Rádio, carnaval
e as famosas cantoras
Abordamos nas nossas duas últimas postagens a polêmica história da criação do rádio e também um pouco sobre a história do Carnaval e, aproveitando esses dois assuntos, que tal relembrar como eram os carnavais aqui da capital paulista durante a era de ouro do rádio?
Vamos lembrar as primeiras rádios de São Paulo.
Em fins de 1923, foi constituída a Rádio Educadora Paulista, a primeira em todo o Estado de São Paulo, tendo à frente Frederico Vergueiro Steidel, seu primeiro presidente. No ano seguinte, com um pequeno transmissor de 100 watts, entrou no ar. Operava inicialmente na residência de um de seus diretores e depois em sua sede à rua Carlos Sampaio, perto da avenida Paulista.
Posteriormente, por autorização do secretário de Estado da Agricultura, Gabriel Ribeiro dos Santos, foi instalada nas torres do Palácio das Indústrias (aqui pertinho da Casa da Boia, no Parque Dom Pedro I).
Em 1928, foi inaugurada a segunda emissora de São Paulo, a Sociedade Rádio Record, que funcionou durante pouco tempo. Adquirida posteriormente por Paulo Machado de Carvalho, foi reinaugurada em 11 de junho de 1931.
Com a Revolução de 1930 e a posse de Getúlio Vargas, o rádio brasileiro se desenvolveria de fato. A assinatura do Decreto n.° 20.047 de 1931, que autorizou as emissoras a veicularem propaganda paga, ficando estabelecido, em contrapartida, que uma delas transmitiria o ”Programma Nacional”, em cadeia pelas demais estações, com o objetivo era integrar o país através das ondas do rádio.
Curiosamente a famosa “Hora do Brasil”, este horário obrigatório para veiculação de divulgação governamental só seria implementada efetivamente em razão do levante paulista de 1932 contra o governo federal de Getúlio Vargas.
Durante a chamada “Revolução Constitucionalista” nas emissoras paulistas, eram lidos discursos contra Getúlio Vargas e seu governo, além das notícias e propagandas do front de batalha, com um viés favorável à campanha paulista.
Assim, as rádios de outros estados, notadamente as cariocas (onde ficava a sede do governo federal) foram requisitadas para divulgar as informações do serviço de publicidade da Imprensa Nacional e os comunicados da Chefatura de Polícia, horário que mais tarde seria denominado a Hora do Brasil, e, atualmente, A Voz do Brasil, sendo o programa oficial de rádio mais antigo do mundo.
Até 1937 a capital paulista já contava com dez emissoras radiofônicas: Rádio Educadora Paulista – PRA-6 (1923); Rádio São Paulo – PRA-5 (1927), Rádio Cruzeiro do Sul – PRB-6 (1927), Rádio Record – PRB-9 (1928), Rádio Cosmos – PRB-7 (1934), Rádio Cultura – PRE-4 (1934), Rádio Excelsior – PRG-9 (1934), Rádio Difusora – PRF-3 (1934), Rádio Bandeirantes – PRH-9 (1937), Rádio Tupi – PRG-2 (1937).
A era de ouro do rádio
Nos anos da II Grande Guerra Mundial, o rádio foi para a população o meio de informação mais eficiente, tendo sido criado, nesse período, o mais importante noticioso radiofônico, o Repórter Esso, imortalizado na voz do locutor Heron Domingues.
Vários programas humorísticos foram criados, como a PRK-30, com Lauro Borges e Castro Barbosa, Tancredo e Tancrado, Balança Mais não Cai, Alvarenga e Ranchinho e, em São Paulo, a Escolinha de Dona Olinda, com o seu genial criador Vital Fernandes da Silva, o Nhô Totico.
Cabe destacar a primeira novela radiofônica, Em Busca da Felicidade, e a de maior sucesso, O Direito de Nascer, com Paulo Gracindo no papel principal. A Rádio Panamericana, hoje Jovem Pan, foi a primeira emissora a se dedicar a radionovelas, porém a grande especialista no gênero foi a Rádio São Paulo, tendo Waldemar Ciglione e Ceci Medina como seus maiores astros. Os grandes autores foram Oduvaldo Vianna, Giuseppe Ghiarone e Dias Gomes.
No campo esportivo, cabe lembrar os grandes locutores como Gagliano Neto, o primeiro a transmitir uma Copa do Mundo, diretamente da França no ano de 1938, através do microfone da paulista Rádio Cruzeiro do Sul.
Destacaram-se, ainda, Ary Barroso e sua gaitinha, que tocava toda vez que se marcava um gol; Oduvaldo Cozzi, Antonio Cordeiro, Pedro Luiz, Geraldo José de Almeida, Waldir Amaral, Jorge Curi, Edson Leite, Fiori Giliotti e Joseval Peixoto.
As marchas de Carnaval se popularizaram nas ondas do rádio …
Descendente das marchas militares e das marchas populares portuguesas, as marchas-ranchos – como passaram a ser chamadas por animarem os blocos ou ranchos de foliões – acabaram se consagrando como gênero carnavalesco por excelência, prevalecendo até sobre o samba, entre as décadas de 1920 e 1960 e o rádio era o grande difusor desta manifestação durante o período da folia. Foram popularizadas pela difusão no rádio e, replicadas, nos salões e blocos Brasil afora, como, aliás, são até hoje.
Ciando apenas dez dessas marchas, duvidamos que você não conheça a letra de cada uma delas:
Allah-La Ô
As Pastorinhas
As águas vão rolar
Aurora
Bandeira branca
Cabeleira do Zezé
Cachaça não é água
Chiquita Bacana
Cidade maravilhosa
Jardineira
E lançam as famosas cantoras
“Nós somos as cantoras do rádio, levamos a vida a cantar, de noite embalamos seus sonhos, de manhã nós vamos te acordar”. Quem, também não ouviu os versos eternizados pela luso-brasileira Carmem Miranda, a primeira “celebridade internacional” lançada pelo rádio brasileiro?
A música foi composta por Alberto Ribeiro, João de Barro, o Braguinha, e Lamartine Babo e foi gravada pelas irmãs Aurora e Carmen Miranda, em 1936.
Apesar do estrondoso sucesso obtido por Carmem em sua bem sucedida carreira internacional, outras cantoras fizeram igual sucesso aqui no Brasil, arrebatando multidões de fãs, seja pelas ondas do rádio, ou nos auditórios destas mesmas rádios. Dentre estas divas, o sociólogo Ronaldo Conde Aguiar, relaciona aquelas que, em sua visão, foram as mais representativas do período, no livro As Divas da Rádio Nacional:
Dolores Duran, Maysa, Zezé Gonzaga, Angela Maria, Emilinha Borba, Marlene, Dalva de Oliveira, Elizete Cardoso, Isaurinha Garcia eInezita Barroso.
A chegada da TV na década de 50 representou, para o veículo rádio, um impacto considerável, tanto em termos de audiência, quanto de financiamento por meio da publicidade, que, à medida que o novo meio de comunicação se tornava mais popular, atraía as verbas dos anunciantes.
Cantoras, cantores, artistas das radionovelas viveram este momento de transição e muitos souberam aproveitar a troca de um veículo puramente baseado no som, para um novo, que agora privilegia, igualmente, a imagem.
Tanto assim, que não demorou para as emissoras começarem a transmitir os bailes de carnaval dos salões sofisticados de São Paulo e Rio de Janeiro, com o som de, adivinhem quais marchinhas, lançadas ainda na era do rádio.