Mudança no DPH e as questões sobre
o futuro do patrimônio histórico paulistano
O que é um patrimônio histórico? Quando algo se torna “um patrimônio histórico”? Quem detém o poder de determinar se um bem é um patrimônio histórico? Qual a relevância de um patrimônio histórico para a memória de uma nação? De uma cidade? De seus habitantes?
Perguntas, dentre tantas outras possíveis, imaginárias e legítimas permeiam as discussões sobre os patrimônios históricos mundo afora. Questões como essas foram abordadas, inclusive, em nosso último editorial, escrito pela historiadora Renata Geraissati, em colaboração com o também historiador Diógenes Sousa.
Duas coincidências nos fez retomar a discussão sobre a questão dos patrimônios históricos, lembrando que a própria sede da Casa da Boia é tombada como patrimônio histórico municipal.
A primeira é que nesta última quinta-feira, dia 17, comemora-se o dia do patrimônio histórico, tendo como objetivo conscientizar as pessoas sobre a importância de preservar os patrimônios históricos, uma vez que eles materializam a história e a identidade coletiva.
A data é comemorada no dia do nascimento de Rodrigo Melo Franco (17 /08/1898 – 11/05/1969), diretor do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional durante três décadas.
A segunda coincidência pegou muita gente de surpresa, e ainda não é possível compreender muito bem as razões e implicações de um decreto municipal, assinado no último dia 9 de agosto, pelo prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes: o decreto nº 62.652, que transformou o Departamento de Patrimônio Histórico da Prefeitura de São Paulo – DPH, órgão da Secretaria de Cultura do município, em Coordenadoria do Patrimônio Histórico – CPH, além de alterar a designação e subordinação de várias divisões, núcleos e serviços ligados ao patrimônio histórico da capital.
Departamentos e as coordenadorias são unidades administrativas da Prefeitura de São Paulo. Os Departamentos são unidades de execução, responsáveis por executar as políticas públicas da Prefeitura de São Paulo. Eles são divididos em setores, enquanto as Coordenadorias são órgãos de planejamento, divididas em unidades.
Ao sancionar o decreto nº 62.652 o prefeito Ricardo Nunes marca o término do Departamento do Patrimônio Histórico, como tal, modificando decretos anteriores e posições comissionadas, resultando no dissolvimento do DPH, agora Coordenadoria do Patrimônio Histórico (CPH), em múltiplas divisões e núcleos.
Em nota oficial, a Prefeitura de São Paulo afirma: “A Prefeitura de São Paulo, por meio da Secretaria Municipal de Cultura, informa que o Decreto 62652, de 9 de agosto, reestrutura o Departamento do Patrimônio Histórico (DPH), transformando-o na Coordenadoria do Patrimônio Histórico (CPH). A reestruturação se deve à divisão de cargos comissionados, e está publicada no decreto, assim como as funções de cada setor dentro do CPH. O intuito é otimizar e aprimorar o serviço público prestado pelo setor, pensando sempre no munícipe e na missão do CPOH de valorização e proteção do Patrimônio Histórico.
Ainda de acordo com nota da própria prefeitura, o legislador municipal afirma que “ao contrário do que alguns estão interpretando como danoso à política pública de preservação do patrimônio, (o decreto) revigora hierarquicamente e amplia a capacidade de atuação”.
A Coordenadoria, no âmbito de política pública de estado, é superior ao Departamento. Assim como áreas que antes tinham status de supervisão e agora foram transformadas em divisões seguem a mesma lógica, com mais capacidade técnica de atuação.
Com esse novo decreto a Coordenadoria do Patrimônio Histórico, além de outras mudanças, ganhou a possibilidade de ampliar e qualificar os seus quadros técnicos com mais sete cargos.
Essa alteração, contrariamente ao que foi dito, foi amplamente debatida internamente e todo o corpo técnico ligado ao órgão aguardava ansiosamente essa mudança que com certeza é muito positiva.
Todos os serviços prestados pelo antigo departamento, bem como análises de processos, autorizações, ações de valorização etc., serão mantidos e a capacidade técnica será ampliada, mantendo sempre a isenção e o compromisso com o patrimônio histórico que se é necessário em órgãos como esse de preservação de nossa cultura” afirma a nota da Prefeitura.
A formação do DPH e sua influência no tombamento do edifício da Casa da Boia
Em descrição da página oficial do DPH, assim é a apresentação do departamento: O Departamento do Patrimônio Histórico nasceu com a Secretaria Municipal de Cultura em 1975 retomando e atualizando o pioneiro Departamento de Cultura constituído por Mario de Andrade e em um momento em que a agenda pela relação entre patrimônio cultural e cidade passava a ganhar destaque, procurando dar conta de atender às demandas de uma sociedade múltipla e diversa.
O DPH se construiu sob uma perspectiva de inovação do ideário que até então regia as práticas do poder público de proteção a bens culturais, tendo como uma de suas primeiras ações a realização de inventários do patrimônio ambiental urbano. Essa noção ampliada do patrimônio cultural, que não tratava apenas do monumento e do excepcional, introduziu o olhar sobre a cidade como documento de cultura. Os inventários tinham como objetivo orientar o desenvolvimento urbano mantendo áreas de memória das várias fases de ocupação da cidade, da sua paisagem e dos seus habitantes. A ação do DPH se manteve nessa direção, incorporando também as noções de patrimônio industrial, moderno, e intangível.
Como cita o texto, no âmbito desta valorização do patrimônio cultural paulistano na década de 70 a Coordenadoria Geral do Planejamento (Cogep) contratou Benedito Lima de Toledo e Carlos Lemos, professores da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP), para listarem os bens de importância histórico arquitetônica do município.
Tal levantamento serviu de subsídio para a criação das áreas especiais Z8-200, zonas da cidade que compreendem estes imóveis, criadas pela Lei n.º 83.285 de 1975 e para o tombamento de inúmeros imóveis da região central de São Paulo por meio das Resoluções 06/91 e 37/92, do Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo – CONPRESP, órgão ligado à Secretaria de Cultura.
Foi desta forma que o imóvel sede da Casa da Boia foi tombado pela municipalidade, no ano de 1992, junto com o conjunto arquitetônico do entorno do Vale do Anhangabaú.
Fato é que, desde então, o edifício sede da Casa da Boia se destaca do conjunto arquitetônico da rua Florêncio de Abreu, por seu excelente estado de conservação, mérito da família Rizkallah, que preserva o imóvel com recursos próprios, uma vez que o Estado, ao fazer o tombamento de uma edificação, não lhe concede qualquer contrapartida, como, por exemplo, isenção de IPTU, ou incentivos fiscais que ajudem em sua manutenção.
Se caminharmos pela rua Florêncio de Abreu, facilmente veremos um conjunto de imóveis tombados entregues à própria sorte, sofrendo com a ação natural de desgaste provocada pelo tempo.
A cena se repete por toda a cidade, onde os imóveis tombados deveriam ter uma supervisão permanente e uma ação conjunta de incentivo por parte da Secretaria Municipal de Cultura e do DPH (agora CPH), mas, infelizmente, por razões inúmeras, encontram-se em péssimo estado de conservação, desvirtuando o próprio conceito de seu tombamento.
Como agente involuntário em princípio (pois teve seu imóvel tombado sem conhecimento prévio), mas ativo desde então, ao não só preservar seu imóvel, como constantemente promover ações de difusão histórica e cultural a Casa da Boia manifesta seu desejo de que, como afirma a Prefeitura de São Paulo, a reestruturação do Departamento de Patrimônio Histórico realmente represente um ganho para a memória da cidade.
Sem sombra de dúvida voltaremos ao tema tantas vezes quantas forem necessárias para contribuir com o debate sobre a valorização da história, da arquitetura, da cultura e da memória de São Paulo