Cacique Tibiriçá
o indígena que permitiu a fundação de São Paulo
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A fundação da cidade de São Paulo, em 1554, foi um evento complexo e multifacetado, resultado da convergência de diversos fatores históricos, sociais e econômicos que envolviam os colonizadores portugueses, a expansão dos domínios da Igreja Católica e os povos indígenas originários.
Dentre eles, um cacique seria absolutamente fundamental para a criação da cidade: o Cacique Tibiriçá.
No dia em que se celebra os indígenas no Brasil, 19 de abril, recordamos o papel fundamental que um indígina originário teve na fundação da maior metrópole brasileira. Líder incontestável de seu povo, a atuação do Cacique Tibiriçá na época colonial pode ser lida, também, como uma traição de suas origens.
Fato é que, mais do que uma visão maniqueísta daquele distante momento histórico, sem as articulações do líder indígena a história de São Paulo, seria, inequivocamente, outra.
Membro da etnia Guaianás, Tibiriçá se ergue como figura central na complexa história da fundação da cidade de São Paulo. Sua liderança, diplomacia e relações com os colonizadores portugueses moldaram o destino da região e influenciaram o futuro da metrópole paulista.
Nascido possivelmente no ano de 1475, Tibiriçá se tornou liderança dos Guaianás, etnia que ocupava um vasto território que se estendia do litoral paulista ao interior do continente. Era um líder respeitado, conhecido por seu porte físico, sua coragem, inteligência, astúcia e capacidade de negociação.
Liderava a sua nação quando os primeiros conquistadores portugueses começaram a chegar às terras do planalto paulista. Sob seu comando, os Guaianás mantiveram relativa autonomia em meio à crescente presença portuguesa na região.
Antes mesmo de Tibiriçá ter papel fundamental na fundação da capital paulista, estabelecera uma relação de proximidade com os portugueses, quando sua filha, Bartira, casou-se com português João Ramalho.
Ramalho chega ao Brasil por volta de 1510 e se estabeleceu onde hoje é a cidade de Santo André. Começou a ter forte influência na região conhecida como o ABC paulista (as cidades de Santo André, São Bernardo e São Caetano), ainda mais quando conhece o Cacique Tibiriçá e, depois de algum tempo se casa com Bartira.
Relações com os portugueses: entre o conflito e a cooperação
Seja por sua postura conciliadora e visionária, seja talvez pelo laço familiar estabelecido com um português, Tibiriçá adotou uma postura de aproximação com aquela que poderia ser considerado invasor.
A chegada dos portugueses ao Brasil no século XVI gerou tensões e conflitos com os povos indígenas. Tibiriçá adotou uma postura mais conciliadora, buscando estabelecer relações pacíficas com os colonizadores. Essa postura pragmática visava proteger seu povo e garantir o acesso a bens e tecnologias europeias.
Era uma postura diferente da adotada por outros líderes indígenas, que por várias vezes entraram em conflito com os colonizadores, inclusive contra o próprio Cacique Tibiriçá, em um episódio que ficou conhecido como o Cerco de Piratininga.
O Cerco de Piratininga ou A Guerra de Piratininga são os nomes dados ao ataque realizado em 9 de julho de 1562 à então vila de São Paulo dos Campos de Piratininga, hoje cidade de São Paulo, por índios das tribos guarulhos, guaianás e carijós, que se uniram numa coligação e se rebelaram contra a aliança entre Tibiriçá e os jesuítas. Alguns destes índios eram familiares de Tibiriçá, como seu sobrinho, o índio Jaguaranho.
O cerco terminou com a derrota da coligação indígena, muito em função de Tibiriçá, justamente contar com o apoio dos portugueses na defesa do território.
Este episódio aconteceu quase ao final da vida do Cacique, que falecera em dezembro daquele mesmo ano. Voltemos à fundação da cidade.
O papel dos jesuítas na conversão de Tibiriçá…
O padre jesuíta Manuel da Nóbrega fora enviado ao Brasil com a missão de ampliar a influência da igreja católica na colônia portuguesa Havia vivido por alguns anos na capitania de São Vicente, no litoral, mas considerava a região imprópria para estabelecer uma igreja e um colégio jesuíta.
Nóbrega achava que precisava de um local distante do litoral e decidiu subir a serra em busca de um local para fundar um colégio.
Assim, se aproximou de Tibiriçá, reconhecendo a importância estratégica da região e a influência do líder indígena. Sua influência sobre Tibiriçá resultou na conversão do líder indígena ao catolicismo.
Foi batizado pelos jesuítas José de Anchieta e Leonardo Nunes. Seu nome de batismo cristão foi Martim Afonso, em homenagem ao fundador da vila de São Vicente, Martim Afonso de Sousa, passando a se chamar, então, Martim Afonso Tibiriçá.
E o de Tibiriçá na fundação de São Paulo
A aproximação do Cacique, tanto de João Ramalho, quanto dos missionários jesuítas, criou a situação ideal para a fundação da vila de São Paulo de Piratininga.
Foi em um terreno cedido por Tibiriçá, no topo de uma colina, às margens dos rios Tamanduateí e Anhangabaú que Manuel da Nóbrega, José de Anchieta e Manoel de Paiva rezaram a primeira missa na capela erguida ao lado do colégio jesuíta, em 25 de janeiro de 1554.
O local, embora não tenha mais a construção original, é conhecido como Páteo do Colégio. Fica no centro da Capital Paulista, pertinho da Casa da Boia.
É uma obra apostólica pertencente à Companhia de Jesus. Composto pelo Museu Anchieta, Auditório Manoel da Nóbrega, Galeria Tenerife, praça Ilhas Canárias (Café do Pátio), Igreja São José de Anchieta, a Cripta Tibiriçá e a Biblioteca Padre Antônio Vieira.
O local onde hoje se ergue o Mosteiro de São Bento, ao lado da Casa da Boia era onde morava o Cacique Tibiriçá.
Um legado complexo e controverso
A figura de Tibiriçá é cercada de debates e interpretações divergentes. Alguns o consideram um traidor por ter colaborado com os colonizadores, enquanto outros o reconhecem como um líder pragmático que lutou pela sobrevivência de seu povo em um contexto de colonização imposta, mas é fato que ao longo de sua vida, Tibiriçá atuou como mediador em diversos conflitos entre os Guaianás e os portugueses. Sua diplomacia e capacidade de diálogo foram fundamentais para evitar guerras e massacres, promovendo a coexistência entre os dois povos e permitindo a formação da capital paulista.