capa-blog

Conheça a história dos

dois aeroportos paulistanos

No dia 23 de outubro é comemorado o dia do aviador. A data é uma referência direta ao primeiro vôo de um objeto mais pesado do que o ar, que decolou e pousou por seus próprios meios, no dia 23 de outubro de 1906, na França. Na condução da aeronave um brasileiro. Alberto Santos Dumont. Anos depois do feito memorável a capital paulista seria uma das primeiras do Brasil a contar com estrutura para receber aviões. Conheça a história do Campo de Marte e do Aeroporto de Congonhas.

Tempo de leitura: aproximadamente 9 minutos

Em 23 de outubro de 1906, na França, o brasileiro Alberto Santos Dumont fez voar, de forma autônoma, pela primeira vez, um veículo mais pesado do que o ar.

Hoje usar um avião como meio de transporte, como veículo aero médico, pulverização de lavouras, transporte de carga, transporte executivo, e tantas outras finalidades dessa máquina fantástica, é algo tão comum, que nem nos damos conta de que a tecnologia dos aviões tem pouco mais de 100 anos e, olhando em perspectiva, os dois aeroportos da capital paulista nem cem anos comemoraram ainda, mas estão tão intrinsecamente ligados à paisagem de São Paulo que é difícil pensar a metrópole sem estes equipamentos urbanos.

Data de 1929 o início das operações de uma área na zona norte da capital que servia à então Força Pública, (o equivalente hoje à Polícia Militar).

O Campo de Marte na década de 40.

Em um grande terreno próximo ao bairro de Santana foram instalados os hangares e uma pista de pouso e decolagem que servia à Força Pública, tendo sido esta a primeira instalação aeroportuária da capital, uma história, aliás, que você pode acompanhar no canal Janela da História do YouTube, projeto apoiado pela Casa da Boia.

Mas, recordemos, São Paulo se envolveu na Revolução Constitucionalista de 1932, quando as tropas das forças paulistas queriam derrubar o governo federal de Getúlio Vargas.

Em resposta, um dos locais que mais sofreram ataques das forças federais, justamente por sua importância estratégica, foi justamente o Campo de Marte, severamente bombardeado e danificado pelos aviões federais em 1932. Posteriormente foi interditado por Getúlio Vargas e ficou inoperante.

Aviadores observam o buraco em frente ao hangar da Força Púbica causado por uma bomba da aviação federal durante a Revolução de 1932.

E havia ainda um detalhe. O Campo de Marte fica às margens do Rio Tietê. Hoje retificado e canalizado, não oferece risco ao local, mas no início dos anos 30, não era difícil que a pista do Campo de Marte fosse inundada pelas cheias do rio.

Em busca de uma alternativa

A experiência traumática da Revolução de 1932 e as enchentes do Tietê mostraram que São Paulo tinha que melhorar a sua estrutura aeroportuária e o governo do estado passou a procurar outro local onde pudesse implementar outro aeroporto.

Os olhares dos técnicos se voltaram a uma área do município de Santo Amaro, na divisa sul da cidade. Não, não há erro de redação. O atual bairro de Santo Amaro era um município independente, que foi anexado ao território e à organização político-administrativa da capital em 22 de fevereiro de 1935, pelo interventor Armando Sales de Oliveira.

A construção da primeira pista do Aeroporto de São Paulo (Congonhas). Década de 30.

Foi nesta região então pouco habitada e distante do centro da Capital, e livre de enchentes, que o governo decidiu pela construção do “Aeroporto de São Paulo”, na região de Congonhas.

Coincidência, ou não, na região, entre 1928 e 1932, a Cia. Auto-Estradas Incorporadora e construtora S.A construiu a estrada de ligação entre São Paulo e o município de Santo Amaro (atual avenida Washington Luís). Essa companhia já era proprietária de um grande terreno entre Santo Amaro e o Ibirapuera, e estava loteando a região.

Em 1936 a empresa comprou outro grande terreno de um bisneto do Visconde de Congonhas. A construtora planejava urbanizar a região, chamando-a de Vila Congonhas. Como forma de pressionar o governo do estado de São Paulo pela escolha deste terreno para o futuro aeroporto, a companhia, por conta própria, construiu uma pista de terra para pousos e decolagens à margem da estrada de rodagem para Santo Amaro.

Mesmo ainda em construção, Congonhas passou rapidamente a operar voos das nascentes companhias aéreas.

Em 12 de abril de 1936, pela primeira vez, o Campo de Aviação da Companhia Auto-Estradas foi utilizado publicamente em caráter experimental. Pilotos consagrados foram convidados para exibir-se e testar as condições de Congonhas para sediar o aeroporto. 

Em julho de 1936, com a construção de uma segunda pista de terra, companhias de aviação comercial passaram a utilizar o campo. 

Ainda no mesmo ano, no dia 15 de setembro, o governo de São Paulo adquiriu o terreno, depois de chegar a um acordo com a Auto-Estradas e o aeroporto passa então a ser denominado oficialmente como Aeroporto de São Paulo, sob a administração da Diretoria da viação da Secretaria da Viação e Obras Públicas do Estado.

A VASP é criada e inaugura as operações comerciais do Campo de Marte
Aviões da companhia aérea alemã Condor Syndikat (que se transformaria na Cruzeiro do Sul), foram um dos primeiros a operar em Congonhas.

Voltando um pouco no tempo, ainda sob os efeitos pós-revolução de 1932, mas acompanhando o crescente mercado aéreo brasileiro, em 4 de novembro de 1933, foi fundada a Viação Aérea de São Paulo – VASP. Em uma cerimônia no Campo de Marte, no dia 12 de novembro de 1933, foram inauguradas as duas primeiras linhas regulares da empresa, com a decolagem de seus dois primeiros bimotores Monospar ST-4 ingleses.

Uma curiosidade. Assim como fazem nos navios, os aviões tiveram madrinhas ilustres. O VASP-1 (PP-SPA Bartholomeu de Gusmão), teve como madrinha a pintora e intelectual modernista Olívia Guedes Penteado. Antonieta Caio Prado batizou o VASP-2 ( PP-PSB, denominado Edu Chaves).

A companhia foi fundada por um grupo de 72 empresários, liderados por Fritz Roesler, George Corbisier e Henrique Uchoa Santos Dumont, irmão de Alberto Santos Dumont.

Difícil imaginar que quando de sua inauguração passageiros chegavam à Congonhas em charretes.

As condições precárias da infraestrutura aeroportuária da capital  dificultavam a operação comercial da empresa pioneira. Nos primeiros meses de atividades, a VASP teve suas operações suspensas devido às fortes chuvas que inundaram o Campo de Marte, sendo retomadas somente em 16 de abril de 1934.

Este fato deixou mais evidente ainda a necessidade da construção de um novo aeroporto, o que nos leva de volta à história de Congonhas.

Entre as décadas de 1930 e 1980 Congonhas se tornou o mais movimentado aeroporto do país, tanto que, em 1957, o Aeroporto de Congonhas era o terceiro do mundo em movimento de carga aérea, depois de Londres e Paris.

Dois anos depois, em 1959, foi inaugurada a área internacional do Aeroporto, que passou a conectar a cidade a outros países. Neste mesmo ano começou a funcionar os voos regulares entre a capital paulista e a fluminense, a famosa “ponte aérea Rio – São Paulo”.

Congonhas foi símbolo de um tempo em que viajar de avião era um acontecimento social para poucos.

Durante mais de 50 anos Congonhas foi a única “porta” de entrada aérea da cidade, até a inauguração do Aeroporto Internacional de São Paulo – Guarulhos, em 1985.

Se os voos internacionais agora tinham como destino a cidade vizinha da capital, Congonhas só viu crescer as rotas domésticas, e com isso aumentar o tráfego aéreo sobre a metrópole.

Uma história também marcada por tragédias

Desde que fora inaugurada a primeira pista do Aeroporto, na década de 1930, na então distante região de Santo Amaro, a cidade de São Paulo não parou de crescer e o distante aeroporto começou a ficar cada vez mais cercado por casas e edifícios.

Na noite de 3 de maio de 1963, um Convair 340 prefixo PP-CDW, decolou de Congonhas às 19h30, com destino ao Aeroporto Santos Dumont, Rio de Janeiro. Logo a tripulação foi alertada por um aviso sonoro de incêndio em um dos motores e tentou retornar ao aeroporto, mas sem sucesso. Durante a manobra, a aeronave perdeu altitude e caiu sobre o bairro do Planalto Paulista, causando a morte de 37 ocupantes e ferimentos em outros treze.

Acidente com avião da TAM marcou a história de Congonhas. Eugênio Goulart/AE

Infelizmente essa não seria a única tragédia ligada ao aeroporto. Dentre incidentes e acidentes de menor porte, Congonhas seria protagonista de mais dois acidentes que marcaram para sempre sua história.

Em 31 de outubro de 1996, segundos após a decolagem, o reversor de empuxo de um dos motores do avião PT-MRK, um Fokker 100, da companhia TAM, foi acionado, fazendo com que a aeronave perdesse velocidade e sustentação, caindo na Rua Luís Orsini de Castro, no Jabaquara, Zona Sul da capital paulista.

Todos os 96 passageiros e tripulantes a bordo do Fokker 100 mais três pessoas no solo morreram imediatamente.

Infelizmente na noite chuvosa de 17 de julho de 2007, o Airbus A320, prefixo PR-MBK, ao tentar pousar na pista 35L de Congonhas, sem conseguir frear, ultrapassou os limites da pista, atravessou a avenida Washington Luís colidindo com o prédio da TAM Express e com um posto de gasolina, provocando uma enorme explosão e um incêndio devastador.

Todos os 187 passageiros e tripulantes e mais doze pessoas em solo morreram. É o acidente aéreo com mais mortes na história da aviação brasileira.

A tragédia deste acidente forçou as autoridades brasileiras a implementar mais e melhores medidas de segurança na estrutura da pista que ganhou nova cobertura e uma extensão de sua área de escape.

Hoje o Aeroporto de Congonhas, com suas duas pistas principais tem capacidade para até 40 decolagens/pouso por hora e atende nada menos do que 17 milhões de passageiros por ano.

A importância do Campo de Marte, sua disputa judicial e um novo parque para a capital
O Campo de Marte, desde sua fundação, abriga o grupamento aéreo da Polícia Militar de São Paulo, então “Força Pública”.

Com as operações comerciais de grande porte destinadas a Congonhas, pode até parecer que o Campo de Marte não passa de um aeroclube, um capricho dentro da capital, mas o local é de grande importância para a aviação.

O Campo de Marte opera atualmente exclusivamente com aviação geral, executiva e táxi aéreo e é o quinto do país  (após Congonhas, Guarulhos, Brasília e Galeão) em maior movimento operacional.

O Aeroclube de São Paulo,  inaugurado oficialmente em 8 de junho de 1931, uma das mais antigas escolas de aviação civil em funcionamento no país, tem sua sede nas instalações do Campo de Marte.

Hangares do Aeroclube de São Paulo, fundado em 1931 e que ainda existe.

Além das atividades aeroportuárias e da escola de aviação, o Campo de Marte abriga o Serviço Aero tático da Polícia Civil e o Grupamento de Rádio Patrulha Aérea da Polícia Militar, sem contar órgãos da Força Aérea Brasileira, como a Subdiretoria de Abastecimento, o Centro de Logística da Aeronáutica, o Parque de Material Aeronáutico de São Paulo e o Hospital de Força Aérea de São Paulo (HFASP).

O Campo de Marte é frequentemente palco de exposições aéreas a feiras de aviação.

Lembrando que o Campo de Marte foi confiscado pela União pós revolução de 1932, durante décadas o Município tentou reaver a área. A Prefeitura de São Paulo ajuizou, em 1958, ação requerendo reintegração de posse e indenização pelo uso dessa área municipal.

Este processo só teve fim no ano de 2022 quando foi assinado um acordo entre a União e o Município, pelo qual foi feita a troca do valor da indenização pelo uso da área, pelo valor da dívida do Município de São Paulo com a União, de cerca de R$ 24 bilhões. 

Ao lado do Aeroporto Campo de Marte a Prefeitura pretende criar um parque público a ser explorado pela iniciativa privada, sob concessão.

Pelo acordo São Paulo passou a área do aeroporto para a União, bem como outras dependências administradas pela Aeronáutica. Por outro lado, a União devolveu ao município de São Paulo a parte do imóvel que não é ocupada por instalações federais.

Em 26 de abril de 2024, a prefeitura editou o  decreto Nº 63.374 que criou o  Parque Municipal Campo de Marte, em área contígua ao aeroporto. A área será concedida à exploração da iniciativa privada, a exemplo de outros parques municipais, como o Ibirapuera.

 

Arquivo: