Meio século do mais terrível
incêndio de São Paulo
Há exatos 50 anos a cidade de São Paulo assistia, estarrecida, a uma de suas maiores tragédias. Por uma falha no sistema de ar-condicionado, o edifício Joelma, na Praça da Bandeira, teve um princípio de incêndio. Incontido logo em seus primeiros momentos, o fogo se alastrou por todo o prédio ferindo centenas e vitimando de forma fatal 187 pessoas.
Era um dia comum na capital paulista naquela sexta-feira, 1 de fevereiro de 1974. Pessoas se dirigiam a seus trabalhos, escolas, atividades rotineiras. Era verão, calor e nos escritórios do centro da capital, os aparelhos de ar-condicionado ajudavam a aplacar o calor.
O edifício Joelma, um prédio de escritórios moderno à época, que fora inaugurado poucos anos antes, em 1971, com vinte e cinco andares, sendo dez de garagem, ficava no número 225 da Avenida Nove de Julho, com outras duas fachadas para a Praça da Bandeira, na lateral, e para a rua Santo Antônio, nos fundos.
A despeito de ser praticamente novo, há 50 anos nem as normas das edificações eram tão rigorosas quanto hoje, nem os equipamentos e instalações elétricas eram tão modernas e mais seguras como atualmente.
Tão logo inaugurado, o edifício foi alugado para um banco. O Banco Crefisul de Investimentos.
As salas e escritórios no Joelma eram configurados por divisórias, com móveis de madeira, pisos acarpetados, cortinas de tecido e forros internos de fibra sintética e naquele momento o Joelma contava com escadas centrais, além de elevadores, para servir às duas torres de escritórios. Não havia escadas de emergência nem brigadas de incêndio ou plano de evacuação.
Um curto-circuito inicia a tragédia
Por volta das 8h45, após um curto-circuito em um aparelho de ar condicionado no 12º andar do prédio iniciou um princípio de incêndio. O fogo se espalhou rapidamente pelos demais andares e levou pânico aos ocupantes, que, sem uma orientação de brigada de incêndio, começaram a agir por conta própria.
Muitos conseguiram fugir pelos elevadores, o que hoje sabemos ser um erro, até que estes pararam de funcionar, fato que provocou várias mortes dentro das cabines, incluindo um grupo de treze pessoas encontradas em uma delas, que nunca puderam ser identificadas, e ficaram conhecidos como as “Treze Almas do Edifício Joelma”.
As escadarias foram rapidamente tomada pela densa fumaça, impedindo a fuga dos ocupantes, que ao invés de descerem, começaram a subir, na esperança de serem resgatados no topo do prédio, a exemplo do que havia acontecido no incêndio no Edifício Andraus, também no centro de São Paulo, dois anos antes.
Mas havia um problema nesta estratégia, pois a cobertura do edifício era de telhas de cimento amianto sobre estrutura de madeira. Isso seria um fator impeditivo para o pouso de helicópteros.
A primeira equipe do Corpo de Bombeiros chegou ao edifício às 9h10 mas o caos nas proximidades do edifício já estava instalado, pessoas nas ruas, trânsito, vítimas, enfim, inúmeros fatores prejudicaram a chegada rápida das demais equipes dos bombeiros e ambulâncias.
Ainda assim o socorro mobilizou 1 500 homens, entre bombeiros e tropas de segurança, equipes de cinco hospitais estaduais e outros privados, quatorze helicópteros, trinta e nove viaturas e todas as ambulâncias da rede hospitalar. Todos os carros-pipa da Prefeitura e vários particulares.
A fim de garantir o livre acesso de ambulâncias e de veículos dos bombeiros ao prédio incendiado, convocaram-se tropas de choque do Regimento 9 de Julho, do Exército e da Polícia Militar, além da Companhia de Operações Especiais e do Departamento do Sistema Viário para fazer os bloqueios nas avenidas de acesso ao centro e facilitar a chegada de ambulâncias e viaturas dos bombeiros.
São Paulo parou naquela manhã
Heroísmo na atuação aérea
As características do incêndio e o comportamento das pessoas, que subiram aos andares superiores foram fatores complicadores no resgate.
Parte das equipes dos bombeiros se dedicaram ao combate às chamas, propriamente dito, enquanto outros tentavam acessar as vítimas presas nos andares superiores.
Os bombeiros não conseguiam acessar esses andares pelas escadas, tomadas pelas chamas. A maior escada Magirus atingia quarenta metros de altura e não chegava aos andares onde estavam as pessoas, os helicópteros não podiam sequer se aproximar o suficiente para tentar o resgate das vítimas por causa do calor.
A exceção ficou por conta da aeronave militar UH-1H da FAB, que decolou da Base Aérea de Santos, tripulado pelo então Major Aviador Pradatzki, o Tenente aviador Taketani e pelo Sargento Silva, mecânico da aeronave.
Essa aeronave ainda levou ao topo do prédio o então Ten PM Nakaharada, Sd PM Juvenal, Sd PM Cid Monteiro (COE) e o médico civil Dr. Wanderley.
Segundo relatos essa foi a segunda equipe a desembarcar no topo do edifício em chamas. O Sgt. PM Augusto Cassaniga do Batalhão “Tobias de Aguiar” da Polícia Militar de São Paulo, foi o primeiro a saltar no teto do edifício Joelma de um helicóptero civil (segundo relatos foi do helicóptero do DERSA).
Após várias tentativas, saltou da aeronave a uma altura de cerca de 4 metros e quando tocou o chão fraturou seu tornozelo, mesmo assim foi o primeiro a organizar o salvamento.
Como o helicóptero militar da FAB não conseguia pousar no teto do edifício, mas era o único a conseguir operar nas condições de calor extremo do topo do prédio, as pessoas se agarravam nos esquis da aeronave e, com ajuda da tripulação, eram colocadas para dentro do helicóptero.
Foi uma operação arriscada de embarque a baixa altura, mas que funcionou. Sobre o prédio da Câmara Municipal havia o heliponto e, ao lado, uma área de mesma dimensão, onde os pilotos civis (muitos deles haviam trabalhado no incêndio do Andraus) pousavam suas aeronaves e conduziam as vítimas aos hospitais, principalmente ao Hospital das Clínicas, pousando em um campo de futebol próximo, pois nessa época o Hospital das Clínicas não possuía heliponto.
Outro momento extremamente audaz do salvamento no Joelma foi a atuação do Comandante Carlos Alberto (o primeiro piloto de helicóptero do Brasil), com a ajuda do Eng. Carlo de Bellegarde de Saint Lary, que posara, um Bell Jet Ranger, da empresa Pirelli, sobre uma pequena laje de um prédio vizinho.
Ali, os bombeiros passaram cordas, ligando os dois prédios e tentavam retirar as pessoas por meio de técnicas de rapel.
Diante da ousadia destes pilotos, tripulantes, bombeiros e policias militares, foram construídas “pontes”, utilizando cordas entre os prédios vizinhos, de onde vinham sacos de leite, água e barras de chocolate.
Incêndio contido, mas vítimas desesperadas
Os focos de chama, propriamente ditos, foram contidos pelos bombeiros, já por volta das 10h30, mas o calor e a fumaça ainda apavorava quem estava no topo do edifício.
Diante da situação desesperadora, mais de 20 pessoas, ou caíram, do topo do prédio, ou até mesmo se jogaram.
Em uma tentativa desesperada de transmitir alguma esperança àqueles que estavam presos, os bombeiros tentavam avisar que o incêndio já havia sido contido, com a ajuda de megafones e mesmo escrevendo a informação em grandes faixas para que quem estivesse no topo conseguisse ler.
Por volta das 13h todos os sobreviventes já haviam sido resgatados. Ainda assim, o incêndio no Edifício Joelma provocou 187 mortes e deixou mais de 300 feridos.
Lições da tragédia
No dia 7 de fevereiro de 1974, 6 dias após a tragédia, o, até então, prefeito de São Paulo, Miguel Colasuonno, publicou um decreto com novas normas de segurança para os edifícios da capital, que, logo em seguida, também foi implantada em todo o Brasil.
As normas de segurança passaram a ser aplicadas diretamente em todos os prédios em construção ou que passariam por reformas e determinavam que todos os prédios a partir de então deveriam ser construídos com paredes externas à prova de fogo, sendo proibida a construção de coberturas com materiais de combustível.
Os hidrantes devem ficar a uma distância de 30 metros da entrada do edifício e todos os edifícios devem contar com o sistema de chuveiros automáticos (sprinkler), além de contar com extintores próprios para o combate de cada tipo de fogo.
Pouco mais de um ano após a tragédia, o prefeito Egydio Setúbal promulgou a Lei 8.266, aprovando o Código de Edificações do município. A lei ampliou as exigências do decreto do ano anterior e especificou melhor as normas de segurança.
Ao contrário do decreto anterior, a nova lei foi feita com estudo de caso e preparada por uma comissão especial da Câmara dos vereadores. Cada tipo de prédio foi enquadrado em uma categoria, que por sua vez recebeu orientações específicas sobre o uso de material contra incêndio, extintores, escadas e incêndio e saídas de emergência.
Esse código mudou algumas vezes ao longo do tempo, sempre atendendo às necessidades de proteção que surgiam.
Após a tragédia, os códigos de obras foram evoluindo para que os prédios tenham portas corta-fogo, alarmes de incêndio, corrimão, luzes de emergência, portas anti pânico, extintores, hidrantes, rotas de fuga e planos de evacuação. Atualmente, além de regras locais, a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) e o Código de Defesa do Consumidor prevêem normas de prevenção a incêndios nas edificações.
Os cuidados na Casa da Boia
O sobrado histórico, sede da Casa da Boia, foi construído em 1909, e em seu núcleo principal pouco, sofreu alterações, tanto que é referência em preservação arquitetônica.
Isso não significa que o imóvel não possua sistemas de combate a incêndio. Ao contrário, não só é dotado de hidrantes, uma enorme caixa d´água com reservatório exclusivo para o sistema de combate a incêndio, como mensalmente é realizado pela equipe da CIPA, testes regulares na bomba, nos hidrantes, nas mangueiras e nas luzes de emergência.
Além disso todos os ambientes da empresa são sinalizados com rota de fuga, possuem extintores, e uma equipe interna constantemente treinada para ação em caso de um princípio de incêndio.
E, obviamente, a Casa da Boia mantém rigorosamente em dia os Autos de Vistoria do Corpo de Bombeiros.