A história de um vizinho famoso
O Mosteiro de São Bento
Em meio ao movimento de pessoas que circulam atarefadas pelo centro da capital paulista, uma edificação imponente que, incorporada à paisagem paulistana, chega quase a passar despercebida por muitos, é um polo de religiosidade, de formação filosófica e teológica e uma deliciosa surpresa gastronômica, literalmente, vizinho da Casa da Boia: a Basílica Nossa Senhora da Assunção.
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Talvez você possa estar até se perguntando: “mas onde é essa Basílica Nossa Senhora da Assunção? Conheço o centro todo e nunca vi esta igreja”. Mas garantimos que viu sim. Ela se ergue imponente em pleno largo São Bento, ocupando toda a área, desde a rua Florêncio de Abreu até a cabeceira do viaduto Santa Ifigênia.
Se você está pensando, “mas este é Mosteiro de São Bento”, é, você acertou. A Basílica Abacial de Nossa Senhora da Assunção é o nome da igreja que abriga o Mosteiro de São Bento, mas pouca gente a conhece por esse nome.
Pertencente à longa tradição beneditina, a Comunidade do Mosteiro de São Bento de São Paulo segue a Regra de São Bento como mestra de vida monástica. Conforme entendiam os monges na Idade Média, interpretando o espírito da Regra, o lema de São Bento pode ser resumido pelo “ora et labora” – ora e trabalha. Acrescenta-se a esse lema “et legere”, ou seja, “e leia”, uma vez que, para São Bento, a leitura tem um espaço privilegiado na vida do monge, em especial a leitura das Sagradas Escrituras. Em vista disso, o ritmo da vida no mosteiro favorece o justo equilíbrio, temperando os momentos de trabalho (corpo), com a leitura (alma) e a oração (espírito).
São Bento de Nórcia
Bento nasceu na cidade de Nórcia, província de Perugia, na Itália. Não há registros do ano de seu nascimento e mesmo morte. A tradição cristã relata que Bento viveu entre os anos de 480 e 547.
Era ainda muito jovem quando foi enviado a Roma para aprender retórica e filosofia. No entanto, decepcionado com a vida mundana e superficial da cidade eterna, retirou-se para Enfide, hoje chamada de Affile. Levando uma vida ascética e reclusa, passou a se dedicar ao estudo da Bíblia e do cristianismo.
Aos vinte anos isolou-se numa gruta do monte Subiaco, sob orientação espiritual de um velho monge da região chamado Romano. Assim viveu por três anos, na oração e na penitência, estudando muito.
Depois, agregou-se aos monges de Vicovaro, que logo o elegeram seu prior. Mas a disciplina exigida por Bento era tão rígida, que esses monges indolentes tentaram envenená-lo. Segundo seu biógrafo, ele teria escapado porque, ao benzer o cálice que lhe fora oferecido, o mesmo se partiu em pedaços.
Bento abandonou, então, o convento e, na companhia de mais alguns jovens, entre eles Plácido e Mauro, emigrou para Nápoles. Lá, no sopé do monte Cassino, onde antes fora um templo pagão, construiu o seu primeiro mosteiro, onde propôs um novo modelo de homem: aquele que vive em completa união com Deus, através do seu próprio trabalho, fabricando os próprios instrumentos para lavrar a terra. A partir de Bento, criou-se uma rede monástica, que possibilitou o renascimento da Europa.
São Bento não foi o fundador do monaquismo cristão, que já existia havia três séculos no Oriente. Mas merece o título de “Pai do Monaquismo Ocidental”, que ali só se estabeleceu graças às regras que ele elaborou para os seus monges, hoje chamados “beneditinos”.
Além disso, São Bento foi declarado patrono principal de toda a Europa pelo papa Paulo VI, em 1964.
O Rei de São Paulo e a atuação dos beneditinos
Uma grande confusão no Brasil colonial aumentou a importância dos monges beneditinos do Mosteiro de São Bento. Em 1641, com o fim da união entre Portugal e Espanha, D. João IV, na época Duque de Bragança, foi coroado rei de Portugal. Em São Paulo, um grupo de colonos — em grande parte castelhanos — quis que a Capitania não reconhecesse o novo rei, e ofereceram o título de “Rei de São Paulo” a Amador Bueno.
Amador Bueno, proprietário de terras e administrador colonial (capitão-mor e ouvidor) da Capitania de São Vicente, acabou sendo aclamado pela população castelhana da capital como “Rei de São Paulo”.
Reza a lenda que Amador Bueno não só recusou a aclamação, como deu vivas ao Rei D. João IV, de Portugal, o que enfureceu parte da população.
Bueno também foi signatário de um manifesto para expulsar os padres Jesuítas do Colégio de São Paulo, porque estes queriam cumprir uma Bula Papal (uma determinação do Papa) para que os indígenas de São Paulo não fossem mais aprisionados. Um ato que ficou conhecido popularmente como “botada dos padres fora”.
Envolvido nessas polêmicas, Amador Bueno recorre aos monges beneditinos para contornar a situação delicada que se encontrava. O Abade do Mosteiro, assim como também a comunidade monástica, intervieram para acalmar os ânimos.
As várias edificações do Mosteiro
O sítio histórico que abriga o Mosteiro de São Bento é o mais antigo de São Paulo. Completa este ano 426 anos ininterruptos no mesmo local. O Pátio do Colégio, marco de fundação da cidade, passou por várias transformações, e de 1765 a 1932, abrigou o Palácio do Governo.
A fundação do Mosteiro de São Bento data de 14 de julho de 1598. Segundo documentação da época, foram concedidas duas sesmarias pelo Capitão-Mor Jorge Correia, as quais seriam a base da fundação beneditina na pequena vila.
O terreno cedido ao Mosteiro era o mais bem localizado, depois daquele do Colégio dos Jesuítas, ficando exatamente no alto da elevação, entre as águas do Anhangabaú e do Tamanduateí, abrangendo de um lado até o Vale do Anhangabaú e, do outro, até a atual 25 de Março.
O mosteiro teve como fundador um paulista de nome Simão Luís, nascido em São Vicente, o qual mais tarde passou para a história, com o nome de Frei Mauro Teixeira.
Discípulo do Padre José de Anchieta. Ele conheceu o cacique Tibiriçá e, anos depois, construiu, no mesmo local onde existira a taba do glorioso índio, uma igreja em homenagem a São Bento. Aí levantou um pequeno santuário, que conservou, durante algum tempo, sob seus cuidados.
A 15 de abril de 1600, os oficiais da Câmara ratificaram o que já havia sido feito por seus colegas, a Frei Mauro Teixeira:
“Carta de chãos de sesmaria, para o sítio do convento”, por “constar ser como o dito padre diz e alega, por serviço de Deus Nosso Senhor e de seu servo, o bem aventurado São Bento”, “os quais chãos serão para o convento, mosteiro, ou casa do dito santo, fôrros livres e isentos de todo tributo e pensão, de hoje até o fim do mundo”.
Em 1650, graças a Fernão Dias Pais, foi construído um novo templo. As imagens de São Bento e Santa Escolástica que vemos hoje na atual basílica, da autoria de Frei Agostinho de Jesus, datam desta época. Os restos mortais de Fernão Dias Paes e de sua esposa se encontram na cripta do mosteiro.
A estrutura atual
O atual Mosteiro de São Bento já é a quarta construção. A demolição do antigo edifício, muito decadente em fins do Século XIX, começou com a construção do Gimnásio São Bento – hoje Colégio de São Bento – em 1903. Mas foi entre 1910 e 1912 que o cenário realmente mudou.
São Paulo passava por um grande processo de urbanização. Sua população aumentava exacerbadamente, ganhando relevância no cenário nacional. O Mosteiro seguiu este ritmo e em 1910 teve início a construção da nova igreja e Mosteiro.
A construção seguiu o estilo da escola artística de Beuron, projeto de Richard Berndl – Professor da Universidade de Munique e um dos melhores arquitetos da Alemanha. É desta época a decoração interna em estilo Beuronense, que foi feita pelo beneditino belga Dom Edelberto Gressnigt.
A Basílica só foi consagrada como Nossa Senhora Assunção em 1922. Nesta época foram instalados os sinos e o relógio, tido como o mais preciso de São Paulo.
Em julho de 1900 D. Miguel Kruse assumiu a direção do mosteiro e iniciou um novo período na história de São Paulo. Seus primeiros esforços foram no sentido de dotar o mosteiro de um bom colégio secundário. Assim surgiu, em 1903, o Colégio de São Bento. Logo após, em 1908, foi fundada a faculdade de Filosofia, que seria a primeira do Brasil.
Em 1911 foi instalada ali a primeira abadia de monjas beneditinas da América do Sul, o Mosteiro de Santa Maria.
É também de iniciativa de D.Miguel Kruse a construção de uma nova abadia e um novo mosteiro.
Em 1910 teve início a nova construção, segundo projeto do arquiteto Richard Berndl da cidade de Munique, Alemanha.
Quatro anos mais tarde, em 1914, estava completado o conjunto beneditino que existe até hoje, abrigando a Basílica de Nossa Senhora da Assunção, o Mosteiro, o Colégio e a Faculdade de São Bento, marco histórico, cultural e turístico da maior importância para o cidade de São Paulo e para o Brasil.
Local de cultura, saber e gastronomia
O Colégio de São Bento é uma das instituições mais tradicionais no cenário educacional paulistano. Como dissemos, em julho de 1900, iniciou-se a construção do prédio do ginásio, que foi concluída em 1903. Iniciou suas atividades em 1903 como Gymnasio de São Bento.
As aulas na nova instituição de ensino em São Paulo tiveram início a 15 de fevereiro de 1903 e seu primeiro aluno matriculado foi Gofredo Teixeira da Silva Teles. Dentre os docentes na ocasião da fundação estavam grandes nomes da sociedade paulistana, como Batista Pereira, Tobias de Aguiar, Miguel Ferreira, Alfredo Pacheco, Ademar de Melo Franco, Albert Levy e o historiador Affonso d’Escragnolle Taunay.
Já nos primeiros anos de sua existência, devido ao rigor do ensino e de seu extraordinário desenvolvimento, foi criado em 1906 o internato.
Em 1943 recebeu o título de Colégio de São Bento, deixando de chamar-se Gimnásio. Frequentaram seus bancos personalidades como o Governador do Estado de São Paulo André Franco Montoro (que também se tornou professor) , o Prefeito da cidade de São Paulo, Francisco Prestes Maia, o médico Antônio Prudente Meireles de Morais (neto do presidente da República Prudente José de Morais e Barros), o poeta e tradutor Haroldo de Campos, os escritores Oswald de Andrade e Guilherme de Almeida e o historiador Sérgio Buarque de Holanda, dentre muitos outros.
A Padaria do Mosteiro
São Bento ao escrever a Regra para os seus monges, no século VI, os adverte que o mosteiro deva ser construído de tal forma que possua padaria, horta, queijaria, pomar e oficina para atender as necessidades da comunidade.
Para o patriarca beneditino a vida do monge é o ora et labora, oração e trabalho, pois a ociosidade é inimiga da alma; por isso em certas horas devem ocupar-se os monges com o trabalho manual, e em outras horas com a leitura espiritual.
As atividades de panificação que os monges já praticavam para o seu próprio consumo, gerou a Padaria do Mosteiro, O Mosteiro, que a partir de 1999 passou a oferecer ao público bolos, pães, geléias e biscoitos, cujas receitas são seculares, e estavam guardadas no arquivo da abadia.
A forma de prepará-los só é transmitida a um outro monge, garantindo produtos únicos, como até mesmo uma linha de cervejas!
Brunch do Mosteiro
Todo último domingo do mês, o Mosteiro abre suas instalações para um brunch. Além do delicioso cardápio feito com as iguarias da padaria, durante o brunch os visitantes podem conhecer as instalações do Mosteiro, em uma enriquecedora visita guiada.
É necessário agendar presença com antecedência, pelo WhatsApp 11 9.4075-0593 ou e-mail: mosteiro@mosteiro.org.br
A programação das atividades, incluindo as missas com o famoso canto gregoriano podem ser consultadas no site do Mosteiro: