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25 de março.

Uma data além de uma rua

Rua 25 de março, no Séc. XIX. retratada por Antonio Ferrigno.

 

Lojas cheias de produtos a preços populares. Referência de comércio em São Paulo e destino de milhares de consumidores de todas as partes do Brasil, principalmente nas proximidades de grandes datas comemorativas. Se perguntássemos de qual rua comercial estamos falando, será que haveria quem não respondesse imediatamente: Rua 25 de março?

Conhecida em todo o Brasil como polo de comércio, esta rua próxima à Casa da Boia sintetiza em seu nome a data de importante acontecimento para a história de nosso país. Se perguntássemos os fatos acontecidos em 25 de março, nome desta rua tão famosa, será que haveria quem respondesse imediatamente?

Vamos voltar ao tempo para reconstruir a história da primeira constituição brasileira
A Assembleia Constituinte de 1823, onvocada por Dom Pedro I foi dissolvida por ele meses após o iníco de seus trabalhos…

Vale recordar que em 7 de setembro de 1822 Dom Pedro I rompeu, de vez, as relações com Portugal, decretando a independência do Brasil. Naturalmente o novo “status” de nação independente instigava vários grupos econômicos (os fazendeiros, latifundiários, os novos industriais, os intelectuais, enfim, basicamente, a elite econômica e cultural do país) a querer, cada qual de uma forma, exercer seu poderio para manter os privilégios que já tinham no período monárquico anterior.

Dom Pedro, por outro lado, não queria abrir mão do poder absoluto que lhe conferia o status de imperador.

Assim foi formada uma Assembleia Constituinte no ano de 1823, com integrantes de várias vertentes políticas que, no decorrer dos trabalhos, evidenciaram que não iriam permitir ao monarca que governasse de forma soberana, como desejava, praticamente sem se submeter à constituição que se desenhava.

… e a constituição imperial de 1824 foi elaborada por um grupo de 10 pessoas alinhadas com os desejos do imperador.

Ou melhor, queria Dom Pedro uma constituição que lhe outorgasse plenos poderes. Como os trabalhos da Constituinte não caminhava nesta direção, Dom Pedro resolveu as coisas à sua maneira.

Mandou que o exército dissolvesse a Constituinte, inclusive com a prisão de boa parte de seus membros. Não poupou nem mesmo seu conselheiro mais próximo e  importante, José Bonifácio, então ministro dos Negócios Estrangeiros que partiu para o exílio com sua família.

Em lugar da Constituinte, Dom Pedro convocou um grupo de dez pessoas, naturalmente alinhadas com os seus desígnios e formou o Conselho Imperial que redigiu uma Carta Magna francamente monarquista.

Embora o documento previsse a existência dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, previa também um quarto poder, o Poder Moderador, exercido por quem? Pelo próprio imperador, com ascendência sobre os demais.

Essa primeira Constituição Brasileira, que inaugura uma nova fase da nação é promulgada no dia 25 de março de 1884.

Daí ser o dia 25 de março o Dia da Constituição.

Mas 25 de março também significa muito para a comunidade árabe

Isso porque a Câmara dos Deputados, em 3 de junho de 2008, por meio da Comissão de Constituição e Justiça aprovou o projeto de lei do Deputado Jorginho Maluly, que estabelecia o dia 25 de março como o “Dia Nacional da Comunidade Árabe no Brasil”.

Das diversas nacionalidades que ajudaram a compor o Brasil de hoje as colônias árabes de nosso país, formadas principalmente por pessoas de origens síria e libanesa – sem deixar de lado os de ascendência palestina, jordaniana, iraquiana e egípcia, em menor número. se mostraram cruciais para o estabelecimento da tônica comercial paulistana, paulista e, afinal, nacional. Não se pode ignorar que as comunidades portuguesa, judaica e, mais recentemente, chinesa também contribuíram com o vigor econômico da 25 de Março, mas a comunidade árabe foi majoritária na região e ainda hoje é difícil dissociar a 25 de março adjacências dos árabes.

Imigrantes chegam no final do Séc. XIX…
Em 1871 e em 1876, Dom Pedro II realiza duas viagens ao oriente, estreitando os laços do Brasil e abrindo portas para a imigração árabe.

Existem registros de árabes já na tripulação da esquadra de Pedro Álvares Cabral. Mas o fluxo maior da imigração árabe começou no século XIX, aos poucos.

Em 1858, um acordo migratório foi devidamente firmado entre os impérios do Brasil e Turco-Otomano e impulsionou o fluxo de imigrantes. No início, sobretudo imigrantes libaneses, com sírios em menor quantidade, estabeleceram uma então tímida comunidade árabe no país, com quase só homens vindo para cá, para tentar ganhar a vida e ajudar a família.

Tudo ganhou força com uma política de imigração no Segundo Reinado, impulsionada por duas viagens diplomáticas de Dom Pedro II pelo Oriente Médio, em 1871 e 1876: o imperador voltou impressionado com a cordialidade árabe, divulgando a imagem do Brasil por lá e abrindo os portos brasileiros a quem quisesse se estabelecer por cá.

Segundo o acadêmico norte americano Jeff Lesser, no livro Negotiating National Identity: Immigrants, Minorities, and the Struggle for Ethnicity in Brazil, desembarcaram no Porto de Santos por volta de 130 mil pessoas de origem libanesa e síria entre 1884 e 1933.

… um deles, o fundador da Casa da Boia
Rizkallah Jorge foi um destes imigrantes que chegaram a São Paulo no final do Séc. XIX. Logo abriu por aqui uma empresa especializada em fundição de cobre.

Foi exatamente como mencionado acima que o jovem Rizkallah Jorge Tahan, recém-casado, deixou a Síria, embarcou em um navio em Trípoli e chegou ao porto de Santos em 1895, deixando em sua terra natal a esposa Zékie Naccache.

Conhecidos genericamente como “turcos”, já que naquela época tanto a Síria quanto o Líbano faziam parte do Império Turco-Otomano, árabes aqui desembarcados eram em geral de origem camponesa, preferindo manter distância das agruras da lida rural tanto por ingrata experiência em seus torrões natais quanto por não conhecerem muito bem a terra deste novo, selvagem e duro país, tão vasto quanto pitoresco. Ademais, notavam que, por aqui, imigrantes de outras nacionalidades, no campo, muitas vezes eram passados para trás. Foi assim que muitos dos primeiros árabes no Brasil se tornaram inicialmente mascates, caixeiros-viajantes, permanecendo constantemente em trânsito – tanto em cidades movimentadas quanto em fazendas em todos os rincões –, ofertando mercadorias, às vezes de forma exclusiva. Vendiam, em lombos de animais, tudo quanto é tipo de coisa, variedade admirável que anunciava os tempos atuais da Rua 25 de Março: roupas, adornos, remédios, artigos para o lar, ferramentas, quinquilharias, publicações, tecidos.

Para os colonos europeus presos na lida com a terra era melhor comprar dos árabes, já que a economia do Brasil agrário de então teimava em manter costumes da escravidão.

Camponeses em geral se endividavam nos únicos lugares onde podiam comprar o básico para seu sustento, as vendas da fazenda, que pertenciam aos latifundiários que os empregavam. Melhor negociar com os árabes. As idas e vindas dos mascates entre pequenas vilas e sítios tiveram grande papel comunicador: eram eles, muitas vezes, as únicas formas de contato do camponês com o mundo exterior, levando e trazendo não só mercadorias físicas, mas informações.

Com o tempo, muitos imigrantes árabes nesse ramo conseguiram juntar capital suficiente para abrir pequenos estabelecimentos comerciais em centros urbanos variados. Seu objetivo não era apenas enriquecer: havia os que poupavam o suficiente para conseguir o ideal, trazer o restante da família, tanto para ajudar na loja quanto para fincar raízes.
Surgiam, assim, os clássicos armarinhos e lojas de tecidos comandados por árabes, ou seus filhos, ou seus netos e sobrinhos (quando não por todos).

Já em 1910 (data da foto de Vicenzo Pastore) a rua 25 de março era um polo de comércio, principalmente de estabelecimentos de imigrantes árabes.

Em 1901, diz o IBGE, a capital paulista já contava com mais de 500 casas comerciais na região de concentração sírio-libanesa; seis anos depois, outro levantamento apontou que de 315 firmas desses imigrantes, 80% eram lojas de tecidos a varejo e armarinhos.

Casas de dentro e de fora desse ramo cresceram consideravelmente com a eclosão da I Guerra Mundial, que interrompeu a importação de produtos europeus.

O fluxo inicial de sírios e libaneses para o Brasil se deu até a década de 1910. Outra onda, maior, se deu depois da Primeira Guerra Mundial – que trouxe, aliás, a extinção do Império Otomano, que havia malfadado uma aliança com a Alemanha.

Nesse segundo momento, processos de industrialização e urbanização corriam a todo o vapor no país, dando o tom na busca por melhores condições de vida, não só entre imigrantes: os ciclos da borracha, na Amazônia, e do café, no Sul e no Sudeste, atraíram trabalhadores de todas as origens.

Mascates, armarinhos e casas de secos e molhados eram, então, mais do que necessários, ao passo em que certas figuras da comunidade árabe, com seus devidos contatos internacionais, alcançavam fama como importantes agentes de importação, de intercâmbio cultural, religioso e com seu capital crescente, ascenderam social e politicamente.

Que seguiu por outro caminho…

Enquanto seus compatriotas, em sua maioria, trilhavam o caminho do comércio de armarinhos, Rizkallah Jorge empregou seu conhecimento na manipulação de metais para fundar, possivelmente, a primeira fundição de cobre da capital paulista e com ela expandir seus negócios relacionados à hidráulica, a medida que a cidade crescia. A Rizkallah Jorge e Cia, posteriormente Rizkallah Jorge e Filhos e, finalmente, Casa da Boia se consolidou no comércio paulistano, embora em outro ramo, na mesma região da rua 25 de março.

Assim como Rizkallah Jorge, nome de rua no centro da cidade, outros imigrantes árabes são lembrados na denominação das ruas da região. Comendador Abdo Schahin, Cavalheiro Basílio Jafet, Afonso Kherlakian, Ragueb Chohfi, são alguns dos nomes que fizeram história e estão intimamente ligados à memória da 25 de Março.

Ao final da subida da Ladeira da Constituição, na rua que homenageia o ex-presidente da Província de São Paulo, Florêncio Carlos de Abreu e Silva, ou Florêncio de Abreu, no número 123, está, ainda e com muito orgulho, a empresa que representa o legado de um imigrante árabe que ajudou a construir a cidade de São Paulo, a nossa Casa da Boia.

Quase na esquina da Rua da Constituição, com a rua Florêncio de Abreu, ainda está em atividade a Casa da Boia, fundada por Rizkallah Jorge em 1898.

Fontes: 

https://bndigital.bn.gov.br/artigos/25-de-marco-dia-nacional-da-comunidade-arabe/

Bruno Brasil, publicado em 25 de março de 2021

https://www.ibge.gov.br/

https://www.camara.leg.br/

https://anba.com.br/

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