A história do Instituto Butantan e a relação da Casa da Boia
com a salubridade no início do Séc. XX
Em 1899, um surto de peste bubônica, que se propagava a partir do porto de Santos, levou a administração pública estadual a criar um laboratório de produção de soro antipestoso (que combate a peste), vinculado ao Instituto Bacteriológico (atual Instituto Adolpho Lutz). Esse laboratório foi instalado na Fazenda Butantan, na zona Oeste da cidade de São Paulo, e, em 23 de fevereiro de 1901, foi reconhecido como instituição autônoma sob a denominação de Instituto Serumtherápico. O objetivo do novo instituto era claro: combater as doenças que assolavam a cidade e proteger a população, mas ao longo de mais de um século de atuação o Instituto Butantan se tornou uma das mais respeitadas instituições científicas mundiais.
Seu primeiro diretor foi o médico Vital Brazil Mineiro da Campanha, estudioso dos problemas de saúde pública da época.
Vital Brazil nasceu em 28 de abril de 1865, em Campanha, Minas Gerais, e faleceu em 8 de maio de 1950, na capital carioca. Médico e sanitarista, Brazil foi um dos primeiros pesquisadores de toxinologia nas Américas e de medicina experimental no Brasil.
Na virada dos séculos XIX e XX, liderou frentes de combate a diversas epidemias que eclodiram no país, como a febre amarela, cólera, varíola e peste bubônica. As pesquisas assinadas por ele são pioneiras na produção dos soros específicos contra venenos de animais peçonhentos (serpentes, escorpiões e aranhas). Até hoje, nenhum outro método de neutralização da peçonha é mais eficaz do que o criado por Vital Brazil, em 1898.
Em 1917, quando recebeu a patente do soro antiofídico, decidiu imediatamente doá-la ao governo brasileiro e dentre os numerosos e determinantes legados deixados por ele, destacam-se a criação do Instituto Butantan e do Instituto Vital Brazil (fundado em 1919, em Niterói). Ambas instituições tornaram-se referenciais de excelência na formação de pesquisadores, na produção de medicamentos e na divulgação e popularização
Pioneirismo e Impacto no mundo científico
Nos seus primeiros anos, o Butantan se dedicou à produção de soros antiofídicos, combatendo a picada de cobras venenosas, um problema grave na época. Vital Brazil viajou pelo interior do Brasil coletando diferentes tipos de serpentes e desenvolvendo soros específicos para cada espécie, soros que salvaram milhares de vidas em uma época em que nosso país era essencialmente rural.
Em 1904, o Butantan enfrentou outro grande desafio: a varíola. A doença, altamente contagiosa e com alta taxa de mortalidade, ameaçava a população. O instituto, sob a liderança de Vital Brazil, rapidamente desenvolveu uma vacina eficaz, que foi fundamental para conter a epidemia e proteger a cidade. Essa conquista consolidou o Butantan como referência em pesquisa e produção de imunobiológicos e marcaram a ascensão do instituto no âmbito mundial.
A produção científica do Butantan foi tanta e tão bem qualificada no início do Séc. XX que diversas vezes era citada em literatura científica pelo mundo. Em 1929, Afrânio do Amaral, então diretor do Butantan, foi capa da revista norte-americana Times, em função de suas pesquisas com serpentes, em especial relacionadas à Jararaca-Ilhoa (Bothrops insularis), uma espécie extremamente venenosa que vive exclusivamente na Ilha da Queimada Grande a 35 km do litoral paulista, entre os municípios de Itanhaém e Peruíbe.
Doenças tropicais e a gripe espanhola atingem a população
Apesar de ser uma nação essencialmente rural, o Brasil do início do Séc. XX assistia o crescimento de centros urbanos, alguns de maneira bastante acelerada, como era o caso de São Paulo. Mas o fato da cidade crescer em ritmo vertiginoso trazia consigo os riscos do mau planejamento e, consequentemente, das condições inadequadas de vida da maior parte da população.
São Paulo cresceu em razão do crescimento dos negócios do café, em um primeiro momento, e da expansão industrial, na sequência. Enquanto o ciclo cafeeiro representou um crescimento, digamos, qualitativo, com a construção de infra-estrutura de transportes para escoar o grão, de hotéis para os negociantes, casas para os filhos dos ricos produtores, que passaram a vir a estudar na capital, por exemplo, o ciclo industrial, por sua vez, provocava certo caos urbano.
As indústrias cresciam e com seu crescimento, a necessidade de mão de obra. Embora muitas das indústrias criassem suas próprias vilas operárias, com certa estrutura, não raro parte de imensa massa dos trabalhadores vivia em bairros periféricos, em moradias simples, terrenos sem coleta da água para esgotos, quando não em cortiços nas regiões mais próximas ao trabalho.
Condições propícias para o desenvolvimento de doenças tropicais, como a febre amarela, transmitida pelo nosso velho conhecido Aedes Aegypti, o mesmo mosquito que hoje transmite a Dengue e Chikungunya.
Na primeira década do Séc. XX, o Brasil ainda enfrentaria a pandemia de Gripe Espanhola.
Os brasileiros tiveram seu primeiro contato com a gripe por meio da missão médico militar que atuou nos últimos meses da Primeira Guerra Mundial. Ao aportar em Dakar, no Senegal francês, grande parte desse grupo foi contaminada. Em solo brasileiro, os primeiros casos da gripe foram reportados no mês de setembro de 1918, no governo Wenceslau Braz.
De uma maneira mais ampla, os efeitos da falta de saneamento deixavam vítimas no país desde o século XIX, sendo alvos de uma ação política mais enfática, a partir de 1918. A população pressionava pela criação de um Ministério da Saúde Pública, por vislumbrar, nesta ação, um caráter nacional para o tratamento da saúde do brasileiro. Em fevereiro de 1918, representantes das elites política e intelectual fundaram a Liga Pró-Saneamento do Brasil, sob a direção de Belisário Pena.
Este fato marcou a passagem de um período mais espontâneo da campanha sanitarista para uma ação mais organizada. Em 1918, a epidemia de gripe espanhola deu visibilidade a esta campanha e, em dezembro de 1919, foi criado o Departamento Nacional de Saúde Pública (DNSP), que garantiu maior amplitude aos serviços sanitários federais.
A partir de então, a participação e a intervenção do Estado na área de saúde pública só tendeu a se ampliar e se solidificar.
A Casa da Boia atua como protagonista neste contexto
Com a intensificação das ações coordenadas de saúde pública, uma rede de medidas por parte dos órgãos governamentais começam a entrar em vigor, visando a melhoria da salubridade da sociedade.
Melhorias nos códigos sanitários e de edificações passaram a exigir que a expansão das cidades e os novos edifícios contassem com uma série de exigências que, por sua vez, acabaram ajudando na expansão dos negócios da Casa da Boia.
Ainda sob o comando de seu fundador, Rizkallah Jorge, a Casa da Boia passa a ampliar a sua capacidade de produzir material para uso sanitário básico.
Sua linha de produtos, grande parte voltada à decoração das casas, como lustres, aparadores, arandelas, objetos de decoração e ornamentais, feitos em cobre, passa a ser acrescida de canos, sifões, conexões, caixas d’água e naturalmente a boia de caixa d’água, que deu fama à empresa.
A Casa da Boia passa a comercializar não apenas com sua tradicional clientela, mas agora também com os departamentos de água e esgotos, de gás, com o desinfectório central, e o próprio Instituto Serumtherápico (Butanan), entidades do poder público, ligadas à melhoria da salubridade, tornando a empresa uma referência no fornecimento deste tipo de material.
E enquanto crescia a demanda pelos produtos da Casa da Boia, o Instituto Butantan crescia a sua influência na comunidade científica e também na urbanização da região de sua sede.
Como é sabido, o Instituto expandiu significativamente seu campo de atuação. Desenvolveu e produziu vacinas contra diversas doenças como a gripe, a hepatite, o tétano e o HPV, tornando-se um dos principais centros de pesquisa e produção de imunobiológicos da América Latina.
Na pandemia de COVID-19, o Butantan se destacou como um dos principais protagonistas na luta contra a doença. O instituto, com sua expertise em pesquisa e produção de vacinas, liderou o desenvolvimento da CoronaVac, uma das vacinas mais utilizadas no Brasil e no mundo. A CoronaVac foi fundamental para a contenção da pandemia, salvando milhares de vidas e contribuindo para a retomada das atividades sociais e econômicas.
Instituto ajudou a popularizar o bairro do Butantã
A região do Butantã era rota de passagem de bandeirantes e jesuítas que se dirigiam ao interior do país. Foi na região que Afonso Sardinha montou o primeiro trapiche de açúcar da vila de São Paulo, em sesmaria obtida em 1607. As terras da antiga sesmaria tiveram várias denominações: Ybytatá, Uvatantan, Ubitatá, Butantan e, finalmente, Butantã.
Posteriormente, a sesmaria foi doada para a Igreja do Colégio São Paulo. Há duas versões para o significado do nome Butantã: “terra socada e muito dura” e “lugar de vento forte”.
Após a expulsão dos jesuítas , em 1759, as terras foram confiscadas e vendidas. Um dos últimos proprietários foi a família Vieira de Medeiros que vendeu as terras para a Cia. City Melhoramentos, em 1915, responsável pela urbanização das margens do rio Pinheiros.
A região do Butantã era constituída por sítios, como o sítio Butantã, sítio Rio Pequeno, sítio Invernada Grande ou Votorantim, sítio Campesina ou Lageado e sítio Morumbi. O desenvolvimento do bairro ocorreu a partir de 1900, justamente a partir da implantação do Instituto Butantã, e posteriormente com a construção da Cidade Universitária, da Universidade de São Paulo.
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