No aniversário de São Paulo,
as lembranças das comemorações do IV Centenário
Após empreenderem uma longa viagem pela costa brasileira, a mando da Coroa Portuguesa, um grupo de padres jesuítas chega ao planalto de Piratininga no início de 1554. O local foi considerado estratégico, pois ficava em uma região elevada, com vista para os rios Tietê, Tamanduateí e para a Serra do Mar. Oferecia proteção e era adequado à fundação de um povoado.
Assim, em 25 de janeiro de 1554, o padre Manuel da Nóbrega celebrou a primeira missa no planalto de Piratininga. A data foi escolhida porque era o dia da conversão do apóstolo Paulo, fato que deu origem ao nome da cidade.
Vale lembrar que no início do século XVI, os portugueses já haviam estabelecido uma série de feitorias ao longo da costa brasileira, com o objetivo de explorar o pau-brasil e outras riquezas naturais. No entanto, o interior do continente ainda era pouco conhecido e explorado.
Os jesuítas, uma ordem religiosa católica, estavam envolvidos na evangelização dos povos indígenas da América. Em 1553, Nóbrega e outros jesuítas chegaram ao Brasil justamente com a missão de fundar uma escola para catequizar os indígenas. Ao escolher o Planalto de Piratininga, fundam o colégio Jesuíta, no local conhecido hoje como “Pateo do Collegio”.
Atualmente cercado pela imensidão de edificações à sua volta, nem todos se dão conta de que a construção remanescente em pleno centro da capital, e, praticamente ao lado da Casa da Boia, foi onde começou a maior cidade da América Latina.
Em 1560 a vila ganhou o nome de São Paulo de Piratininga e foi elevada à categoria de cidade em 1765.
As comemorações pela fundação da cidade sempre movimentaram a capital, mas uma, em especial, marcou a memória da cidade. As comemorações dos 400 anos de sua fundação. Evento que ficou popularmente conhecido como Comemorações do IV Centenário, ou para quem viveu aquele momento, simplesmente “IV Centenário”.
Curiosamente, as comemorações daquele ano de 1954 não foram realizadas em janeiro. Ao contrário, elas se estenderam durante os dias 9, 10 e 11 de julho, com a participação de diversos políticos e personalidades importantes da época em grandes eventos, principalmente no centro da capital.
Apesar da data oficial de fundação ser 25 de janeiro, foi escolhido para esta festividade o dia comemorativo da Revolução Constitucionalista de 1932, (um conflito armado entre os grupos políticos atrelados aos cafeicultores paulistas do Estado de São Paulo e o governo federal de Getúlio Vargas).
Entrega tardia do Ibirapuera marca a data
Tanto quanto os atos comemorativos, o IV Centenário marcou a cidade pelo legado de uma obra que se tornou icônica para a capital e para os paulistanos. O Parque do Ibirapuera.
A região alagadiça onde hoje se encontra o parque havia sido parte de uma aldeia indígena no início da colonização de origem portuguesa. Com o tempo, tornou-se uma área de chácaras e pastagens.
Já na década de 1920, o então prefeito da cidade – José Pires do Rio – idealizou a transformação daquela área em um grande parque semelhante aos existentes na Europa e nos Estados Unidos, mas o obstáculo representado pelo terreno alagadiço frustrou a ideia, até que Manuel Lopes de Oliveira, conhecido como Manequinho Lopes, apaixonado por plantas, iniciou, em 1927, o plantio de centenas de eucaliptos australianos, buscando drenar o solo e eliminar a umidade excessiva do local, o que demorou, mas funcionou.
Ainda assim, foi só a partir de 1951, que o então governador Lucas Nogueira Garcez instituiu uma comissão composta por representantes dos poderes públicos e da iniciativa privada para que o Parque Ibirapuera se tornasse o marco das comemorações do IV centenário da cidade.
Coube a Oscar Niemeyer a responsabilidade pelo projeto arquitetônico, ao engenheiro Joaquim Cardozo a responsabilidade pelos projetos estruturais e a Roberto Burle Marx o projeto paisagístico. O projeto de Burle Marx, no entanto, acabou sendo substituído pelo projeto do engenheiro agrônomo Otávio Augusto Teixeira Mendes.
A despeito da ideia de que o parque fosse o símbolo maior da comemoração, o IV Centenário não pôde contar com o parque inaugurado, pois as obras atrasaram e ele acabou sendo inaugurado oficialmente no mês de agosto.
Isto não tirou o brilho da inauguração, que contou com 640 estandes de 13 estados brasileiros e dezenove países. No mesmo ano foi erguido no parque o Pavilhão Japonês.
A edificação, inspirada no Palácio de Katsura, foi construída no Japão e trazida de navio para o Brasil, e celebra a amizade entre as duas culturas.
Os eventos comemorativos
Os eventos comemorativos do IV Centenário foram organizados pelo Governo do Estado de São Paulo e pela Associação das Emissoras de São Paulo (AESP), o que garantiu muita publicidade ao evento e uma participação em massa da população.
As comemorações tiveram sua abertura em frente a Catedral da Sé, no dia 9 de Julho de 1954. Padres e bispos tocaram os sinos, alertando para o início da festa.
Orquestras tomaram conta das ruas e membros participantes da Revolução de 1932 se fizeram presentes.
Pela manhã, em frente ao Pátio do Colégio, políticos, militares e o povo se postaram para homenagear a bandeira e cantar o Hino Nacional. Terminado o momento solene, ocorreu na Praça da Sé uma missa, na qual foram homenageados os heróis da Revolução Constitucionalista.
Em seguida, civis e militares foram às ruas para desfilar em bandas, aplaudidas por cidadãos às janelas e sacadas de seus edifícios.
A chuva de prata
Outro elemento que marcou a celebração dos 400 anos de São Paulo foi a Chuva de Prata, em colaboração com a Força Aérea Brasileira, que sobrevoou a cidade diversas vezes despejando pequenos triângulos de papel laminado prateado. Esta “chuva” ficou no imaginário popular como uma das cenas mais bonitas de todo evento.
Ao fim do primeiro dia de festa, ocorreu uma corrida de revezamento de tocha com os maiores atletas do país, terminando com Adhemar Ferreira da Silva, primeiro bicampeão olímpico brasileiro, que percorreu o último trecho até a pira, localizada no Pátio do Colégio.
Após a corrida houve um desfile no qual oficiais do exército, civis e esportistas se juntaram para caminhar levando tochas em mãos.[1] A noite terminou com o presidente do Brasil, Getúlio Vargas saudando todos os presentes.
Segundo dia – O dia 10 de julho, um sábado, foi um dia voltado especialmente para as crianças, com atividades e brincadeiras, principalmente em frente à TV Tupi, apesar de São Paulo inteira estar ocupada por pequenos palcos.
No período da tarde, as maiores avenidas da cidade foram tomadas por um grande corso, uma festa à céu aberto que se assemelha aos carnavais antigos. Pessoas fantasiadas tomaram as ruas para cantar e dançar, novamente com os heróis de 1932 vestidos com suas fardas.
Durante a noite, uma grande orquestra se apresentou no Parque Dom Pedro, em uma concha acústica montada no local.
Terceiro Dia – Pela manhã, o Estádio do Pacaembu abriu suas portas para diversos números artísticos circenses, como palhaços, malabaristas e globos da morte, que divertiram a população. O local também foi palco de um jogo de futebol de palhaços, transformando o Estádio em um grande circo.
No período da tarde, um desfile de romeiros tomou conta da Avenida 9 de Julho e à noite, 200 mil pessoas desfrutaram dos fogos de artifício sendo disparados do Alto da Lapa. O ápice do encerramento das festividades foi a formação do desenho da Cachoeira de Paulo de Afonso com os fogos, seguida do desenrolar de duas grande faixas nas quais estavam as bandeiras da cidade e do estado de São Paulo.
O doce inspirado no VI Centenário
Que queime a primeira caloria na esteira quem nunca se fartou com o famoso doce de amendoim conhecido como Dadinho!
Pois o doce foi lançado pela empresa Dizioli, no ano de 1954, justamente como uma homenagem ao IV Centenário de São Paulo.
Seu nome original era IV Centenário e a embalagem prateada (coincidência, ou não, com a famosa chuva de prata), era uma novidade para a época e trazia a imagem do logo criado por Oscar Niemeyer para as comemorações do evento.
Mas, assim como aconteceu com a Rizkallah Jorge e Cia, que, por influência do apelo popular acabou sendo conhecida por “Casa da Boia”, o formato do doce logo gerou o apelido de Dadinho, que foi absorvido pelo fabricante logo depois.