Piolin o Palhaço que escolheu São Paulo
Como picadeiro
Que dê uma cambalhota aquele que jamais tenha dado risadas diante de um palhaço. Tá certo que em alguns casos, essa figura espalhafatosa, maquiada, de sapatos exagerados até provoca um certo medo nas crianças menores, mas neste post, usamos o Dia Mundial do Palhaço, 10 de dezembro, para relembrar a trajetória de um dos maiores ícones desta arte no Brasil.
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27 de março de 1897, praticamente um ano antes de Rizkallah Jorge Fundar a sua empresa na rua Florêncio de abreu, a atiradora de facas do Circo Americano, Clotilde Farnesi, esposa do proprietário do circo, Galdino Pinto, dava à luz, o filho do casal, batizado de Abelardo Pinto, na cidade de Ribeirão Preto, por onde passava a trupe circense..
O garoto cresceu em meio à lona, picadeiro, artistas e, como lhe reservava o destino, foi acrobata, ciclista em uma espécie de globo da morte e contorcionista, até que, ao ficar entalado em uma cadeira, concluiu que a cena engraçada tinha mais relação com outra de suas habilidades, a de fazer rir.
Em 1917 Galdino Pinto empresariava o Circo Queirolo, que tinha como palhaço principal Chicharrão.
Devido a problemas familiares, Chicharrão saiu da companhia e Abelardo entrou para substituí-lo:
“Achei que seria um absurdo uma companhia inteira parar por falta de uma figura e resolvi que eu seria o palhaço. Pensei comigo: se ele faz, eu também posso fazer. E comecei a estudar um tipo de palhaço”, declarou Abelardo em um depoimento ao Museu da Imagem e do Som.
Foi nesse período que ele passou a se apresentar com o nome que o consagrou: Piolin significa barbante fino em espanhol e era um apelido que ele ganhou de um trabalhador espanhol do circo que o chamava assim por achar suas canelas finas demais.
Trabalhou em diversos circos, mas consagrou-se no Circo Alcebíades, onde atuou durante cinco anos. Sua fama cresceu de tal maneira que seu nome passou a ser grafado na porta do circo antes mesmo do nome do dono.
“Circo Piolin Alcebíades”, era o que se lia em uma grande placa na frente da lona montada no Largo do Paissandu, em pleno centro da capital paulista.
Foi lá que conheceu o presidente da república, Washington Luiz, que se tornou seu grande fã e foi lá, principalmente, que foi “descoberto” pelos modernistas de São Paulo.
Os intelectuais da Semana de Arte Moderna, Mário de Andrade e Oswald de Andrade, foram os que iniciaram o movimento de identificar o circo, com as suas pantomimas e seus palhaços, a uma “tradição popular” a ser valorizada e reelaborada pela nova estética que o movimento modernista estava se propondo a criar.
Um palhaço no centro do modernismo
Em 1928 foi publicado no primeiro número da Revista de Antropofagia, o Manifesto Antropófago, no qual Oswald de Andrade, utilizando-se de uma linguagem metafórica, apresentou o projeto daquela “nova estética” que deveria ser capaz de resgatar o caráter positivo do passado indígena, anterior à colonização portuguesa.
A proposta central do Manifesto consistia em propor a deglutição da sabedoria acadêmica e erudita, a partir de um intercâmbio das idéias europeias com a brasilidade. O manifesto terminava saudando a “alegria e o matriarcado de Pindorama”.
Em 27 de março de 1929, dia de aniversário de Piolin, aqueles intelectuais organizaram um almoço em homenagem ao palhaço e chamaram o evento de “Vamos Comer Piolin”.
No contexto do movimento antropofágico, “devorar” o palhaço Piolin, significava (como para os indígenas canibais), incorporar as coragens e virtudes do personagem.
Os mais atuantes intelectuais de modernidade reconheciam, com isso, a gigantesca importância do artista para a cultura popular genuinamente brasileira.
No dia seguinte ao acontecido, o Jornal Correio Paulistano, em matéria intitulada “Homenagem a Piolin”, fez referência ao fato de o Clube de Antropofagia ter prestado tributo ao palhaço no dia de seu aniversário, trazendo detalhes do acontecimento.
Segundo o jornal, o almoço se deu no Restaurante da Casa Mappin, espaço da elite paulistana, e dele participaram 32 convidados, dentre os quais; Tarsila do Amaral, Oswald de Andrade, Anita Malfatti, Raul Bopp, Guilherme de Almeida e Mneotti Del Picchia.
Para o jornal, os participantes do encontro consideraram o circo a expressão mais perfeita da arte mímica, merecedor de um papel de destaque no cenário cultural. Quanto a Piolin, destacaram a sua interação com o público e associaram seus personagens à realidade brasileira.
Um palhaço brasileiro que trouxe a crítica social para sua arte
Embora o pai de Piolin fosse brasileiro, seu Circo Nacional, empregava a geração de artistas estrangeiros que chegaram ao Brasil junto com outras companhias circenses, basicamente europeias. Quase todas as outras companhias circenses de então eram também de origem europeia.
Piolin nasce como a segunda geração destes artistas, convive com eles, mas, paulista de origem, pode ser considerado como o primeiro grande palhaço genuinamente brasileiro, incorporando em suas esquetes cômicas muito da crítica social da sociedade de então.
Com nariz vermelho, roupas e sapatos largos e disformes, (ao mesmo tempo comuns a um trabalhador no início do século 20), e repleto de trejeitos, Piolin se enquadrava no estilo chamado de “excêntrico”, que despertava o riso por meio do que era considerado grotesco para os padrões da época, (uma contraposição ao “clown” (o palhaço em inglês, mais sóbrio, elegante e contido).
Piolin usava muito malabarismo e expressão facial. E sua temática era a do homem brasileiro e seu cotidiano.
O palhaço fazia graça com os assuntos nacionais e a realidade cotidiana.
No centro da narrativa, as histórias colocavam a figura do palhaço como o personagem pobre, mas sempre com um final feliz, como do pai que, falido, tenta arranjar um casamento com alguém proeminente para a filha (que assim seria infeliz), mas ao final ela acabava por ficar com o palhaço por quem na verdade estava apaixonada.
Para o grande público que o assistia, formado por operários e famílias de baixa renda que tinham no circo uma opção de lazer mais acessível do que o cinema, a atuação tinha um efeito catalisador: era possível não só ter uma perspectiva positiva para a difícil realidade social como também rir sem medo de represálias dos patrões.
Um palhaço que adotou a capital paulista
“Piolin é uma das mais completas traduções de São Paulo, uma expressão muito paulistana…Ele não foi um palhaço que viajou o Brasil inteiro, ficou 20 anos em um terreno, 20 em outro terreno. Foi um palhaço bem paulistano”, afirma Veronika Tamaoki, diretora do Centro de Memória do Circo de São Paulo.
Depois do Circo Alcebíades, instalado por anos no Largo Paissandu, e de uma breve passagem pelo Teatro Boa Vista, Piolin fundaria uma companhia com o próprio nome e com a qual se apresentaria até os anos 1960, desta vez na no bairro da Barra Funda, não muito distante do centro.
Piolin trabalhou na TV Tupi durante um ano e meio (1951-1952), apresentando o programa Cirquinho do Piolin. Nesta mesma época participou do filme Tico Tico no Fubá. Fez turnê pelo Brasil e mais tarde voltou a São Paulo.
Em dezembro de 1961 o Governo do Estado despejou Piolin e seu circo do terreno na Avenida General Olímpio da Silveira, alegando que o terreno seria o aproveitamento do terreno para fins sociais, mas na realidade o terreno permaneceu desocupado até 1980, quando foi leiloado para a iniciativa privada.
Indignado, Piolin declarou: “Fui despejado e até hoje não sei porque e nem quero saber”. O artista permaneceu descontente com a situação do circo que estava desamparado pelo Estado.
Este desgosto do artista foi parcialmente redimido quase ao final de sua vida.
Em 1972, Pietro Maria Bardi (diretor do Museu de Arte de São Paulo) e Lina Bo Bardi organizaram uma mostra comemorativa ao cinquentenário da Semana de Arte Moderna e prestaram homenagem a Piolin, montando seu circo no Belvedere do MASP.
Nesse mesmo ano, a Assembleia Legislativa de São Paulo declarou a data de nascimento de Piolin, 27 de março, o Dia do Circo. Foi também nessa ocasião que o palhaço entregou ao MASP suas vestes, sapatões, chapéu de coco e sua bengala, que por anos integraram o acervo do Museu.
Hoje, foram transferidos para o acervo do Centro de Memória do Circo, órgão ligado à Secretaria de Cultura do Município de São Paulo e está instalado na Galeria Olido, também bem pertinho da Casa da Boia e da Rua Abelardo Pinto Piolin, que fica no Largo do Paissandu, onde o artista marcou a história de São Paulo.
Um ano depois, em 4 de setembro de 1973, aos 76 anos, o sorriso do Palhaço Piolin deixou de brilhar. Naquele dia Abelardo Pinto e o Palhaço Piolin faleceram na cidade de São Paulo, que ele escolheu para ser o seu palco em vida, e após sua morte, já que se encontra sepultado no Cemitério da Quarta Parada.
Fontes:
https://capital.sp.gov.br/web/cultura/w/memoria_do_circo/largo_do_paissandu/7142
https://pt.wikipedia.org/wiki/Piolin
https://memoriadocirco.org.br/
http://galpaodocirco.com.br/noticias/palhaco-piolin-e-suas-historias/