1932 – o ano em que São Paulo
pegou em armas – 2
Em nossa última postagem narramos os acontecimentos que levaram os paulistas às armas, no dia 9 de julho de 1932. Aqui, o desfecho do maior levante armado civil do Séc. XX na república brasileira.
Após a ocupação de rádios, repartições públicas e da adesão do Exército ao levante armado paulista, no Rio de Janeiro, sede do Governo Federal, as notícias chegaram ao amanhecer do domingo, dia de julho. Getúlio Vargas, informado da rebelião paulista, convocou uma reunião de emergência com todo o ministério no Palácio do Catete. O general Pedro Aurélio de Góes Monteiro foi então nomeado comandante das tropas governamentais que iriam combater os revoltosos.
Getúlio Vargas lamentou a atitude e as traições, inclusive do interventor Pedro de Toledo, ao qual, indignado, o presidente qualificou de “a velha múmia que exumei do esquecimento”.
Travado às escondidas, como convém a um movimento revolucionário, a data marcada para o início do levante paulista seria o dia 14 de julho, data da Revolução Francesa. Mas o General Bertholdo Klinger, comandante da circunscrição militar do Mato Grosso, envia uma carta desaforada ao ministro da Guerra, general de divisão Augusto Ignácio Espírito Santo Cardoso (tio-avô do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso), e precipita os acontecimentos.
Essa atabalhoada e intempestiva postura custaria muito caro para os revolucionários. O general Klinger se viu obrigado a deixar o comando e com isso não pôde contar com a adesão de sua tropa à causa paulista, para desapontamento de todos. De avião, chegou sozinho à capital de São Paulo, mas mesmo assim assumiu o comando das tropas constitucionalistas e passou a orientar as operações militares em direção ao Rio, abandonando outros setores.
Estava deflagrada a guerra civil
Uma das primeiras medidas tomadas pelo governo federal foi determinar o bloqueio de todos os portos paulistas, inclusive o de Santos, com navios da Marinha de Guerra. Apesar da precipitação da revolta, o governo federal teve tempo de organizar e receber adesão de outros estados da Federação, alguns inicialmente comprometidos com os paulistas.
Em 17 de julho, em companhia do ministro da Guerra e auxiliares de governo, Getúlio Vargas foi até a zona de guerra na divisa dos estados do Rio de Janeiro e São Paulo, onde visitou as tropas em operações. Vargas também esteve no quartel general em Barra Mansa, onde o general Góes Monteiro e seu estado-maior informaram da situação e dos planos de ação.
No dia seguinte, as tropas mineiras tomaram a cidade de Passa Quatro e o túnel entre Rio de Janeiro e São Paulo, na linha da Estrada de Ferro Central do Brasil, abrindo um flanco para a cidade de Cruzeiro. No sul, as tropas legalistas gaúchas e paranaenses, sob o comando do general Waldomiro de Lima, ocuparam Itararé e no dia 24 de julho, a cidade de Faxina (hoje Itapeva).
Na capital de São Paulo e em diversas cidades do interior a mobilização foi total, com a adesão da população, que voluntariamente colaborou sem medir esforços. Nada menos que 200 mil homens se apresentaram para lutar, mas não havia armas para todos; somente perto de 30 mil puderam efetivamente ser aproveitados.
A mulher paulista participou ativamente, não só costurando uniformes, como também nas cozinhas, em enfermarias, e na confecção dos conhecidos capacetes de aço. O Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) também ajudou efetivamente com o Movimento Constitucionalista, elaborando e fabricando armamentos, como a criação de tanques lança-chamas e até do famoso trem blindado.
Este trem poderia ter tido um papel preponderante na Revolução se tivesse sido feito antes. Como elemento surpresa, poderia ter ido até a então capital federal levando tropas e depondo o governo federal, com apoio de militares que serviam em quartéis cariocas e eram solidários à causa paulista. Essa verdadeira guerra civil foi a maior movimentação militar ocorrida em território brasileiro em toda a sua história.
Movimento provoca a morte de um dos mais criativos brasileiros
No dia 23 de julho, em um quarto do Hotel La Plage, no Guarujá , após ter conhecimento de que aviões federais estavam atacando os paulistas em terra e no mar, Alberto Santos Dumont, deprimido, pôs termo a sua vida, deixando o país de luto. As autoridades policiais de São Paulo acobertaram que o inventor havia cometido suicídio; somente após o fim da Revolução Constitucionalista é que foi autorizada a divulgação dessa triste informação.
Mas a luta continuava. Os constitucionalistas invadiram nos primeiros dias do movimento as cidades mineiras de Guaxupé, Pouso Alegre e Três Corações, que foram logo retomadas pelas tropas de Minas Gerais.
Por causa da demora na mobilização e na ofensiva, e em parte por contar com muitos civis, as tropas revolucionárias acabaram sendo obrigadas a agir somente na defensiva, e em poucos dias o território paulista foi cercado em todas as suas divisas.
O governo federal, com o apoio e solidariedade dos interventores dos outros Estados, recebeu notadamente do norte do país milhares de soldados de tropas regulares, tanto do Exército como das polícias estaduais. Alguns estados, como o Rio Grande do Sul, mandaram voluntários para combater os revoltosos. A ofensiva das tropas federais conseguiu invadir São Paulo pela Serra da Mantiqueira, ao sul de Minas.
A Aviação Militar
Os paulistas possuíam uma aviação militar pertencente à Força Pública, baseada no Campo de Marte. Uma das proezas dos pilotos paulistas foi lançar sobre a cidade do Rio de Janeiro, para a surpresa da população carioca e do próprio governo, panfletos no qual explicavam a razão da Revolução Constitucionalista. Estudantes na capital federal, em conluio com outros interessados, resolveram praticar atentados; as autoridades policiais, em represália, realizaram várias prisões.
Os aviões do governo federal bombardearam diversos pontos do Estado de São Paulo. Um dos ataques foi, no dia 29/7, à usina hidrelétrica de Cubatão, a Henry Borden, que fornecia energia elétrica para São Paulo.
A dimensão do levante paulista foi tanta que levou Getulio Vargas a pedir dinheiro e armamento para os governos da França e Estados Unidos.
A situação do lado dos paulistas foi se complicando e, em 31 de agosto, a cidade de Itapira foi tomada por tropas do governo federal vindas de Minas Gerais, grande número de soldados paulistas foi feito prisioneiro e apreendido todo o material bélico. Uma semana depois foram ocupadas Mogi Mirim e Mogi Guaçu.
Entre os dias 10 e 11 de agosto, Amparo foi tomada por tropas federais, e foi apertado o cerco a Silveiras e à zona do túnel, no vale do Paraíba. No dia 15 do mesmo mês, as tropas federais ocuparam a cidade de Lorena e a fábrica de pólvora de Piquete. As tropas constitucionalistas, ao recuar, destruíram o que puderam, além de levar todos os gêneros alimentícios disponíveis. Quem sofreu foram os habitantes das zonas abandonadas, que ficaram sem recursos. A linha de defesa paulista ficou estabelecida na estação de Engenheiro Neiva, entre Lorena e Guaratinguetá.
Em 29 de setembro chegava ao porto do Rio o navio alemão General Osório, trazendo da Europa material bélico para reequipar as tropas do governo federal. O cerco se fechava sobre São Paulo e o alto comando do Exército já havia percebido que não ganharia a guerra. À revelia dos revolucionários, o comando da polícia paulista, em entendimento direto com o general Góes Monteiro, comandante das tropas federais, apresentou então uma fórmula de paz, que foi aceita por Getúlio Vargas.
Fim da revolução
Finalmente, no dia 2 de outubro de 1932, foi deposto o governo do Estado, chefiado por Pedro de Toledo e o general Waldomiro de Lima, que assumiu o cargo de governador militar em São Paulo. Todos os 77 cabeças da Revolução Constitucionalista foram encaminhados presos para o Rio de Janeiro, e posteriormente exilados na Europa. O número de vítimas do conflito até hoje é uma incógnita, mas calcula-se que perto de 2 mil homens morreram no conflito em terras paulistas, além de milhares de feridos, muitos deles civis.
Em 3 de maio de 1933, foram realizadas as eleições para a Constituinte, que elaborou uma nova Carta Magna para o Brasil, promulgada em 16 de julho de 1934.