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Na história de Zekié Naccache,

uma homenagem às mães

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É tradição desde o início do Séc. XX celebrar a figura materna no segundo domingo de maio. A comemoração surgida nos Estados Unidos ganhou adesão no Brasil e a data, fora seu caráter emocional, de se estar junto de quem representa a figura materna, é também a segunda mais importante do comércio. 

Na proximidade do dia das mães, prestamos uma homenagem à memória de Zekié Naccache, uma mulher pioneira na história da Casa da Boia e da família Rizkallah.

Como é de se supor, o dia das mães surgiu da vontade de uma filha de homenagear a sua mãe. Esta história de uma homenagem íntima, acabou por se transformar em uma data comemorada mundo afora, o que, irônicamente, incomodou a filha que idealizou a comemoração.

O trabalho social de Ann Jarvis inspirou sua filha a lutar por um dia para se homenagear todas as mães.

Ann Jarvis a homenageada, nasceu em 1832 nos Estados Unidos e passou pela dor de perder dez filhos por doenças infantis. Para evitar que mais pessoas tivessem o mesmo sofrimento, ela se tornou uma ativista social e passou a dedicar sua vida a ajudar outras mães e a sua comunidade.

Junto com um grupo de mulheres, ela fundou os “clubes de trabalho do dia das mães”, em 1858, na cidade de Virgínia. O grupo fornecia assistência e educação às famílias, a fim de reduzir as doenças e a mortalidade infantil.

Quando o estado da Virgínia foi dividido pela Guerra Civil americana, Ann e os clubes de trabalho ampliaram sua atuação e passaram a atender os soldados feridos. Os cuidados oferecidos eram neutros, ajudando a todos que precisavam, independente do lado da Virgínia que estivessem defendendo.

A ação de Ann Jarvis se desdobrou no pós-guerra, quando sua ajuda foi solicitada para intervir nos conflitos que perduravam. 

Ela e membros do clube planejaram o “Dia da Amizade das Mães”, para que os soldados e suas famílias, de ambos os lados, se reconciliassem em um processo de cura. A partir daí, Ann passou a organizar piqueniques anuais nos “Dias das Mães”, para encorajar as mulheres a participarem na política e promoverem a paz.

Ann faleceu em 9 de maio de 1905. Amigas de sua filha, Anna, quiseram realizar, algum tempo depois, uma festa em homenagem a Ann. Ana, entretanto, queria que esta homenagem se estendesse a todas as mães e, a partir de então, empreendeu uma campanha pública para criar um dia de homenagem às mães.

Depois de lutar três anos para oficializar a data, finalmente, em 26 de abril de 1910, o governador da Virgínia Ocidental, William E. Glasscock, acrescentou o Dia das Mães ao calendário de datas comemorativas daquele estado.

Outros estados dos Estados Unidos aderiram à comemoração e assim, em 1914, o presidente dos Estados Unidos, Woodrow Wilson formalizou o segundo domingo do mês de maio em todo o território nacional, como o dia consagrado às mães.

Contraditoriamente, o dia das mães se tornou um fardo para Anna
Depois de lutar pelo dia das mães, Anna Jarvis se decepcionou com os contornos comerciais que a data tomou.

Nascido de uma vitória pessoal em homenagear a memória de sua mãe e a de todas as mães que, no período, lembremos, enfrentavam condições péssimas para a criação de seus filhos, a comemoração do dia das mães acabou por ser tornar não um motivo de orgulho para Anna, mas um fardo pessoal.  

Quanto mais a data tomava corpo, mais Anna se incomodava com o caráter comercial que a comemoração adquirira.

Na década de 1920, Anna Jarvis criou a Associação Internacional para o Dia das Mães, e chegou mesmo a pleitear na justiça os direitos autorais sobre o segundo domingo de maio. Sua luta a levou, inclusive à prisão, por perturbar a paz. 

Ela e sua irmã, Ellsinore Jarvis,  consumiram a herança da família fazendo campanha contra o feriado, tanto que acabaram morrendo na  pobreza. 

Segundo o obituário do jornal New York Times, Anna Jarvis ficou profundamente magoada porque muitas pessoas mandavam para suas mães um cartão impresso neste dia.

Ela afirmava que  “um cartão impresso não significa nada mais que você é muito preguiçoso para escrever para a mulher que fez mais por você que qualquer outra pessoa no mundo…”

De uma forma ou de outra, e a contragosto de Anna Jarvis, o segundo domingo de maio se consagrou como o dia das mães, inclusive no Brasil.

Coube à Associação Cristã de Moços do Rio Grande do Sul (ACM-RS) a iniciativa da comemoração da data em nosso país, por sugestão do então Secretário-geral da instituição, Frank Long. A primeira celebração no país ocorreu em 12 de maio de 1918, em Porto Alegre. 

Aos poucos, a festividade foi se espalhando pelo Brasil e, em 1932, o então presidente Getúlio Vargas, a pedido da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, oficializou a data no segundo domingo de maio. 

A iniciativa fazia parte da estratégia das feministas de valorizar a importância das mulheres na sociedade, animadas com as perspectivas que se abriram a partir da conquista do direito de votar, em fevereiro do mesmo ano. 

Em 1947, Dom Jaime de Barros Câmara, Cardeal-Arcebispo do Rio de Janeiro, determinou que essa data fizesse parte também no calendário oficial da Igreja Católica, consolidando a comemoração como uma festividade nacional.

Zekié Naccache, a primeira “mãe” da Casa da Boia
Zékie Naccache foi figura fundamental na família Rizkallah.

Nossa empresa comemora, em 2024, 126 anos de atividades. Imagine quantas mães já passaram por aqui e hoje fazem parte dos nossos colaboradores. Prestar uma homenagem nominal a todas é impossível.

Por isso é que  a gente quer reverenciar todas as mães da Casa da Boia, sejam elas nossas colaboradoras, prestadoras de serviços ou nossas clientes, lembrando a história de uma pioneira. Zékie Nacacche, esposa de Rizkallah Jorge Tahan, nosso fundador, e mãe dos três filhos que juntos tiveram: Jorge, Nagib e Salim.

Nascida na Síria, descendente de armênios, como era usual naquela época, foi apresentada à Rizkallah Jorge Tahanian (também de ascendência armênia) por seu pai, amigo do pai de seu futuro marido.

Ao casar com o jovem artesão inicialmente iniciaram a vida em comum na cidade Síria de Aleppo. O espírito irrequieto do marido que não via grandes possibilidades de ascensão na Síria de então, acabou por deixá-la só já nos primeiros anos do casamento, quando, em 1895, Rizkallah Jorge decidiu “fazer a América”.

O jovem embarcou com mais três amigos no porto de Trípoli, na Líbia, de onde enviara a carta em que contava à esposa sua decisão de viajar para o Brasil, decisão esta que, segundo contam, ele não havia compartilhado com a jovem esposa. 

Os amigos chegaram em Santos naquele mesmo ano e logo Rizkallah Jorge se estabeleceu em São Paulo, como empregado em uma pequena metalúrgica.

Três anos depois, e muito provavelmente, muitas cartas enviadas à esposa, Rizkallah Jorge toma outra decisão. Funda sua própria empresa na capital paulista. A Rizkallah Jorge e Cia, empresa viria a ser logo conhecida como a Casa da Boia, por ser pioneira ao vender  a boia para caixa d’água.

Algum tempo depois, com o empreendimento crescendo, Rizkallah decide que era adequado trazer a esposa para o novo país e Zékie Naccache chega ao Brasil no final do Século XIX. 

Como acontecia com vários imigrantes estrangeiros, cujos nomes representavam dificuldade para os agentes de imigração brasileiros, acaba por ser registrada “Zackie”.

Sua presença estrutura a família
Ao lado do marido, Rizkallah Jorge Tahan, Zékie, na inauguração da Igreja Armênia. Zékie participou e protagonizou muitas obras de benemerência.

A biografia de Rizkallah Jorge Tahan é bastante conhecida. Inicialmente hábil artesão que também tinha uma visão empreendedora bastante aguçada, soube aproveitar o crescimento exponencial da capital paulista para alavancar os negócios de sua empresa, constituindo fortuna com a venda de produtos de cobre e material hidráulico na virada dos séculos XIX para o XX e tornando a Casa da Boia referência no comércio de cobre nas cidade.

Mas, de presença reservada, a esposa Zekié, ou Zackie, talvez tenha sido a primeira “presença feminina” na trajetória da empresa fundada pelo marido. 

Contavam os imigrantes mais antigos e aqueles chegaram a conhecer o casal, que Zekié preparava e levava as refeições para a loja, para que Rizkallah Jorge não precisasse sair do ambiente de seu comércio.

O casal teve o seu primeiro filho, Jorge, no ano de 1900. O livro “A Coletividade Armênia no Brasil”, escrito originalmente em armênio na década de 1940, por Yesnig Vartanian e reeditado em português em 2021, agora com coordenação do Prof. Dr. Hagop Kechichian, registra que “A presença de um filho e herdeiro entusiasmou Rizkallah, que trabalhava incansavelmente na nova loja e fábrica, misturando dia e noite, para garantir um bom futuro ao filho e à sua velhice”.

Em 1902, nasce Nagib, o segundo filho do casal, e em 1904 o mais novo e último filho, Salim.

Zekié exercia grande papel na educação dos filhos e se tornava, à medida da ascensão social do casal, uma figura atuante na educação dos filhos e em entidades da sociedade paulistana no início do Séc. XX.

Imagem simbólica registra a influência de Zekié na família
A foto da fachada da Casa da Boia simboliza o espaço feminino, no andar superior, em que Zékie representa pilar fundamental na estruturação familiar.

Poucas imagens são conhecidas do casal Rizkallah Jorge e Zekié Naccache em sua juventude. Uma das mais icônicas é a foto que ilustra esta postagem. Na nova residência da família Rizkallah, um imóvel imponente na rua Florêncio de Abreu, onde até hoje funciona a loja criada por ele, o registro do casal traz uma leitura simbólica de seus papéis no núcleo familiar e social.

Ao invés de serem retratados lado a lado, Rizkallah Jorge aparece no térreo, “domínio” masculino do ambiente de negócios, a loja e a fábrica. No primeiro andar, como que zelando pela família e no “domínio” social, a esposa Zekié aparece, elegantemente vestida, na área residencial do sobrado de uso misto.

Amálgama do núcleo familiar

Com a prosperidade obtida nos negócios, a família se muda do sobrado da rua Florêncio de Abreu para uma mansão na Avenida Paulista nos anos 20. A casa seria o ponto de encontro dos filhos, já adultos e para as gerações futuras. Passa a ser a casa de “sito”. “Sito” em árabe, significa avó.

Aliás, Jorge, o primogênito do casal Rizkallah e Zekié, mesmo depois de casado, morou por muitos anos com sua esposa e filhos, na casa dos pais. A esposa de Jorge, nora de Zekié, Marie Der Markossian, aprendera a culinária árabe por meio dos ensinamentos da sogra, que ajudava também na criação dos netos.

Os filhos, Nagib e Salim, que, casados, moravam em outras residências, quando iam visitar os pais levando os netos, invariavelmente recebiam uma ordem de Zekié: “pegue aquela caixa”.

Na caixa, tesouros guardados a espera dos netos:

“Eram doces, açucarados, uma maravilha para nós, crianças. Quando nossos pais, preocupados com a quantidade de doces que comíamos, reclamavam ela dizia ‘come, é água’, querendo dizer que, como água, não nos faria mal”,  relembra Mario Roberto Rizkallah, atual diretor da Casa da Boia, filho de Salim, neto de Zekié e Rizkallah Jorge.

“Me chamo Mario por influência dela, que era católica e muito religiosa. Mario remeteria à Maria, mãe de Jesus”.

Zekié Naccache não exerceu funções na Casa da Boia,  mas se dedicou à família, se tornando um pilar dos Rizkallah, a medida que se tornara responsável não apenas pela educação dos filhos, mas também por viabilizar as atividades de benemerência a que o casal Zekié e Rizkallah se dedicaram ao longo da vida e garantir a unidade do núcleo familiar até o seu falecimento, na década de 1970.

É, na figura desta mulher ímpar, que desejamos a todas as mães que tenham não um único dia de comemoração, mas que todos os dias, do mais extraordinário ao mais comum, sejam dignos de serem comemorados.

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