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As origens do corso, carnaval da elite

e os blocos das classes operárias na capital paulista

Enquanto a elite paulistana desfilava os seus automóveis, fantasias e adereços no corso, da Avenida Paulista e salões luxuosos dos clubes, as periferias e vilas operárias viam nascer os cordões e blocos carnavalescos.

Corso no final da Avenida Paulista, com a Angélica.

Imagine a vibrante Avenida Paulista, ainda em seus primórdios, tomada por um cortejo de carros luxuosos. Automóveis adornados com flores, serpentinas e confetes, mostrando a criatividade e a ostentação da alta sociedade paulistana, a classe social que, naquele início do Séc. XX, possuíam automóveis e com eles percorriam a avenida em ritmo lento, enquanto o público se aglomerava nas calçadas para assistir ao espetáculo. Essa era a cena do Corso, um desfile carnavalesco que marcou época na capital paulista entre 1912 e 1936.

Os carros, que variavam de modelos clássicos a conversíveis luxuosos, eram decorados com maestria. Flores frescas, fitas coloridas, serpentinas e confetes criavam um verdadeiro espetáculo visual.

As famílias e grupos de amigos se fantasiavam com criatividade, desde elegantes vestidos de época até fantasias temáticas que satirizavam a sociedade e a política daquele tempo.

Rodrigues Alves, Presidente do Estado (atual cargo de Governador) no corso da Paulista.

Bandas de música e artistas se posicionavam ao longo da avenida, animando o público com marchinhas carnavalescas, sambas e outros ritmos populares.

O Corso era um momento de pura alegria e descontração, onde a elite paulistana se reunia para celebrar o carnaval.

Uma festa de elite

Naquela época automóveis eram poucos na capital, e estavam nas mãos, naturalmente, das famílias mais abastadas, boa parte das quais morava justamente naquela longa avenida no ponto mais alto da cidade.

O Corso era frequentado por figuras importantes da sociedade paulistana, como políticos, artistas, empresários e intelectuais. Era comum ver celebridades da época desfilando em seus carros luxuosos, acenando para o público e curtindo a festa.

As mais variadas fantasias eram representadas no corso.

Aqueles que não possuíam um automóvel, mas não queriam deixar de participar da festa, chegavam mesmo a publicar anúncios nos jornais de então, procurando um para alugar para a ocasião.

O que havia começado como uma celebração de poucos ganhou tanto volume na cidade que foi preciso regular a atividade.

No Carnaval do 1923 o jornal O Estado de São Paulo, publicava as regras para o corso daquele ano.

Dentre as instruções, algumas curiosas, como a proibição da entrada de veículos de “reclames”, ou seja, veículos com propagandas.

Quem não possuía um automóvel, tentava alugar um anunciando nos jornais.

A prefeitura também não permitia a “comercialização de serpentinas, confetes e outros artigos carnavalescos, por vendedores ambulantes.

E para se ter uma ideia da dimensão que o Corso havia atingido já em 1923, uma última observação no regulamento mencionava que “na hipótese de haver mais de 3.500 veículos, o percurso seria ampliado”.

O Corso da Avenida Paulista chegou ao fim em 1936, por diversos motivos. A popularização do automóvel fez com que o desfile se tornasse cada vez mais caótico e perigoso. Além disso, a crise de 1929 afetou a economia brasileira e levou à diminuição dos investimentos em eventos festivos.

Aliado a esses fatores, a elite paulistana já não via o Corso como um evento exclusivo e o interesse no evento foi diminuindo.

A sociedade paulistana e o Carnaval do início do século

No início do século 20, o carnaval era uma das principais festas do ano em São Paulo.

Dionísio Barbosa, fundador do primeiro cordão carnavalesco paulista, O Grupo Carnavalesco da Barra Funda.

A população mais pobre curtia as festas nos bairros, que viam surgir os “blocos de Carnaval”, já a elite, além do Corso, se agrupava em torno dos luxuosos bailes que aconteciam em requintados salões da capital, principalmente, nos salões dos clubes.

Os clubes se esmeravam na decoração e na organização das festas, que contavam com música ao vivo, grandes orquestras e bandas de renome. As mulheres usavam vestidos longos e elegantes, adornados com joias e plumas, enquanto os homens vestiam smokings ou fraques, uma ocasião de verdadeiro luxo,

O samba, o maxixe e a marcha carnavalesca eram os ritmos mais populares, mas também era possível encontrar valsas, foxtrots e outros ritmos internacionais.

Os clubes e seus bailes

Fundado em 1900, o Clube Atlético Paulistano já era nos anos 20 um dos mais elitistas da cidade. Seus bailes de carnaval eram famosos pela sofisticação e pela presença de figuras importantes da sociedade paulistana. O baile do Clube Atlético Paulistano era conhecido como o “Baile dos Grã-finos”.

Mais aintigo do que o paulistam o Clube Pinheiros, fem 1899, frequentado pela classe média alta paulistana. Seus bailes de carnaval eram animados e contavam com a participação de diversas bandas e orquestras. O baile do Clube Pinheiros era conhecido como o “Baile das Famílias”.

O Clube Sírio Libanês, depois Esporte Clube Sírio, fundado em 1904, promovia bailes de carnaval que eram conhecidos pela música árabe e pelas danças folclóricas. O baile do Clube Sírio Libanês era conhecido como o “Baile das Odaliscas”.

Nas classes populares surgem os blocos e cordões
Integrantes do Grupo Carnavalesco da Barra Funda, que viria a se tornar a Escola de Samba Camisa Verde e Branco.

No início do século XX, São Paulo era uma cidade em plena transformação. A industrialização atraía milhares de migrantes de todo o Brasil, que se instalavam nos cortiços e bairros operários. Foi nesse contexto efervescente que nasceram os primeiros blocos e cordões carnavalescos, dando vida à folia paulistana além do corso.

Inspirados nos ranchos e cordões do Rio de Janeiro, os grupos carnavalescos paulistanos se organizavam espontaneamente, reunindo pessoas de diferentes origens e classes sociais. Unidos pela alegria do samba e pelo desejo de celebrar a vida, os foliões percorriam as ruas da cidade, cantando e dançando ao ritmo dos instrumentos de percussão.

Os cordões se caracterizavam por sua simplicidade e organização informal, ao contrário do Corso.
Liderados por um “baliza” que abria caminho, os foliões se organizavam em fila, seguindo o ritmo da bateria e entoando canções carnavalescas.

Já os blocos apresentavam maior estrutura, com fantasias, carros alegóricos e até mesmo concursos de beleza.
Entre os cordões mais famosos da época, o “Cordão da Barra Funda”, deu origem à escola de samba Camisa Verde e Branco, e o “Cordão do Bixiga”, reduto da cultura afro-brasileira na capital paulista.

Já os blocos “Olímpio Clube” e “Tenentes da Alegria” se destacavam pela exuberância e organização, atraindo milhares de foliões às ruas.

Com o passar dos anos, o carnaval de São Paulo se profissionalizou e se tornou um dos maiores eventos do país, tal como é o do Rio de Janeiro, inclusive com a capital ganhando o seu “Sambódromo”, na área do Parque de Exposições do Anhembi, no ano de 1991.

Com essa profissionalização, durante muito tempo os blocos ficavam restritos mesmo a poucas pessoas em bairros mais tradicionais. A partir da segunda década do Seéc XXI os blocos retornam à capital, agora também inseridos em um contexto mais integrado a uma programação avalizada, pelo poder público, tal qual o corso, há mais de um século.

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