No início do Séc XX
a São Paulo dos instrumentos musicais
Em nossa última postagem, sobre os metais não ferrosos nos instrumentos musicais, mencionamos que a Weril, tradicional fabricante brasileira de instrumentos musicais de sopro, havia iniciado suas atividades aqui na rua Florêncio de Abreu.
Mas o centro de São Paulo teve durante décadas uma vocação musical não apenas pelos teatros que se espalharam pela região no início do século XX, mas também porque o local viu nascer empresas centenárias, referências na produção de instrumentos musicais. Além, claro, de contar com um núcleo de comércio de instrumentos que sobrevive até hoje, nos arredores da rua Santa Ifigênia.
Histórias que começaram, assim como a da Casa da Boia, com seus respectivos fundadores, migrando da Europa para o Brasil.
Del Vecchio
Em 1900, o italiano Angelo Del Vecchio. Natural de Riposto – Sicília, casou-se, ainda em seu país de origem. Recebeu como presente de núpcias uma viagem ao Brasil. Quando chegaram em São Paulo, onde sua esposa Carmela tinha dois irmãos, encantaram-se e decidiram ficar.
Angelo, que já exercia na Itália a profissão de luthier, começou a atuar no segmento e, em 1902, abriu no Largo Riachuelo, uma fábrica e loja de instrumentos musicais.
Após 18 anos, por causa dos infortúnios provocados pelas enchentes que constantemente assolavam o Largo Riachuelo, a empresa mudou-se para a Rua Aurora, onde, dotada de condições mais adequadas, aumentou significativamente a produção.
De 1920 até 2022, quando a centenária loja foi fechada, a Del Vecchio foi uma referência na rua Aurora, principalmente para os músicos os que tocam instrumentos de corda, como o violão e a viola, que encontravam na tradicional loja uma extensa linha de instrumentos genuinamente brasileiros.
A Casa Del Vecchio fechou suas portas em 2022, mas a empresa centenária ainda produz seus instrumentos, que agora são vendidos em sua loja virtual: https://www.lojadelvecchio.com.br.
Giannini
Não muito longe dali e em 1900, no mesmo ano em que Del Vecchio chegava ao Brasil, outro imigrante italiano, Tranquillo Giannini, fundava a “Grande Fábrica de Instrumentos de Cordas de Tranquillo Giannini – Ao Violão Moderno”, na Rua São João.
O sucesso dos violões produzidos por Giannini impulsionam os negócios rapidamente, tanto que, 20 anos depois, a empresa construiu um prédio próprio na Rua dos Gusmões para expandir a fabricação dos consagrados violões.
Vale uma curiosidade. Em 1969 é lançado um dos ícones da Giannini, a Craviola, uma ideia conjunta de Giorgio Giannini (sobrinho de Tranquillo) e do violonista Paulinho Nogueira.
Conta a história que o instrumento nasceu durante um lanche em um dos botecos dos arredores do centro em que conversavam sobre os modelos de violões disponíveis naquele período.
Os dois começaram a desenhar em guardanapos algumas possibilidades de formatos diferenciados, até chegarem ao desenho que acabou se tornando clássico.
Desde seu lançamento, diversos músicos notáveis tem feito uso da Craviola ao redor do mundo, entre eles Jimmy Page, Elvis Presley, Bill Winters, Robert Plant, Linda Perry e Andy Summers.
O nome do instrumento é uma junção de “Cravo” e “Viola”, já que a sonoridade do novo modelo de violão inventado, fazia lembrar estes outros dois instrumentos.
Izzo
Em 1918, em um edifício modesto na Praça Marechal Deodoro da Fonseca, em São Paulo, começa a história da “Izzo Instrumentos Musicais Ltda”.
Naquele local, em 1918, o empreendedorismo uniu um espanhol, um chileno e um italiano que desejavam produzir instrumentos musicais destinados ao mercado nacional. Alguns anos depois, Attilio Izzo, italiano, assumiu o controle da firma com o objetivo de ampliar os negócios e alcançar o mercado internacional.
Após o falecimento de. Attilio Izzo, em 1945, o gerente da empresa, Aldo Storino passou a liderar a companhia. Funcionário desde 1926 conquistou esse cargo através de sua dedicação ao trabalho, além de uma profunda convicção de que o projeto dos fundadores poderia ser concretizado.
A marca “Izzo” nasceu em 1959, quando Aldo Storino passou a comandar a então fábrica de cordas e tomou a decisão de homenagear o seu fundador.
De fabricante de encordoamentos para violão a Izzo ampliou sua atuação e hoje, além de representante de grandes marcas de instrumentos musicais tem uma linha própria de instrumentos de percussão, como pandeiros, repiques, bumbos e tamborins, entre outros.
A esquina musical do centro
O palacete Palacete Tereza Toledo Lara, localizado na esquina das ruas Direita e Quintino Bocaiuva, próximo à Praça da Sé, abrigou por mais de 90 anos a mais tradicional casa de partituras musicais da cidade, a Casa Bevilácqua, que funcionou no local por mais de 90 anos.
A história da Casa Bevilacqua remonta à década de 1840, quando o maestro genovês Isidoro Bevilacqua se mudou para o Rio de Janeiro, onde foi trabalhar como professor de música da família imperial. Em 1846 abriu uma loja de instrumentos musicais e partituras na capital do império.
Na virada do século XX abriu a filial de São Paulo, que teve vida bem mais longeva do que a matriz no Rio de Janeiro.
Segundo a historiadora e musicóloga Monica Leite, a Casa Bevilacqua teria editado mais de 3.500 obras entre partituras e catálogos, de inúmeros artistas, inclusive renomados como Carlos Gomes, Chiquinha Gonzaga, Ernesto Nazareth e Joaquim Antonio Barrozo Netto.
No mesmo palacete Tereza Toledo Lara foi fundada, em 1923, a Editora Irmãos Vitale.
Nos primórdios, o compositor era, antes de tudo, um idealista e um sonhador. O rádio estava nascendo. Os primeiros discos começaram a ser gravados. O talento pioneiro de artistas como Pixinguinha começou a ser comercializado. Foi nesse contexto que surgiram as primeiras editoras musicais no Brasil.
A Irmãos Vitalle já não ocupa mais as instalações do centro de São Paulo, mas a empresa continua em atividade e em seu acervo figuram mais de 25 mil músicas, de um total de 9 mil autores ou seus herdeiros.
Mas a “esquina da música” do centro de São Paulo não ficou conhecida assim apenas pela existência das duas editoras e da loja de instrumentos musicais, mas também pelo fato de que no mesmo edifício funcionou a Rádio Record.
A Rádio foi adquirida, em 1931, por Paulo Machado de Carvalho por 31 contos de réis do comerciante Álvaro Liberato de Macedo, que mantinha uma pequena rádio e uma loja de discos no edifício.
Segundo o livro “A História da Televisão Brasileira Para Quem Tem Pressa”, de Elmo Francfort (Ed. Valentina, 2023), o nome remete ao termo em inglês “recording” (gravação).
Numa estratégia de marketing, Álvaro Liberato Macedo divulgava assim em sua rádio o principal produto de seu outro negócio, sua loja de discos Record.
A Rádio Record foi a emissora de maior destaque em São Paulo nos anos 30, 40 e 50. Foi considerada também a voz oficial da Revolução Constitucionalista de 1932.
Mais recentemente, desde 2017, o Palacete Tereza Toledo Lara passou a abrigar a “Casa da Francisca”, espaço sócio cultural e gastronômico, que bravamente mantém a tradição musical tão rica do centro de São Paulo.