Os anos 80
e o Rock Paulistano
No último dia 11 de janeiro, um dos maiores festivais de música do Brasil, o Rock in Rio, completou 45 anos. Se coube à capital fluminense sediar o primeiro grande festival brasileiro de música dedicada ao gênero (se bem que o festival abraça um conceito bastante flexível de rock) fato é que outras capitais, como Brasília, tiveram papel fundamental no surgimento do chamado “rock dos anos 80”. São Paulo foi berço de uma geração de músicos e bandas, das quais muitas ainda são relevantes no cenário nacional.
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O cenário da difusão e consumo da música era muito diferente há quarenta anos. Streaming? Spotify? Deezer? Nem pensar, mesmo. A “internet” da época eram os discos lançados por aqui ou os contrabandeados do exterior e, quem dava as cartas eram as gravadoras e as emissoras de rádio, que “pautavam” o gosto musical do brasileiro.
Até a primeira metade dos anos 80 a chamada MPB era o que mais se consumia em termos musicais. Chico Buarque, Caetano Veloso, Milton Nascimento, Gal Costa, Maria Bethânia, Beto Guedes, Guilherme Arantes, apenas para citar alguns, eram artistas em plena fase áurea de suas carreiras.
Mas um gênero que, se não era novo, afinal existia já desde os anos 50, tomava força nas metrópoles do país, o rock. E aqui falamos especificamente do rock nacional.
Brasília viu nascer no final da década de 70 e início da de 80 bandas importantes, como o Aborto Elétrico, a Legião Urbana, Capital Inicial, Plebe Rude e Os Paralamas do Sucesso, mas São Paulo, centro econômico e cultural do país se notabilizou também por uma geração de bandas que marcaram o cenário musical e por estar inserida neste eixo cultural e econômico, assim como o Rio de Janeiro, se notabilizou como importante local de difusão dessas novas bandas.
Uma breve retrospectiva histórica
O ritmo que se convencionou chamar de rock nasceu nos Estados Unidos, em meados da década de 50, como um amálgama de estilos da música negra como blues, R&B, soul e funk com o folk e country do interior americano.
Desta época destacam-se nomes como Jackie Brenston, Bill Halley e Little Richard. Logo depois o ritmo ganharia projeção meteórica com nomes como Chuck Berry, Johnny Cash e Elvis Presley.
Em terras brasileiras, teria sido a cantora Nora Ney a pioneira do gênero, ao gravar, em 1955, “Ronda Das Horas”, versão do clássico “Rock Around the Clock” de Bill Haley.
Na década de 1960 o rock brasileiro era claramente influenciado pelo ritmo e temática do rock americano. A Jovem Guarda ganha força com Roberto Carlos, Erasmo Carlos, Wanderléia, Cely Campello e outros nomes que entoavam canções de melodia e letras até ingênuas, até que artistas como Gilberto Gil, Caetano, Zé Ramalho, por exemplo, passam a experimentar a fusão de ritmos regionais às possibilidades das guitarras e baixos elétricos, levando o rock nacional a uma nova fase de experimentação.
Em São Paulo a vanguarda experimental em dois grupos icônicos
Mutantes e Secos e Molhados. Quem nunca ouviu alguma canção destes grupos?
Ambos surgem em São Paulo. Primeiro “Os Mutantes”, na Vila Mariana, ao final da década de 1960. Formado pelos paulistanos Arnaldo Baptista, Sérgio Dias e Rita Lee Jones, os Mutantes experimentam uma liberdade criativa com fonte no movimento Tropicália e tornam o rock mais autoral, já com uma proposta estética brasileira e livre das adaptações e traduções que marcaram a geração anterior.
Em 1973 três amigos se unem em torno de uma proposta inovadora, um rock extremamente autoral, virtuoso e aliado a uma performance cênica ainda mais radical do que a dos mutantes. Surge na capital paulista, formado por Gerson Conrad, João Ricardo e Ney Matogrosso a banda “Secos e Molhados”.
O grupo teve duração efêmera entre 1973 e 1974. Lançou apenas dois discos, mas marcou a cena musical paulistana e brasileira de forma indelével com um arrebatador sucesso. Suas canções até hoje são reconhecidas por diferentes gerações.
Anos 80 a década da explosão
Já nos finais da década de 1970 inspirados no predomínio do rock como cultura musical mundial mais difundida e nas experiências pioneiras de Mutantes e Secos e Molhados, o Brasil que vivia os declínio da ditadura militar e o clamor por uma nova ordem social democrática viu surgir uma geração inteira de bandas que se apropriaram do ritmo e a ele deram um vigor que mudaria a história da música brasileira.
Já citamos as bandas de Brasília, mas São Paulo também vivia uma intensa efervescência nos bares do Bixiga e da região central, em que se apresentavam os “novos” grupos.
Neste contexto surgiram os “Titãs do Iê Iê Iê”… sim, apesar do nome estranho, o grupo de amigos que estudavam juntos no Colégio Equipe, em Higienópolis, fundaram uma das mais duradouras bandas do rock nacional.
Arnaldo Antunes, Nando Reis, Branco Mello, Marcelo Fromer, Tony Belloto, Paulo Miklos, e os demais integrantes, surgiram na cena paulistana em shows no Sesc Pompéia, espaços como o Radar Tantan, no bom Retiro e outras casas “underground” no centro da capital.
As novas bandas paulistanas encontravam também espaço em casas de shows como a “Rose Bombom”, na Rua Oscar Freire, o Aeroanta, em Pinheiros e o Projeto SP, na rua Augusta, por onde passaram bandas como os também paulistanos Ultraje a Rigor, Ratos de Porão, Ira! e RPM, por exemplo.
Madame Satã onde tudo acontecia
Talvez a mais icônica das casas noturnas ligadas à cena do rock paulistano tenha sido a Madame Satã, instalada em um antigo sobrado do início do Século XX no Bixiga.
Na época, o lugar era mais que um bar. Funcionava como um centro de convergência de muitas tribos da Grande São Paulo. Com shows de bandas como Titãs, Capital Inicial e Legião Urbana. Ir até ao Madame Satã era a certeza de encontrar gente interessante e novas experiências.
“Você podia sentar em uma mesa e começar a falar sobre Goethe”. No Madame Satã tinha “a Gorda”. Uma performer que ficava em uma gaiola declamando poesia e comendo repolho a noite toda.
O local tinha a pista de dança mais escura da cidade – só uma luz estroboscópica piscava no porão. Ali punks, roqueiros, poetas, jornalistas, artistas, intelectuais e curiosos dançavam ao som de rock e punk.
Por ele passaram João Gordo e os Ratos de Porão, Cazuza, Marisa Orth e o Rumo, Kid Vinil, bandas como RPM, Titãs, Capital Inicial, Inocentes e Ira!
Os primeiros grandes shows em São Paulo
O complexo de exposições do Anhembi, na Zona Norte da Capital Paulista sediou o primeiro show internacional de uma estrela de rock no Brasil. Em 30 de março de 1974, apresentava-se o norte americano Alice Cooper, que levou milhares de pessoas ao local.
Pouco depois, em 1981, nos dias 20 e 21 de março, nada menos do que a banda inglesa Queen, fez dois shows que lotaram o Estádio do Morumbi, colocando São Paulo no cenário internacional dos grandes shows.
RPM e a turnê que mudou os shows no Brasil
Neste cenário de efervescência do rock nacional, em 1985, o grupo RPM estreava o show de lançamento do álbum “Revoluções Por Minuto”.
O primeiro show da turnê foi no Teatro Bandeirantes, no dia 19 de setembro daquele ano.
Musicalmente não havia nada de diferente do que estava sendo feito no cenário nacional, mas sim esteticamente. A banda havia contratado o produtor Manoel Poladian (então produtor de Roberto Carlos) e, para dirigir o show, ninguém menos que Ney Matogrosso.
O resultado foi um espetáculo de rock vibrante, como até então não se tinha visto em uma banda nacional. Raios laser, gelo seco, cenários imensos, efeitos visuais e iluminação estonteante criaram um novo patamar para os mega-shows.
A banda, percebendo o sucesso do show, encomendou ao produtor Marco Mazzola a gravação do show nos dias 26 e 27 de maio de 1986, no Palácio de Convenções do Anhembi. A gravação foi mixada nos Estados Unidos e se transformou no álbum “Rádio Pirata Ao Vivo” que vendeu à época 2,7 milhões de cópias, sendo considerado o álbum de rock nacional que mais vendeu cópias até hoje.
Em 17 de dezembro de 1986, dessa vez no Ginásio do Ibirapuera, o RPM gravou o VHS com a íntegra da apresentação, lançado em DVD somente no ano de 2010.
Uma galeria voltada ao Rock
A São Paulo de todas as tribos tem uma galeria comercial, aqui, perto da Casa da Boia, onde o universo rock, punk, Hip-Hop, Geek, fashion, street e outras tribos urbanas convivem em harmonia e encontram espaço de consumo e troca de ideias é a “Galeria do Rock”, na avenida São João, com entrada também pela rua 24 de maio.
Oficialmente Centro Comercial Grandes Galerias, o local foi construído em 1962 e inaugurado em 1963.
No contexto da época, o comércio têxtil predominava na galeria, que abrigava mais de 100 alfaiates. Mesmo com a especificação têxtil, a galeria contava com lojas de serigrafia e salões de beleza. Mas, com o surgimento dos shopping centers a galeria começou a perder espaço para os novos centros comerciais.
Em 1976, após passar quase meia década vazia, a galeria ganhou sua primeira loja punk, a Wop Bop, que foi mal vista pela administração, pois brigas entre punks, skinheads e headbangers começaram a se tornar comuns, assim como uso de drogas no local.
Na primeira metade dos anos 80 começaram a abrir muitas lojas de discos na galeria e com o novo público consolidado as lojas do gênero rock foram tomando o local, tornando-se soberanas.
Atualmente a “Galeria do Rock” possui 450 estabelecimentos comerciais, com predominância para o comércio de produtos relacionados ao rock, mas que atendem às tribos do hip hop, artigos para skatistas, esotéricos, livros da cultura pop como os da saga Harry Potter, fãs de basquete americano e amantes de músicas antigas.
A galeria, que vale ressaltar, é tombada pelo patrimônio histórico (assim como a Casa da Boia) se tornou um dos principais pontos de encontro de tribos urbanas, ou subculturas no centro de São Paulo. Por lá, passam em média 25 mil pessoas por dia, número que chega a 35 mil aos sábados e domingos.
Em janeiro, o último show da Legião Urbana
A gente abriu o post lembrando os 40 anos do primeiro Rock in Rio, no dia 11 de janeiro de 1985, um marco na música do Brasil. Mas, janeiro também marcou o final da trajetória de uma das maiores bandas de rock daquele período.
Em 14 de janeiro de 1995, na cidade de Santos, Dado Villa Lobos, Marcelo Bomfá e Renato Russo, subiam ao palco pela última vez em um show da Legião Urbana.
Renato Russo o “frontmen” da banda, enfrentava discretamente as consequências da Aids, que descobrira anos antes, e já não apresentava a mesma performance dos anos anteriores. A Legião fez naquela noite um show característico da banda. Som forte, polêmica no palco (uma lata de cerveja foi arremessada em Renato Russo, levando o cantor a parar o show) e a interação com a plateia que, sem saber, acompanhou um momento histórico.
Renato Russo faleceu em 11 de outubro de 1996.