no comércio à época.

Com o dinheiro “curto” das pessoas naquele momento de crise, introduziu o conceito de crediário. Pagar parcelado o valor da mercadoria.

A sede da Praça Ramos de Azevedo, onde a empresa esteve até falir, em 1999.

As estratégias não só deram certo, como, passado o momento da crise de 1929, continuaram a impulsionar as vendas ainda sob a direção dos irmãos Mappin.

Em 1936, entretanto, suas ações foram colocadas à venda e compradas pelo inglês Alfred Sim, que, ao se tornar o maior acionista da loja implantou uma nova administração, adequando ao mercado brasileiro e com mais opções de mercadorias nacionais. Com o novo modelo de negócios, a empresa retomou seu crescimento e mudou a razão social para “Casa Anglo Brasileira S.A.”.

Em 1939, a empresa se mudaria novamente, desta vez para o edifício icônico onde permaneceria por mais 60 anos, o edifício da Praça Ramos de Azevedo. Em frente ao Theatro Municipal, possivelmente um dos endereços mais conhecidos do comércio paulistano do século XX.

Nas décadas de 40 e 50, o Mappin se tornou um verdadeiro ponto de compras para os paulistanos, antecipando o que viria a ser o conceito dos shoppings centers, colocando à disposição diversos tipos de produtos para seus clientes nos vários andares de sua nova sede.

A loja passou a comercializar produtos nacionais, como roupas, móveis e objetos de decoração, com muita diversidade de preços e de produtos. Começava aí a trajetória do Mappin como uma gigante loja de departamentos ou magazine.

Anúncio do Mappin no início do Séc. XX.

Na década de 1940, o avanço econômico brasileiro e a entrada de novas empresas de comércio varejista afetaram a liderança do Mappin, que abriu seu capital na bolsa de valores em 1948. 

Em 1950, a empresa teve seu controle acionário vendido ao fazendeiro e empresário do ramo do café Alberto Alves,  que colocou no comando seu primogênito, o advogado Alberto Alves Filho. Ele seguiu no à frente do Mappin até a sua morte, em 1982. Sua viúva, Sônia Cosette Domit Alves, herdou a empresa e assumiu o controle do Mappin.

O Mappin teve anos de glória nas décadas de 60, 70 e 80, até o início de 90, lançando suas campanhas publicitárias memoráveis e atraindo multidões para as lojas. 

Já nos anos 90, a empresa adquiriu cinco lojas da Sears no Brasil. A empresa adotou a estratégia de abrir filiais não apenas na capital mas no interior de São Paulo e nesta época, adquiriu também o controle acionário da Mesbla, outra loja tradicional.

Apesar de ser um gigante do comércio, com mais de 85.000 itens à venda naquele momento, a estratégia de expansão dos negócios não foi bem sucedida e começou a aumentar muito o endividamento da empresa, que acabou registrando o maior prejuízo de sua história em 1995. 

Com isso, o negócio foi colocado à venda e acabou sendo adquirido pelo empresário Ricardo Mansur em 1996. O problema do endividamento, porém, agravou a delicada situação financeira das companhias e o grupo teve a falência decretada em 1999.

Decoração de Natal na sede do Mappin na década de 80.

O edifício icônico do Mappin passou a ser utilizado por outra gigante do varejo brasileiro, a Casas Bahia, que instalou no prédio uma megaloja, no ano de 2004. A empresa permaneceu no edifício até o início deste ano. Em março de 2023, o edifício, cujo nome é “João Brícola”, ficou novamente desocupado.

Felizmente, por pouco tempo, já que o edifício vai ser reformado para abrigar as instalações das áreas administrativas do Sesc São Paulo.

20 anos depois, a volta

Exemplo do quão forte uma marca se mantém junto ao consumidor, praticamente 20 anos após a falência do grupo controlador, o Mappin voltou ao mercado, mas em outra configuração, como uma loja virtual apenas.

A marca Mappin foi adquirida em dezembro de 2009, em um leilão judicial, pela rede de lojas Marabraz que arrematou a marca por 5 milhões de reais. À época, especulou-se que a loja poderia reabrir, o que não aconteceu.

Levou cerca de 10 anos entre a aquisição pela Marabraz até a inauguração da loja virtual. 

Quem tiver curiosidade ou quiser matar a saudade de uma loja que fez história na cidade de São Paulo pode acessar www.mappin.com.br

O Mappin e a Casa da Boia

Também fabricante de materiais para apoio a lojas, a Casa da Boia foi uma das fornecedoras do Mappin.

Sendo à época de sua fundação e primeiras décadas de existência a maior loja de São Paulo, natural que o Mappin necessitasse de uma ampla gama de fornecedores em várias áreas.

Fornecedora não apenas de material hidráulico e das famosas boias de caixa d’água, que fizeram a sua fama, a Casa da Boia fabricava também uma ampla gama de produtos para decoração em cobre, como lustres, por exemplo. Também fornecia mobiliário comercial, como vitrines, suportes para chapéus, para calçados, camisas e armações para expositores diversos.

Os produtos da Casa da Boia, fabricados em cobre niquelado, verdadeiras obras de arte da metalurgia, se encaixavam perfeitamente a uma loja cujo conceito à época era atender a elite paulistana.

As pesquisas no acervo da Casa da Boia conduzidas pelos historiadores Renata Geraissati e Diógenes Sousa, encontraram inúmeros apontamentos em livros-caixa, que registram valores recebidos da “Mappin Stores” nas primeiras décadas do século XX.

Embora os livros não tragam a descrição dos produtos, as transações registradas como venda não deixam dúvidas que a Casa da Boia foi fornecedora durante décadas da mais icônica loja de departamentos paulistana.

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