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Itália e Hilton

edifícios famosos que se tornaram tema de música

O Edifício Itália era o rei da Avenida Ipiranga: alto, majestoso e belo,ninguém chegava perto da sua grandeza.

Mas apareceu agora o prédio do Hilton Hotel gracioso, moderno e charmoso roubando as atenções pra sua beleza.

Desta forma provocativa, começa a música de um dos baianos mais identificados com a cultura urbana de São Paulo, o genial Tom Zé, que, no ano de 1972, elegia os dois icônicos edifícios do centro da cidade como tema de sua canção “A Briga do Edifício Itália Com O Hilton Hotel”.

Tempo de leitura: Aproximadamente 8 min.

Edifício Itália, em construção, na década de 60.

Mais do que uma letra carregada de ironia, Tom Zé traça um retrato da arquitetura e da sociedade da época, uma vez que ambas as construções tinham peculiaridades que as tornavam, digamos, “prédios da elite”.

A história do Edifício Itália está diretamente ligada à do clube social Circolo Italiano. Inaugurado em 1965, o prédio foi construído na esquina que anteriormente era ocupada pela sede do clube (atualmente o Circolo está instalado no interior do complexo do edifício, ocupando um espaço anexo, com três andares).

O projeto do Itália foi escolhido por meio de um concurso organizado pela Diretoria do Circolo. E tinha como objetivo abrigar diversas instituições e companhias italianas em um único local. 

A Construtora Otto Meinberg, com um projeto do arquiteto alemão Franz Heep, foi a vencedora do concurso e o início de sua construção se deu em 1956. Mas dificuldades financeiras impediram que a empresa concluísse a obra. 

Ela foi finalizada pela companhia Edifício Itália Construtora e Administradora, criada especificamente para completar os trabalhos, que levaram 9 anos. Ao todo foram utilizados 150 mil sacos de cimento, 14 mil metros cúbicos de concreto, mais de dois milhões de tijolos e seis mil metros quadrados de vidro para compor a majestosa edificação.

Quando inaugurado, o Itália, com seus 165 metros, era o mais alto da cidade de São Paulo.

O terraço e seu restaurante
O bar do luxuoso “Terraço Itália”.

Ainda enquanto o edifício estava em construção, um dos proeminentes imigrantes italianos em São Paulo, Evaristo Comolatti, em visita às obras, se encantou com a vista do terraço. Dava pra ver toda a cidade que lhe acolhera, anos antes. Foi aí que teve uma ideia: instalar ali um luxuoso restaurante de culinária italiana, o que aconteceu em setembro de 1967.

O restaurante “Terraço Itália” se tornou logo referência em alta gastronomia não apenas em São Paulo, mas no Brasil. Por eles passaram chefes de estado em viagem ao país, a elite política e econômica, artistas nacionais e internacionais.

Hoje, além do restaurante padrão internacional, o Terraço Itália é também um espaço de eventos.

O Circolo Italiano
No primeiro andar do edifíco fica o hall de entrada do Circolo Italiano.

Em 1911, um pequeno grupo de compatriotas sentiu a necessidade de fundar uma associação voltada para unir todas as famílias italianas residentes em São Paulo, pois naquela época, os italianos se reuniam conforme a cidade ou estado de origem. Essas reuniões ocorriam entre as famílias da mesma origem regional, formando, assim, núcleos isolados. Mesmo sendo italianas, não havia uma integração.

Esse pequeno grupo se encontrou pela primeira vez na casa dos irmãos Lionello e Vincenzo Berti e no dia 13 de abril de 1911, fundaram o Circolo Italiano, cuja primeira sede ficava no primeiro andar de um modesto sobrado alugado, à Rua São Bento 85.

A ocasião para apresentar o Circolo à sociedade e às autoridades italianas e brasileiras surgiu com a realização de um baile em homenagem ao genial compositor Pietro Mascagni, em visita a São Paulo. O evento atraiu autoridades consulares e ilustres convidados, que o transformou num sucesso extraordinário.

A entidade passou por diversas outras sedes até que decidiram construir o Edifício Itália e para lá se mudar quando ele ficou pronto.

Em agosto de 1963, nem bem as obras de construção estavam concluídas, o Circolo iniciou a preparação dos ambientes, dotando seus andares localizados na Torre Central, com móveis, objetos de decoração e demais equipamentos de infraestrutura para poder receber sócios, assim como o público ligado à comunidade. Vale ressaltar que em troca da cessão da área, o Circolo tornou-se proprietário, também, do Teatro Itália e de outros espaços no edifício.

No primeiro andar funciona até hoje o Restaurante Circolo Italiano, seu anexo, o Salão Nobre. No segundo andar existe um salão de jogos, salão de leitura, a sala de bilhar e os escritórios administrativos, abrigando, inclusive, as dependências da Diretoria.

O Hilton Hotel
O Hilton Hotel foi o mais sofisticado hotel de São Paulo no início dos anos 70.

Se, como diz a música de Tom Zé, o Edifício Itália reinava soberano na paisagem paulistana, o Edifício Hilton, a poucos metros do primeiro, veio mesmo a “elevar o nível” dos prédios do centro.

Projetado pelo casal de arquitetos Maria Bardelli e Ermanno Siffredi a pedido da rede hoteleira internaciona Hilton (se alguém aí pensou em Paris Hilton, sim, não é uma coincidência, já que a moça é herdeira do império) e inaugurado em outubro de 1971, o edifício do Hotel Hilton tinha como objetivo ser o primeiro hotel de luxo da cidade de São Paulo.

A construção contava com uma infraestrutura de 32 andares, 116 metros de altura e tinha , 399 luxuosas acomodações, que, ironicamente para o compositor baiano, acomodaram os astros da música, políticos, presidentes, autoridades e empresários que frequentavam os salões do Terraço Itália.

O hotel oferecia quartos luxuosos, salão de festas para shows e jantares, teatro, sala de convenções, restaurantes, lojas, bancos, drogarias e cinema.

Sua piscina foi projetada por Oscar Niemeyer e o paisagismo era de Burle Max.

O Hotel funcionou no edifício até o ano de 2004. O prédio foi adquirido pelo Tribunal de Justiça de São Paulo em 2006. Passou por reformas para adaptar-se à nova função e foi  reinaugurado em 2007 com o nome de Ipiranga, 165.

Tom Zé

Antônio José Santana Martins, conhecido como Tom Zé, Baiano de Irará, é considerado uma das figuras mais originais da música popular brasileira, tendo participado ativamente do movimento musical conhecido como Tropicália nos anos 1960 e se tornado uma voz alternativa influente no cenário musical do Brasil.

Chegou a São Paulo no início da década de 60, desenvolvendo sua carreira de vanguarda adicionando às suas composições melodias sofisticadas, letras aparentemente simples, mas dotadas de fina ironia, metáforas e, em várias composições, teve São Paulo como tema, ou referência.

Fora a já mencionada “A Briga Do Edifício Itália Com o Hilton Hotel”, é dele também a icônica ““São, São Paulo Meu Amor”, campeã do Festival da Música Popular Brasileira de 1968.

Memórias de uma época de luxo do centros

Tanto o Edifício Itália quanto o Hilton, assim como tantos outros edifícios icônicos do centro da capital paulista, são remanescentes de uma época em que a região central era o polo cultural, artístico, financeiro,e gastronômico, da capital. Local para onde convergiam empresas, cinemas, teatros, restaurantes e abrigava muitos moradores em edificações desde as mais simples, como as quitinetes do Copan até apartamentos luxuosos como os da Avenida São Luís.

Um tempo bastante diferente do hoje degradado centro, que merece ter de volta a urbanidade de um local bom para se trabalhar, se divertir e morar.

A Briga Do Edifício Itália Com o Hilton Hotel

Tom Zé

O Edifício Itália

era o rei da Avenida Ipiranga:

alto, majestoso e belo,

ninguém chegava perto

da sua grandeza.

Mas apareceu agora

o prédio do Hilton Hotel

gracioso, moderno e charmoso

roubando as atenções pra sua beleza.

O Edifício Itália ficou enciumado

e declarou a reportagem de amiga:

que o Hilton, pra ficar todo branquinho

toma chá de pó-de-arroz.

Só anda na moda, se veste direitinho

e se ele subir de branco pela Consolação

até no cemitério vai fazer assombração

o Hilton logo logo respondeu em cima:

a mania de grandeza não te dá vantagem

veja só, posso até ser requintado

mas não dou o que falar

Contigo é diferente,

porque na vizinhança

apesar da tua pose de rapina

já andam te chamando

Zé-Boboca da esquina

E o Hilton sorridente

disse que o Edifício Itália

tem um jeito de Sansão descabelado

e ainda mais, só pensa em dinheiro

não sabe o que é amor

tem corpo de aço,

alma de robô,

porque coração ele não tem pra mostrar

Pois o que bate no seu peito

é máquina de somar.

O Edifício Itália sapateou de raiva

rogou praga e

até insinuou que o Hilton

tinha nascido redondo

pra chamar a atenção

abusava das curvas

pra fazer sensação

e até parecia uma menina louca

Ou a torre de Pisa

vestida de noiva

O Itália e o Hilton, em uma mesma imagem.

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