Executa-se qualquer trabalho
pertencente a esta arte
Uma breve cronologia da família Rizkallah à frente da Casa da Boia
No último dia 15 de março comemorou-se o Dia Mundial do Consumidor, data que foi escolhida em 1985 pela Organização das Nações Unidas (ONU) em referência a um decreto do presidente norte americano John Kennedy, que em 15 de março de 1962, estabeleceu quatro direitos básicos dos consumidores norte-americanos: informação, segurança, escolha e participação.
Três anos após a escolha da data pela ONU, o Brasil acolheu estas diretrizes na Constituição Federal de 1988, que já previa a formulação de uma lei para regular as relações entre empresas e consumidores. Esta lei federal, de número 8.078, foi promulgada no dia 11 de setembro de 1990 e ficou conhecida como “Código de Defesa do Consumidor”.
Quase um século antes que o Estado brasileiro regulamentasse os direitos do consumidor, estabeleceu-se no Brasil, o imigrante Sirio Rizkallah Jorge Tahan, cuja história empresarial teria começado quando o jovem imigrante, sem saber falar o português, emprega-se como ajudante geral em uma pequena metalúrgica no centro de São Paulo.
Contavam os contemporâneos de Rizkallah Jorge que, certa vez, um cliente da metalúrgica chegou com o pedido para que a empresa desenvolvesse uma peça de metal personalizada. O dono do estabelecimento, após analisar o pedido, respondeu que não seria possível fazê-lo.
Compreendendo a situação, Rizkallah Jorge teria convencido o dono da empresa que ele seria capaz de desenvolver a tal peça e assim foi confiado a ele o trabalho. Hábil artesão que era e já trazendo a experiência na manipulação do cobre, que aprendera com seu pai na Síria, Rizkallah teria conseguido realizar o pedido, ganhando a confiança de seu chefe e abrindo caminho para que fundasse a sua própria empresa, em 1898.
Essa pequena história não pode ser comprovada, mas coaduna muito bem com o espírito do fundador da Casa da Boia e um registro que contribui para imprimir veracidade a ela ainda pode ser encontrado no sobrado 123 da rua Florêncio de Abreu.
Casa da Boia nasce sob a filosofia de atender as necessidades de seus clientes
Quem passa pelas grossas e altas portas de pinho de riga e caminha pelo assoalho de madeira original da loja da Casa da Boia, com o olhar atento aos produtos expostos, ou preocupado com as compras que precisa fazer, pode até não perceber a frase pintada na viga metálica, que diz muito sobre a filosofia da empresa em seus primeiros anos:
“Executa-se qualquer trabalho pertencente a esta arte”
Tanto assim, que é de se impressionar com a quantidade de itens fabricados pela Casa da Boia sob a gestão de Rizkallah Jorge.
Como bem lembra a historiadora Renata Geraissati, que tem na figura do fundador da empresa o objeto de estudo para suas teses de mestrado e doutorado em história, “Rizkallah estabelece-se como um empresário que direciona seu estabelecimento para a produção de objetos vinculados ao interior doméstico, inicialmente. (ou seja, ao consumidor direto), Posteriormente, ampliando sua produção aos sistemas de iluminação à gás e abastecimento público de água e tratamento de esgotos”.
Em outras palavras, a Rizkallah Jorge e Cia nasce com foco no pequeno consumidor. Não é difícil imaginar o movimento que a loja tinha de pessoas conhecendo e comprando os produtos para sua casa.
Na foto do salão de vendas, possivelmente dos anos de 1920, é possível ver a enorme variedade de produtos para o lar, principalmente os candelabros, as arandelas, todas expostas penduradas no teto da loja.
Final da década de 30 marca a entrada dos filhos nos negócios
Em janeiro de 1939 a empresa emite uma carta aos seus parceiros comerciais, bancos, clientes e fornecedores comunicando a entrada como sócios dos Srs. Jorge, Nagib e Salim Rizkallah Jorge, os três filhos do fundador e que a “Rizkallah Jorge e Cia” passaria a se chamar “Rizkallah Jorge e Filhos”.
Este período da Casa da Boia, em que o fundador e seus filhos estiveram à frente da empresa, dura aproximadamente dez anos. Um ciclo que se encerra quando Rizkallah Jorge faleceu, no ano de 1949.
A década da industrialização acelerada no Brasil, os anos 50 trazem questões que os três filhos de Rizkallah tiveram que enfrentar para decidir o futuro da empresa.
Sem a presença constante do fundador, que sempre fez questão de manter a produção da fábrica diversificada, a fim de atender a demanda dos consumidores finais, com produtos de qualidade e variados, e começando a enfrentar a concorrência de grupos econômicos muito fortes na produção industrial,Jorge, Nagib e Salim decidem por encerrar as atividades fabris.
Sob a gestão dos três filhos de Rizkallah Jorge a empresa toma um novo rumo. Agora sem mais fabricar os produtos de cobre, a Casa da Boia passa a ser representante das novas indústrias.
Com o largo prestígio adquirido em mais 50 anos de atividades e a sólida reputação de mercado, não demorou para que a Casa da Boia se tornasse, nas décadas seguintes, a maior revendedora de cobre e metais não ferrosos de São Paulo e uma das mais importantes do segmento no Brasil.
Com a consolidação dessa nova fase e tendo em vista outros projetos pessoais, os irmãos Jorge e Nagib se retiram da gestão da Casa da Boia no final dos anos 60, início dos anos 70.
Salim Rizkallah Jorge assume a gestão da empresa como único filho de Rizkallah a dar continuidade ao negócio.
A terceira geração começa sua participação na empresa
Foi na década de 1970 que a terceira geração começou a atuar na Casa da Boia.
Dentre os netos de Rizkallah Jorge, dois foram os que permaneceram à frente da direção da empresa a partir da década de 80.
Alfredo Rizkallah, filho de Jorge Rikzkallah e Mario Rizkallah, filho de Salim Rizkallah, além da participação de Maria Tereza Rizkallah, também filha de Salim.
Esta geração enfrentou grandes mudanças no mundo dos negócios.
Se a geração anterior fez a transição da Casa da Boia de indústria para comércio, coube aos netos do fundador encararem anos de hiperinflação na década de 80, o início dos processos de globalização, nos anos 90 e mais recentemente o desafio de manter o cobre e seus produtos derivados, como escolha principal quando novos materiais, como o alumínio e mesmo novos plásticos se desenvolveram tecnologicamente, ocupando espaços antes exclusivos do cobre em aplicações industriais.
Alfredo Rizkallah permaneceu na direção da Casa da Boia até meados da década de 90, retirando-se da sociedade nesta época.
Permaneceram os irmãos Teresa e Mario até o final dos anos 90. A partir da primeira metade dos anos 2000, Mario assume a empresa, com a saída da irmã.
A era da transformação digital e o resgate dos valores pioneiros
A gestão de Mario Rizkallah à frente da Casa da Boia talvez tenha sido a que mais teve de fazer frente às transformações da sociedade e dos meios de produção e comercialização.
Até então, naturalmente, as mudanças sempre ocorreram, mas o ritmo que o mundo encarou as transformações tecnológicas, na geografia da produção e na logística do comércio a partir da virada do Século 20 para o 21 exigiu um novo alinhamento da empresa que a fez resgatar conceitos de seu fundador.
Há pouco mais de 20 anos o mundo começou a usar comercialmente a internet. A telefonia celular engatinhava no Brasil, o fax precedia o e-mail, o conceito de redes sociais era algo para acadêmicos. Empresas gigantescas como a Google e a Meta ou não existiam ou eram meras promessas tecnológicas.
Há pouco mais de 10 anos a tecnologia 5G com suas extraordinárias possibilidades era ainda um futuro distante.
Há pouco mais de 5 anos não se vislumbrava o uso da inteligência artificial em tarefas cotidianas e aplicações comerciais, como um chat de atendimento, por exemplo.
Em 2014 passa a integrar a direção da empresa Adriana Rizkallah, hoje responsável não apenas pela manutenção do patrimônio histórico que é o sobrado sede da empresa, mas também por todo um projeto de varejo que resgata valores presentes na fundação da Casa da Boia.
A valorização do ofício, em detrimento do produto de larga escala,por exemplo, é um dos pilares da Casa da Boia atual.
Assim como há 125 anos, quando toda a sorte de pessoas compravam seus produtos para casa diretamente no balcão da recém inaugurada loja, hoje uma diversidade de profissionais das áreas de elétrica, refrigeração, artistas, artesãos e consumidores residenciais ainda encontram preservados não apenas boa parte do mobiliário original da loja, como também encontram vivos valores como respeito, humildade, honestidade, comprometimento e união.