A Páscoa e os chocolates
que marcaram gerações
Data significativa para os cristãos a Páscoa nem sempre foi associada aos chocolates, tradição que teve início na Séc. XVIII. Com a imigração de europeus ao Brasil a partir do final do Séc. XIX, o país vê surgir suas primeiras indústrias de chocolate. Neste processo São Paulo contou com fábricas que colocaram no mercado produtos icônicos, influenciaram a urbanização e mesmo desenvolveram bairros inteiros da cidade.
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Os cristãos tem a Páscoa como uma das celebrações mais importantes do cristianismo. Diferente do Natal, quando comemoram o nascimento de Jesus Cristo, a Páscoa é o período de reflexão a respeito dos últimos atos de Jesus.
Ela surgiu com base na ressignificação de uma festa realizada pelos judeus desde a Antiguidade: a Pessach “passagem”.
Na narrativa bíblica Exôdo”, capítulo 12, a Páscoa foi instituída como uma ordem de Jeová (Deus) antes da passagem do anjo da morte pelo Egito. Essa foi a décima praga egípsia, e, após a passagem do anjo da morte e da morte dos primogênitos, os hebreus foram libertos da escravidão. Essa tradição consolidou-se entre os judeus.
Com o surgimento do cristianismo, os fiéis adeptos dessa religião deram novo sentido à celebração em homenagem ao sacrifício de Jesus. Assim, os judeus celebram a libertação da escravidão do Egito, e os cristãos, a crucificação e ressurreição de Jesus.
O ovo e o coelho na Páscoa
Uma das teorias mais aceitas sobre a associação do coelho à Páscoa relata que Maria Madalena teria ido ao túmulo de Jesus antes do amanhecer do domingo. Lá chegando, encontrou o sepulcro aberto e um coelho. O roedor, que supostamente teria ficado preso na sepultura, foi o primeiro ser a ver Jesus ressuscitado.
Assim, o coelho teve o privilégio de ser o portador da notícia da ressurreição do Salvador.
O ovo, por sua vez, é considerado símbolo de vida e renascimento e os povos mais antigos já adotavam a prática de dá-los de presente como um desejo simbólico de vida longeva a quem os recebia.
Na idade média este costume consolidado entre os europeus se aprimorou, com várias culturas passando a não apenas presentear com ovos, mas sim com ovos ricamente ornamentados.
Surgia a tradição de delicadas pinturas nas cascas, tão famosas no norte da Europa, como na Polônia, Alemanha e Rússia.
O chocolate entra em cena
Não se tem, exatamente, uma explicação para o hábito de algumas pessoas começarem a retirar gema e clara dos ovos e passar a recheá-los com chocolate. Mas, certamente, a prática foi popularizada na Europa a partir do Séc. XVIII, quando o continente conheceu se aprimorou as técnicas de produção do chocolate a partir do cacau, trazido dos trópicos pelos espanhóis, que colonizaram a região da América onde o cacau era cultivado e o chocolate produzido.
Com o crescimento da era industrial, o surgimento das fábricas de chocolate e o marketing, fica fácil de perceber que era bem mais prático e gostoso presentear com ovos de chocolate do que com os de galinha e o costume se espalhou pelo mundo todo.
A Pan e os seus cigarrinhos
Imagine você entrar hoje em um bar, uma padaria, uma conveniência e encontrar uma caixa de chocolates em formato de maço de cigarros, com uma foto estampada na embalagem de um garoto segurando um “cigarrinho” de chocolate como se fosse “tragar” a guloseima.
Se a cena parece um pouco bizarra, saiba que os “Cigarrinhos Pan” marcaram gerações. Não havia um garoto das décadas de 60, 70 e 80 que não sonhasse em imitar a pose dos garotos-propaganda (sim, de um lado da ebalagem um garoto negro e do outro um garoto branco) segurando o cigarro.
A chocolates Pan foi fundada pelos imigrantes italianos Aldo Aliberti e seu cunhado Oswaldo Falchero, no ano de 1935, em São Caetano do Sul, cidade vizinha a São Paulo.
A Pan marcou gerações não exatamente pela qualidade de seu chocolate, mas pela criatividade em apresentar os produtos aos clientes.
Quem, com mais de 50 anos nunca comeu uma “moedinha” de chocolate Pan? Ou imaginou-se um desenhista com o os “lápis de chocolate Pan”? ou ainda “espetou” o céu da boca com o “guarda-chuva de chocolate Pan”?
Embora tenha tido um sucesso comercial ao longo de décadas, a mara Pan acabou, justa ou injustamente, sendo associada a um produto de baixaqualidade, mas, não obstante, a criatividade no marketing da venda do chocolate em seus formatos inusitados colocou a empresa paulista como uma das principais do país.
A empresa seguiu firme por 9 décadas, até que, em 2021, pediu a sua autofalência.
Recentemente, em 04/03/2024, as 37 marcas da empresa “Chocolates Pan” foram arrematadas por R$ 3,1 milhões, pela empresa Real Solar, com sede em Goianinha, no Rio Grande do Norte, que dará continuidade história da marca.
O chocolate “inaugura” um bairro em São Paulo
Em 1885, aqui na Rua Florêncio de Abreu, bem próximo à sede da Casa da Bóia, foi instalada a primeira fábrica de Chocolates da Falchi, criada por três irmãos italianos, Panfilio, Emídio e Bernardino Falchi.
Mas as atividades da empresa, tamanho o seu sucesso, exigiram novas instalações rapidamente.
No dia 7 de outubro de 1890, o jornal O Estado de S. Paulo publicava o nascimento da Vila Prudente em uma pequena nota que afirmava: “Nesta capital foi constituída uma empresa que adquiriu terras entre São Caetano e Mooca, com o fim de estabelecer uma vila que terá o nome encima citado nesta notícia (Vila Prudente), em homenagem ao governador do Estado, dr. Prudente de Moraes”.
Mas o que tem isso haver com o chocolate? Foi neste ano que os irmãos Emídio, Panfílio e Bernardino Falchi, com auxílio do financista Serafim Corso, compraram uma gleba de terra e levaram para lá a primeira indústria da região, a sua Fábrica de Chocolates Falchi.
O operariado da fábrica era constituído basicamente de imigrantes italianos, que vieram das regiões da Mooca, Ipiranga e Brás. Além disso, os irmãos promoviam mutirões para construção de moradias operárias no entorno da fábrica, o que fez com que se iniciasse um processo acelerado de povoamento da Vila Prudente.
A fábrica dos Falchi impulsionou o desenvolvimento industrial e comercial da região. No início do século XX, depois da fábrica de chocolates, vieram outras importantes indústrias, como a Cerâmica Vila Prudente, a Indústria de Louças Zappi, a Manufatura de Chapéus Oriente e a Fábrica Paulista de Papel e Papelão. De uma região quase deserta do final do século XIX, a Vila Prudente se transformava em uma grande vila fabril.
Com inspiração da Suiça surge a Lacta
Tudo começa em 1912. O cônsul suíço Achilles Isella, que já residia no país, resolveu criar uma pequena fábrica de chocolates na cidade de São Paulo, no bairro da Vila Mariana. O objetivo era oferecer ao público brasileiro, chocolates com a mesma qualidade e sabor dos chocolates suíços, que são referência mundial até os dias atuais. Dessa forma, nascia a marca Lacta.
Os chocolates da Lacta tiveram uma imensa aceitação dos consumidores, o que levou a marca a se tornar a pioneira na fabricação em larga escala no Brasil. Ao longo dos anos seguintes, essa prestigiada empresa lançaria icônicos e irresistíveis produtos, que marcaram gerações.
O primeiro chocolate crocante da Lacta foi lançado em 1932. Em 1938, a marca lançou o bombom Sonho de Valsa. Já em 1940, o famoso chocolate Diamante Negro e os primeiros ovos de páscoa Lacta.
Em 1942, o icônico chocolate Bis é lançado e dez anos depois, em 1952, o bombom Ouro Branco.
A história de grandes produtos da marca continua no mesmo ano, com o lançamento do primeiro chocolate branco do Brasil, o Laka, bem como as famosas pastilhas de chocolate Confeti.
A marca brasileira teve vários controladores ao longo de sua história até ser vendida para o grupo multinacional Kraft Foods na década de 90.
Da letônia a Kopenhagen
A Kopenhagen é uma das marcas mais conceituadas e sofisticadas de chocolates e doces do país. A
empresa foi criada na década de 1920 por um casal de imigrantes da Letônia, Anna e David Kopenhagen,
que decidiram fabricar e vender marzipan caseiros – doce típico europeu à base de chocolate, no centro de São Paulo, onde vendiam as iguarias diretamente para funcionários e clientes dos bancos europeus no Centro da capital.
Após muita luta, o casal conseguiu abrir a primeira loja na Rua Miguel Couto, centro, em 1928.
O local tinha uma novidade que marcou os olhos das pessoas da época: bonecos, bichinhos e outras
figuras feitas de marzipan eram expostas na vitrine da loja, tanto para decoração, como para venda. O casal logo inaugurou uma segunda loja na mesma rua.
Pouco tempo depois, já em 1930, os empreendedores viram um novo nicho: os ovos de Páscoa, feitos inicialmente em chocolate ao leite e crocante. Além disso, aprenderam que decorar as vitrines de acordo com as festividades, contribuía muito para chamar a atenção dos consumidores.
No começo da década de 40, decidiram adquirir uma fábrica no bairro do Itaim Bibi, com as
tecnologias mais modernas da época. Assim, além do marzipan e dos ovos de páscoa, a empresa
começou a produzir chocolates finos, bombons, balas, biscoitos e, até mesmo, panetones.
Também na década de 40, o negócio foi expandido, chegando ao Rio de Janeiro, então capital federal.
Nesses anos, a Kopenhagen já oferecia produtos tradicionais, como a Língua de Gato, Chumbinho,
Lajotinha e Nhá Benta. Nos anos 50, uma mudança significativa: a empresa adota o atual logotipo, a assinatura de David Kopenhagen.
Os anos 60 foram marcados por novidades: as caixas de bombom com tampas transparentes; a
inauguração da loja no shopping Iguatemi, em 1968; e os coelhos de chocolate com nome de gente
(Lito, Vera e Bastião).
Em 1996 com 100 lojas, a Kopenhagen já era uma das empresas de chocolates mais requintadas do Brasil
e foi vendida para o empresário paulistano Celso Ricardo de Moraes que mudou a fábrica, primeiramente para Barueri e posteriormente para Extrema, em Minas Gerais.
Da Alemanha, a Sönksen
Até a década de 1970, o nome Sönksen era sinônimo de balas e chocolates em São Paulo. Até hoje, muitos paulistanos se lembram das famosas balas de cevada, que tinham a forma de pingos achatados e vinham em latinhas redondas na cor bordô. Havia também balinhas nos sabores tangerina, leite, anis, mel e abacaxi.
A Sönksen fabricava balas de goma, bombons, pães-de-mel e chocolates. Os primeiros ovos e coelhos de Páscoa, e Papais Noéis de chocolate foram fabricados por eles. “Chocolate para famílias” era o slogan estampado nas embalagens.
A empresa, que recebeu o sobrenome da família paulistana de origem alemã Sönksen, curiosamente não surgiu nem terminou nas mãos de membros do clã. Em 1888, a loja de chocolates La Bombonière foi inaugurada na rua Líbero Badaró por Alfred Richter.
Richter casou-se em 1900 com Alwine Sophia Sönksen, que herdou a loja depois da morte do marido. Como não quis continuar com o negócio, vendeu a La Bombonière para João Faulhammer em 1904.
Uma das filhas do empresário, Anna Sophia, casou-se com Augusto Sönksen, irmão de Alwine. Foi ele quem convenceu Alwine a voltar para o negócio, junto com outro irmão, Christian.
Os três compraram a empresa de Faulhammer em 1912 e deram a ela o nome de Sönksen. A fábrica e a sede ficavam num prédio no número 310 da Rua Vergueiro.
Em 1973 a Sönksen foi colocada à venda e passou para as mãos de um grupo de empresários que controlava também a doceria Ofner. Por volta da década de 80 a marca foi descontinuada pelos novos controladores.