Andando nas alturas
A história dos viadutos que transpõem o Vale do Anhangabaú
Como todos sabem a cidade de São Paulo foi fundada por missionários no topo de uma colina, que se erguia às margens do Rio Tamanduateí, nas proximidades da confluência do Rio Anhangabaú. Nos idos do Séc XVI, quando os jesuítas ocuparam as terras do Cacique Tibiriçá e ergueram um pequeno colégio, a região não passava de um ponto de apoio aos tropeiros que seguiam viagem vindos do litoral rumo ao interior paulista e daí para outros estados.
Durante quase dois séculos, São Paulo permaneceu como uma vila pobre e isolada porque era difícil subir a Serra do Mar a pé da Vila de Santos e a geografia da área que viria a ser a capital também não ajudava muito os deslocamentos.
A situação viria a mudar em 1681 quando o Marquês de Cascais transferiu a capital da Capitania de São Vicente para a Vila de São Paulo. Com o crescimento da importância da capital paulista, em 1711 a região foi elevada à categoria de cidade.
Porém, a “cidade” da época se resumia ao que hoje conhecemos por “triângulo histórico”, formado pelos vértices das ruas que ligavam três pontos da cidade: o Largo São Bento, o Pateo do Collegio e o Largo São Francisco.
O adensamento da população paulistana na área tinha, também, um motivo geográfico, pois para a expansão da cidade um problema precisava ser resolvido: a transposição dos vales que cercavam a colina inicial.
Ao tomarmos o Pateo do Collegio como referência, à norte/leste a colina terminava na encosta que se erguia do rio Tamanduateí, à sudeste, embora menos íngreme a encosta se estendia até a região do atual bairro da Liberdade, depois se encontrava com o mesmo Tamanduateí.
Ao sul, o caminho era subida… para a encosta íngreme onde se encontra a Avenida Paulista. Finalmente à oeste, na direção do local onde seria erguida a principal estação ferroviária da capital, um vale inteiro a transpor, o Anhangabaú.
Viaduto do Chá, o pioneiro
Foi justamente pela transposição do Vale do Anhangabaú, local de plantações de chá, que a cidade de São Paulo começou a se expandir por meio dos viadutos, uma novidade à época, posto que o Viaduto do Chá foi o primeiro a ser construído na cidade.
A primeira estrutura a cruzar o vale data do ano de 1892. Era feita em treliça metálica, e o viaduto foi idealizado pelo litógrafo francês Jules Martin e oficialmente inaugurado em 6 de novembro de 1892 – sendo contemporânea à celebrada Torre Eiffel, construída em Paris em 1889 com o mesmo material.
A proposta da ponte sobre o vale foi apresentada à Intendência Municipal em 1887. Ao ser criado, o viaduto tinha como intenção ligar as ruas Direita e Barão de Itapetininga. Os trabalhos começaram apenas em 1888, mas foram interrompidos um mês depois: o Barão de Tatuí se opôs à demolição de seu solar, onde vivia com a viúva do Barão de Itapetininga.
A briga foi parar na Justiça, porém meses depois foi dado ganho de causa ao Município. No mesmo dia em que saiu o veredicto da Justiça, a população favorável à obra, munida de picaretas e marretas, pôs-se a demolir o solar, expulsando os moradores dali, e o projeto pôde ter continuidade.
A Companhia Paulista de Chá ficou com os direitos do projeto, quando foi retomado em 1889. Porém enfrentou problemas financeiros e quase foi à falência. Então o município transferiu a responsabilidade da concepção para a Companhia de Ferro Carril de São Paulo. Esta encomendou a estrutura metálica que compunha o viaduto à empresa alemã Harkort, de Duisburgo. O material chegou ao Brasil em maio de 1890.
O viaduto foi concluído dois anos depois, tendo sua inauguração em 6 de novembro de 1892. Em um primeiro momento, possuía 240 metros de comprimento, sendo 180 de estrutura metálica e 60 da Rua Barão de Itapetininga aterrada; catorze metros de largura, sendo nove da passagem central e cinco de passarelas laterais (com assoalhos de prancha de madeira); vinte metros de distância do rio; e arco central de 34 metros.
O viaduto era iluminado por 26 lâmpadas a gás e contava, para fins estéticos, com obras de arte em suas quatro extremidades e balaustrada de bronze, com o logotipo da Companhia de Ferro.
Para pagar as despesas de sua construção, eram cobrados sessenta réis, ou três vinténs, para a utilização da passagem, o que na época garantiu o apelido de Viaduto dos Três Vinténs.
Existia um portão no local para controlar a passagem e restringir seu uso no período da noite que só foi removido, tornando o viaduto gratuito, em 1897, quando o vereador Pedro Augusto Gomes Cardim, apoiado por uma petição popular, levou uma moção à Municipalidade.
Com o aumento do trânsito, congestionamentos e forte urbanização do centro de São Paulo, a estrutura passou a dar sinais de fadiga. Para substituí-lo, a Prefeitura instituiu durante a década de 1930 um concurso para a construção de outro viaduto no mesmo local. Levou a proposta do arquiteto carioca Elisário Bahiana, responsável também por projetar, em uma das cabeceiras do Viaduto, o edifício que por muitos anos abrigou o Mappin.
Em 18 de abril de 1938 o novo viaduto foi inaugurado ao lado do antigo (que começou a ser desmontado no mesmo dia), construção esta em concreto armado, com quase o dobro da largura, estrutura esta que permanece até hoje em uma das extremidades do Vale do Anhangabaú.
Viaduto Santa Ifigênia
Ainda enquanto o primeiro viaduto do chá estava em funcionamento, a experiência bem sucedida da transposição do Vale do Anhangabaú pedia uma solução para a sua outra extremidade, justamente na colina onde fora fundado o Colégio Jesuíta que originou São Paulo.
A história desse viaduto se inicia por volta de 1890. Consta ter sido idealizado por Francisco da Cunha Bueno e Jayme Serra, que obtiveram naquele ano, a licença do Conselho de Intendentes, para a sua construção. A obra não foi iniciada e o contrato foi cancelado.
Em março de 1893, a Câmara autorizou a desapropriação do terreno entre o Mosteiro de São Bento e a Cia. Paulista de Vias Férreas e Fluviais, mas por divergências políticas mais uma vez o projeto foi suspenso. Depois de várias idas e vindas, finalmente o prefeito interino em exercício, Raymundo Duprat, conseguiu dar andamento ao processo.
Em 1908, a prefeitura obteve um financiamento de 700 mil libras junto ao governo da Inglaterra, fato esse pioneiro na municipalidade. A última parcela do empréstimo foi paga somente nos anos 70.
Projetado pelo escritório Micheli e Chiappori, o Viaduto Santa Ifigênia foi inaugurado em 26 de setembro de 1913 pelo prefeito Raymundo Duprat. Sua estrutura metálica tem 225 metros de extensão e três arcos. As grades do guarda-corpo são em ferro forjado, em estilo Art Nouveau. A via de trânsito foi pavimentada com blocos de granito (paralelepípedos) e incluía duas vias de trilhos para bondes elétricos.
A estrutura do viaduto foi totalmente fabricada na Bélgica. Cerca de mil e cem toneladas de armação metálica desembarcaram no porto de Santos e chegaram na região pela estrada de ferro São Paulo Railway.
A montagem foi realizada pela empresa Lidgerwood Manufacturing Company Limited, sob a direção do engenheiro Giuseppe Chiappori, sócio de Giulio Micheli e Mário Tibiriçá, enquanto a execução das fundações ficou a cargo do mestre de obras e carpinteiro alemão Johann Grundt.
Com a construção do Viaduto Santa Ifigênia, o largo de mesmo nome transformou-se rapidamente e viu surgir vários edifícios no seu entorno.
Apenas em 1975 a estrutura passou a ser protegida por lei municipal de zoneamento. Em 1978, houve nova restauração, desta vez pela Emurb. Foram acrescentadas luminárias em estilo antigo, misturadas com holofotes, e calçamento em pastilhas coloridas, Nesse trabalho também foi acrescentada uma escada metálica de acesso à av. Prestes Maia.
O objetivo ao construir este viaduto era, além de ligar os Largos São Bento e Santa Ifigênia, melhorar o trânsito de carros e carruagens que enfrentavam a ladeira da Av. São João, além de melhorar o trânsito da rua XV de Novembro e da rua São Bento, por onde passavam os bondes. Assim, haveria uma maneira mais eficiente de ligar um lado do Anhangabaú ao outro.
O segundo viaduto do centro da capital foi até tema de música do compositor Adoniran Barbosa “Viaduto Santa Efigênia” (leia o post de 2 de dezembro), em que ele exalta para a sua amada a beleza da construção:
Viaduto Santa Efigênia
Adoniran Barbosa