1932 – o ano em que São Paulo
pegou em armas – 1
9 de julho e 23 de maio são os nomes de duas das mais importantes avenidas centrais da cidade de São Paulo. Seus nomes são decorrentes de acontecimentos que abalaram a vida da capital paulista há cerca de 90 anos e marcaram a história brasileira a partir de então.
Embora se assemelhe a um enredo de filme, os acontecimentos que precederam a trágica noite de 23 de maio de 1932 unem poder econômico e política e começa bem distante de São Paulo, em Nova York, quando em, 1929, a economia norte americana “quebra” e mergulha o país em uma grave crise.
São Paulo e os barões do café, altamente dependentes das exportações, sentem o impacto da quebra da bolsa de Nova Iorque e cobram posições mais firmes do então presidente Washington Luiz, que, no entanto, tem poucas atitudes concretas em defesa dos interesses da elite paulistana.
Em 1929, Washington Luís apoiou Júlio Prestes, presidente do estado de São Paulo à sua sucessão, e o presidente da Bahia, Vital Soares, como candidato a vice-presidente.
Os presidentes de dezessete estados apoiaram o candidato indicado pelo presidente Washington Luís. Negaram apoio ao candidato Júlio Prestes, apenas os presidentes de três estados, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Paraíba.
Os presidentes destes três estados e políticos de oposição se unem formando a Aliança Liberal e lançam Getúlio Vargas candidato a presidente da república.
Muitos oligarcas paulistas passaram a aderir à oposição, entretanto, com apoio da maioria, em março de 1930, Júlio Prestes venceu a eleição e assumiria a presidência ao final do ano.
Mas, em 24 de outubro de 1930, um golpe militar depõe Washington Luís. Uma junta militar assume a presidência, entregando-a a Getúlio Vargas no dia 3 de novembro de 1930. O movimento teve amplo apoio dos paulistas.
Em São Paulo, deveria assumir o governo o professor Francisco Morato, mas, por divergências, assumiu o banqueiro José Maria Whitaker, que permaneceria no posto por apenas duas semanas. Em seu lugar ficou o jornalista Plínio Barreto, diretor de O Estado de S. Paulo, que permaneceria no cargo somente 20 dias.
Getúlio Vargas acabou nomeando o capitão João Alberto Lins de Barros, natural de Pernambuco e pessoa totalmente estranha à política paulista, para o governo. Barros renuncia pouco tempo depois
Uma sucessão de nomeações desagradaram cada vez mais a elite paulistana. No dia do aniversário da cidade de São Paulo, em 25 de janeiro de 1932, houve na praça da Sé um gigantesco comício no qual uma multidão, com inúmeras faixas, clamava por uma Constituinte e a volta da democracia no Brasil.
O MMDC
Um comício de protesto dos paulistas começou na praça do Patriarca, em 23 de maio, e foi seguido por uma passeata pelas ruas de São Paulo. Um grave incidente ocorrido na porta do comando da Força Pública, no qual saíram feridos vários manifestantes, provocou uma revolta entre os participantes, que passaram a atacar jornais governistas.
Os populares resolveram atacar a sede do Partido Popular Paulista (PPP), a antiga Legião Revolucionária de São Paulo, que apoiava o governo de Getúlio Vargas, localizada na rua Barão de Itapetininga, perto da praça da República. Os manifestantes, alguns armados, tentaram invadir o prédio, inclusive ateando fogo no hall do edifício. O Corpo de Bombeiros, chamado para debelar as chamas, foi recebido com hostilidade e obrigado a retornar ao quartel. Os que se encontravam no prédio, sentindo-se ameaçados, reagiram à bala.
O confronto na praça da República, além de feridos, resultou também na morte a tiros de Mário Martins de Almeida (fazendeiro na cidade de Sertãozinho, 31 anos), Euclydes Bueno Miragaia (auxiliar de cartório em São Paulo, 21 anos), Dráuzio Marcondes de Souza (ajudante de farmácia na capital, de apenas 14 anos) e Antônio Américo de Camargo Andrade (comerciário em São Paulo, 30 anos).
Com as siglas de seus nomes formou-se o MMDC, uma sociedade secreta, organizada no dia seguinte. Vargas, preocupado com a grave crise em São Paulo, nomeou como comandante da 2ª Região Militar o coronel Manoel Rabelo, e determinou o envio de tropas do Exército para a capital paulista.
A tragédia de 9 de julho
O 9 de julho de 1932, um sábado, foi uma noite fria de inverno, a cidade vivia uma noite calma. A movimentação era, como sempre, nos cinemas, teatros e cafés.
Depois das dez horas da noite, grupos de homens se dirigiram para a região do bairro da Luz, onde se localizava o quartel da então Força Pública do Estado (hoje Polícia Militar). Na Faculdade de Direito do largo de São Francisco, apesar de ser um fim de semana, se concentravam também vários estudantes.
Por volta das 23 horas, três caminhões da prefeitura de São Paulo chegavam ao prédio da faculdade, com uma carga inusitada: armas, que foram distribuídas rapidamente entre os jovens acadêmicos e populares que lá estavam, que logo após começaram a circular pelas ruas do centro.
Armados, uma das primeiras atitudes desses civis foi ocupar os prédios das três emissoras de rádio existentes na capital, a Educadora Paulista (PRA-E), a Cruzeiro do Sul (PRA-O) e a Record (PRA-R). Pelo microfone da rádio Record, a voz vibrante do locutor César Ladeira se fez ouvir em todo o país, e a marcha “Paris Belfort”, do francês Antonin-Xavier Farigaud, tornou-se o hino oficial da Revolução.
Concomitantemente, tropas regulares armadas com fuzis eram vistas sendo transportadas por caminhões por diversas vias da cidade. Aqueles que retornavam para suas residências se assustavam com aquela movimentação paramilitar. Por volta da meia-noite a milícia paulista ocupou o imponente edifício dos Correios e Telégrafos, localizado na esquina da avenida São João com o vale do Anhangabaú, e logo depois a sede da Companhia Telefônica.
A maior movimentação era na sede da 2ª Região Militar, localizada na chácara do Carvalho, antiga propriedade da família Silva Prado, afastada do centro da cidade. O comandante da 2ª RM, general José Luís Pereira de Vasconcellos, recém-nomeado para o posto, estava a caminho de São Paulo, vindo de trem do Rio de Janeiro, e tomou conhecimento das ocorrências na capital quando se encontrava na cidade de Lorena, no vale do Paraíba.
Na ausência do comandante, assumiu as tropas federais em São Paulo, o coronel Euclydes Figueiredo (pai do ex-presidente da República João Baptista Figueiredo).
Um comunicado do comando da 2ª Região Militar foi transmitido por intermédio das estações de rádio: “De acordo com a frente única paulista e com a unânime aspiração do povo de São Paulo e por determinação do general Isidoro Dias Lopes, o coronel Euclydes Figueiredo acaba de assumir o comando da 2ª Região Militar, tendo como chefe do Estado-Maior o coronel Palimércio de Rezende. A oficialidade da região assistiu incorporada, no quartel general, a posse do coronel, nada havendo ocorrido de anormal. Reina em toda a cidade intenso júbilo popular e o povo se dirige em massa aos quartéis, pedindo armas para a defesa de São Paulo”.
O Exército adere ao movimento
A adesão das guarnições militares do Exército, inclusive do 4º Regimento de Infantaria, sediado no quartel de Quitaúna, no então distante bairro de Osasco, com seu poderoso armamento pesado de canhões, foi total. Ainda na noite do dia 9 de julho, foi divulgada uma proclamação, assinada pelo general Isidoro Dias Lopes e pelo coronel Euclydes Figueiredo.
“Ao povo paulista: Neste momento, assumimos as supremas responsabilidades do comando das forças revolucionárias, empenhadas na luta pela imediata constitucionalização do país. Para que nos seja dado desempenhar, com eficiência, a delicada missão de que nos investiu o ilustre governo paulista, lançamos um veemente apelo ao povo de São Paulo, para que nos secunde na ação primacial de manter a mais perfeita ordem e disciplina em todo o Estado, abstendo-se e impedindo a prática de qualquer ato atentatório dos direitos dos cidadãos, seja qual for o crédito político que professem. No decurso dos acontecimentos que se seguirão, não encontrará a população melhor maneira de colaborar para a grande causa que nos congrega do que dando na delicada hora que o país atravessa mais um exemplo de ordem, serenidade e disciplina características fundamentais da nobre gente de São Paulo.”
Reunido no palácio dos Campos Elíseos desde a noite anterior com seu secretariado, o interventor federal Pedro de Toledo encaminhou telegrama ao chefe do governo provisório, presidente Getúlio Vargas, apresentando seu pedido de renúncia do cargo. Com o apoio do Exército, da Força Pública e do povo, ficou decidido aclamar Pedro de Toledo como governador do Estado, em manifestação marcada para o dia 10 de julho, em frente ao largo do Palácio (Pátio do Colégio), onde se localizava a sede do governo do Estado desde o tempo do Império.
Iniciava-se, desta forma, o movimento armado paulista que enfrentou o governo federal e transformaria de forma profunda a vida na cidade e no estado de São Paulo naquele ano de 1932.
As implicações da chamada “Revolução Constitucionalista de 1932” você conhece no post da próxima semana.