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Francesco Matarazzo

De imigrante ao magnata que influenciou a urbanização de São Paulo

Chegado da Itália, no final do Séc. XIX, o italiano Francesco Matarazzo iniciou sua vida no Brasil com uma atividade típica dos árabes. Foi mascate no interior de São Paulo. Ao se estabelecer como industrial, entretanto, criou o maior complexo empresarial brasileiro a seu tempo e deixou marcas na história de São Paulo.

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O fundador da Casa da Boia, Rizkallah Jorge Tahan, foi um empresário de enorme sucesso a seu tempo. Visionário, inteligente, ágil e talentoso, construiu uma empresa que ajudou, literalmente, a construir a São Paulo do final do Séc. XIX e início do XX. 

Francesco Matarazzo

Assim como Rizkallah Jorge, muitos outros imigrantes se tornaram referência no empresariado paulista. Rodolfo Crespi, Carlo Bauducco e os irmãos Jafet, para ficar só em alguns exemplos.

Houve um imigrante que, entretanto, alcançou uma projeção industrial tão grande que influenciou São Paulo por décadas. O industrial italiano Francesco Matarazzo, cujo falecimento completa 95 anos em 10 de fevereiro.

Matarazzo nasceu em 9 de março de 1854 em Castellabate, na Itália. Era filho de Costabile Matarazzo e Mariangela Jovane, agricultores na região da Campânia, onde passou a infância e juventude.

Quase com a mesma idade com a qual Rizkallah Jorge chegou ao Brasil, em 1895, Matarazzo decidiu deixar sua família na Itália e, com 27 anos, em 1881, desembarcava em Santos, com apenas algumas moedas no bolso (teve extraviada, durante a viagem, uma carga de banha de porco que trouxera para iniciar seus negócios no Brasil) e um sonho de “fazer a América”. 

Começou sua trajetória como começaram muitos imigrantes árabes, como mascate, vendendo produtos porta a porta pelas ruas de Sorocaba. Foi somente 10 anos após chegar ao país que Matarazzo inaugurou sua primeira loja na mesma cidade, vendendo secos e molhados. A partir desse ponto, o crescimento de seus negócios foi meteórico.

A gênese do império
Apesar de tombado, o Moinho Matarazzo está em pleno processo de degradação.

Já em 1897, Matarazzo transferiu suas operações para a capital paulista, São Paulo. A cidade então crescia largamente com a industrialização e o imigrante italiano viu na pujança urbana o terreno fértil para seus planos. 

A primeira fábrica do grupo foi aberta com seus irmãos Giuseppe e Luigi: a empresa Matarazzo & Irmãos. Fundada em 1897, produzia óleos vegetais e sabões, dando início a um conglomerado que se expandiu por diversos setores.

Em 1898 ele conseguiu crédito do London and Brazilian Bank para construir um moinho na cidade de São Paulo. A partir daí seu império empresarial se expandiu rapidamente, chegando a reunir 365 fábricas por todo o Brasil. A renda bruta do conglomerado chegou a ser a quarta maior do Brasil. 6% da população paulistana dependia de suas fábricas (seus empregados e familiares), que em 1911 passaram a se chamar Indústrias Reunidas Fábricas Matarazzo (IRFM), uma sociedade anônima.

Fachada de uma das unidades da empresa na capital paulista.

As Indústrias Reunidas Fábricas Matarazzo se diversificaram rapidamente por áreas tão distintas como cimento, têxteis, papel, alimentos, metalurgia, produtos químicos e até mesmo uma companhia de navegação fluvial faziam parte do portfólio do grupo.

Matarazzo tinha uma forma peculiar de expandir seus negócios. Começando com óleos vegetais e sabão, precisava de um fornecedor de embalagens. Rapidamente substituiu o fornecedor por uma fábrica sua que faria as embalagens. Para fazer as embalagens, montava ou incorporava uma fábrica de papelão.  Para produzir os óleos, tinha que ter matéria prima. Assim, iniciou uma plantação de algodão e fazia toda a cadeia desde o plantio, a extração e a logística de venda.

Foi desta maneira, trazendo para si toda a cadeia de produção dos produtos que fabricava e vendia, que Matarazzo, instalou inúmeras fábricas pela capital e posteriormente pelo Brasil.

Moinho influencia a ocupação do Brás
Empregados da fábrica de tecidos, no Brás.

O Moinho Matarazzo, construído no início do Séc. XX foi projetado pelo arquiteto Nicolau Spagnolo e foi a maior unidade industrial do início do séc. XX na cidade, influenciando a ocupação da região do Brás, com as vilas operárias que se seguiram a sua construção.

O edifício do moinho, localizado na esquina da Rua Monsenhor Andrade com a Rua Bucolismo, foi tombado em 1992 pelo CONPRESP (Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo), devido a sua importância para a memória dos trabalhadores, seu valor urbanístico representado pela ocupação industrial ao longo das ferrovias no bairro do Brás e seu valor histórico-arquitetônico, ambiental e afetivo.

Em 1920 Matarazzo inaugurou o complexo industrial da Água Branca, na zona oeste de São Paulo, em uma área com 100 mil metros quadrados. O local caracterizava-se por suas imensas chaminés de tijolos, que podiam ser avistadas a centenas de metros de distância. Este foi o primeiro parque industrial paulista com noção verticalizada de produção.

Ali instalaram-se fábricas de diversos ramos, como serraria, refinaria, destilaria, frigorífico, fábrica de carroças, de sabão, perfumes, adubos e inseticidas, velas, pregos, vilas operárias, armazéns, banco, distribuidora de filmes, fábrica de licores… 

Todo esse complexo funcionava com a energia de uma usina própria, na Casa do Eletricista e Casa das Caldeiras. Estes são, atualmente, os únicos edifícios remanescentes do complexo, que fica bem próximo do Parque Fernando Costa, mais popularmente conhecido como Parque da Água Branca.

Durante os anos 30 as Indústrias Reunidas Francesco Matarazzo alcançaram faturamento e projeção colossais. Os produtos do conjunto industrial estavam presentes no dia a dia de quase todos os brasileiros e a receita das IRFM era menor apenas do que a do Governo Federal, do Departamento Nacional do Café e do Estado de São Paulo.

Morte e sucessão
Anúncio de um dos produtos das Indústrias Reunidas Francesco Matarazzo

O industrial faleceu, como dissemos, no dia 10 de fevereiro de 1937. À época, Matarazzo era dono da quinta maior fortuna do mundo, com patrimônio estimado em 20 bilhões de dólares em valores atualizados.

Com a morte do fundador, assumiu o conjunto industrial seu filho, Francesco Matarazzo Junior, o “Chiquinho”, que ficou quarenta anos no comando, expandindo ainda mais os ramos de produção das indústrias.

Ele construiu fábricas nos ramos de química, alimentos e álcool. Dentre os novos produtos, estavam celulose, celofane, biscoitos, margarina vegetal, sulfeto de carbono, óleo de mamona, inseticidas.

Na década de 60, novas fábricas foram abertas, como as de perlon, fibras sintéticas, laminados plásticos e fibra de café solúvel. Entretanto, nessa mesma época, as Indústrias Matarazzo começaram a sentir os primeiros sinais de declínio.

O Conde Chiquinho faleceu em 1977, sendo substituído no comando da empresa por Maria Pia Esmeralda Matarazzo. As Indústrias Reunidas Fábricas Matarazzo ainda eram o maior conglomerado empresarial do país, e Maria decidiu concentrar a produção nos ramos de maior sucesso: papel, químico e álcool, desativando antigas unidades industriais deficitárias. 

Em 1981 todo o setor têxtil da IRFM foi vendido para a empresa Cianê. Entre 1981 e 1983, a situação piorou. Maria enfrentou uma disputa de poder com os irmãos e a arrecadação caiu ainda mais, motivada por seguidos abalos na economia.

Afundada em dívidas devido a empréstimos não saldados, as IRFM teve vários prédios penhorados, incluindo todo o parque industrial da Água Branca. Em 1990, todo o complexo químico, localizado em São Caetano do Sul, foi desativado. 

Após dois anos, com as IRFM à beira da falência, Maria Matarazzo abre mão do controle das principais empresas do grupo, como as Cerâmica Matarazzo, Matarazzo Papéis e Matarazzo Embalagens. 

Atualmente, a última unidade com administração direta do Grupo Matarazzo é a Matflex, fabricante de tecido não tramado (TNT), localizada no pólo industrial em Ermelino Matarazzo, na zona leste de São Paulo.

Legado para a cidade
Complexo indústrial da Água Branca.

Além das fábricas, em seu auge, a empresa investia em infraestrutura, construindo vilas operárias, escolas, hospitais e até mesmo um teatro. O Teatro Matarazzo, inaugurado em 1937, era um dos mais luxuosos da cidade e palco de grandes espetáculos.

Matarazzo construiu, em 1904, o Hospital Humberto Primo, na região da Av. Paulista, local que ficou conhecido também como “Hospital Matarazzo”.

Hoje passa por uma revitalização iniciada em 2014 e vai abrigar um mega complexo de hotelaria, gastronomia e lazer de luxo. 

Parte do complexo, com um o hotel, com cerca de 40 quartos, dois bares e três restaurantes — um deles exclusivo aos hóspedes, além de uma capela construída há um século,,já está em funcionamento, mas o projeto prevê ainda 34 restaurantes, 300 lojas de moda, teatro e sala de shows, além da operação de mais uma torre de apartamentos residenciais e hotelaria de alto luxo.

A Casa das Caldeiras e o Moinho

Único conjunto de edifícios remanescentes do complexo industrial da Água Branca, a Casa das Caldeiras é, atualmente, um grande espaço de eventos e shows na avenida Francisco Matarazzo.

O conjunto de edificações do Moinho Matarazzo, no Brás, tombado pelo patrimônio histórico, não tem a mesma sorte e encontra-se em estado de abandono, sofrendo com a degradação natural, pichações e atos de vandalismo.

Ermelino Matarazzo

O bairro da zona leste de São Paulo tem esse nome em homenagem ao filho do Conde Francesco Matarazzo, nascido em Sorocaba, Ermelino Matarazzo, no ano de 1883. Seria o sucessor natural dos negócios, mas faleceu precocemente em um acidente de automóvel, em Bruzolo, Turim, em 1920.

Por volta de 1910, os Matarazzo compraram extensas áreas de terra na região, iniciando o loteamento do então “Jardim Matarazzo”, posteriormente rebatizado de Ermelino.

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