O dia do trabalho
e um perfil do trabalhador da Casa da Boia no início do Séc XX
O Dia do Trabalhador, Dia do Trabalho ou Dia Internacional dos Trabalhadores, celebrado anualmente no dia 1 de maio em quase todos os países do mundo, tem suas origens no ano de 1886, com a greve iniciada na cidade norte-americana de Chicago com o objetivo de conquistar melhores condições de trabalho, principalmente a redução da jornada de trabalho diária (que chegava a 17 horas), para 8horas.
Houve confrontos com a polícia, prisões e mortes de trabalhadores. O movimento e sua repercussão serviram de inspiração para muitas outras manifestações que se seguiram naquele período. Estas lutas operárias culminaram em uma série de direitos, previstos em leis e sancionados por diversos países.
Atualmente o Dia do Trabalho tem o objetivo de propor uma reflexão sobre as relações entre aqueles que “vendem” o seu esforço, conhecimento, técnica e habilidades, o trabalhador, e aquele que “compra” estes atributos, o empregador.
Até hoje, 2023, não são poucos os casos de exploração de trabalhadores e a midia, a todo momento, ainda nos traz situações em que trabalhadores são resgatados em estado análogo à escravidão, mostrando que as pautas das greves de 1886, infelizmente, ainda não foram de todas atendidas, passados 137 anos.
Acervo da Casa da Boia permitiu analisar os trabalhadores da primeira metade do Séc. XX
A Casa da Boia possui um extenso acervo documental, além do acervo de objetos e de seu patrimônio arquitetônico.
Os historiadores Renata Geraissati e Diógenes Sousa são responsáveis por um trabalho de identificação, higienização, acondicionamento e catalogação deste acervo, que tem servido de base para estudos sobre a empresa e para editoriais que a Casa da Boia publica periodicamente.
Em 2019, o editorial intitulado “Por dentro da Casa: Análise das fichas de funcionários da Casa da Boia” trouxe à luz informações relevantes sobre as pessosas que passaram pela empresa entre 1910 e 1950.
A historiadora Renata Geraissati conta que “o surgimento desse documento, a ficha de registro, se deu em função dos movimentos operários de 1917, momento em que os centros industriais reforçaram a necessidade de criação de um registro unificado de todos os operários.
Assim, criaram uma “identificação científica” individualizadade cada pessoa. Um arquivo que continha informações minuciosas sobre sua vida privada, junto de uma fotografia identificada por um número.
Os funcionários, quando fossem se candidatar a uma vaga, deveriam levar sua própria ficha”.
Um “chão de fábrica” multicultural
Entre fins do século XIX e início do XX, a sociedade paulista passou por um processo de grandes transformações. O vultoso crescimento demográfico ocorrido na cidade de São Paulo neste período foi parte importante do processo de adensamento e expansão de sua área física.
Após passar de 65 mil pessoas em 1890 para 240 mil em 1900, os limites antes centrados entre os rios Anhangabaú e
Tamanduateí tiveram de ser transpostos.
Ao longo deste processo de urbanização, é manifesta a presença do estrangeiro, que exerceu um relevante papel na conformação territorial da cidade. A imigração foi um fenômeno que impactou a América como um todo, uma vez que, entre os anos de 1881 a 1915, cerca de 31 milhões de pessoas chegaram ao continente no período classificado como de “Grandes Migrações” (KLEIN, 2000. p. 23).
As diversas nacionalidades que compunham o quadro de funcionários entre os anos de 1910 e 1950, demonstram e sintetizam visualmente esse processo que foi parte constitutiva da história de São Paulo.
Podemos ver no cotidiano da fábrica o caldeirão de etnias e nacionalidades que compunham a cidade.
Não à toa, o maior número de funcionários estrangeiros era o de italianos (19), seguidos de espanhóis (11) e portugueses (9), situação bastante similar com o número absoluto de imigrantes que adentraram o país na virada do século XIX para o XX.
As imigrações internas também ocuparam um papel proeminente para o adensamento populacional, situação também possível de ser identificada nas fichas.
Predominantemente os trabalhadores se identificaram como brasileiros, cerca de 85% do total, ou 504 pessoas. Mas apenas 281 afirmaram ter nascido em São Paulo. Ou seja, quase a metade veio de outros estados buscando oportunidades de trabalho em uma cidade que se avolumava.
Deslocamentos dos funcionários reflete o crescimento da cidade
O processo de adensamento populacional engendrou uma irradiação da área urbanizada para além dos limites do primeiro núcleo de ocupação, formando novos bairros, e impondo a necessidade da realização de inúmeras transformações como a abertura de ruas e avenidas, associadas a obras de infraestrutura para abrigar a população da cidade.
Por meio das informações presentes nas fichas de funcionários, podemos compreender quais eram os locais em que essas pessoas residiam e como se dava sua distribuição espacial na cidade de São Paulo, bem como quais eram os possíveis percursos que realizavam para chegar ao seu local de trabalho.
A maior parte desse conjunto, perfazendo aproximadamente um quarto dos funcionários da Casa da Boia (24%), residia na Zona Norte. Bairros como Vila Maria, Santana, Vila Guilherme, Carandiru, às margens do rio Tietê, com uma certa proximidade da região central, apresentavam imóveis com valores acessíveis a diversas classes de trabalhadores, uma vez que a região varzeana, suscetível às cheias dos rios, estava ainda num incipiente processo de especulação imobiliária.
É possível depreender que, muitos dos funcionários dessa região, se valiam da linha do Tramway da Cantareira para se deslocarem até a Casa da Boia, desembarcando na Estação Tamanduateí, nas proximidades do Largo do Pari e do Mercado Municipal, concluindo o trecho final até a Rua Florêncio de Abreu a pé.
Da mesma maneira, alguns bairros da Zona Leste de São Paulo apresentavam a mesma tipologia urbana dos citados acima. Regiões com um caráter de uma ocupação majoritariamente feita por operários e suas famílias, nas proximidades de córregos e rios da cidade, com destaque para o rio Tamanduateí, e na porção lindeira às linhas férreas. Também foram atrativos por terem preços mais acessíveis, e, quiçá, a opção mais viável para estas famílias.
As pesquisas nas antigas fichas de trabalhadores da Casa da Boia apontam que aproximadamente 22% desses trabalhadores, residiam em ruas como Maria Carlota, Avenida Celso Garcia e Rua da Mooca.
A rua em que residiam o maior número de trabalhadores da Casa da Boia era a Rui Barbosa, localizada no bairro do Bexiga.
As linhas de bonde nos permitem compreender quais eram os deslocamentos que esses funcionários realizavam para chegar à Rua Florêncio de Abreu, então uma das vias mais importantes da cidade de São Paulo, que possuía uma linha de bonde desde fins do século XIX.
Na capital o bonde cumpre, assim, uma dupla função: primeira, a de transporte de mercadorias e de pessoas que transitavam do centro para os bairros que cresceram nos arrabaldes, e segundo, por sua importância simbólica
para a cidade, já que em conjunto com outros equipamentos urbanos, tornava possível a construção de um ideário de “modernidade”.
No mapa anterior, produzido pela historiadora Maíra Rosin, podemos ver o vetor vermelho das linhas de bonde existentes na cidade, os símbolos“+” são os locais de moradia dos funcionários da Casa da Boia contratados
no ano de 1934 (conforme dados levantados na descrição das fichas de funcionários), e a Casa da Boia, simbolizada com uma estrela.
Ao compararmos os locais de residência com os traçados das linhas de transportes, podemos inferir as distâncias percorridas por essas pessoas para chegar em seu local de trabalho.
Aos nossos trabalhadores, nosso obrigado!
Entre 1950, final do período estudado pelos historiadores Renata Geraissati e Diogenes Sousa e 2023, muita gente passou pela Casa da Boia. Cada qual contribuindo à sua maneira para o crescimento da empresa. Hoje são aproximadamente 30 pessoas que diariamente se esforçam para que nossos clientes sejam sempre, à medida do possível, bem atendidos.
À proximidade do Dia do Trbalho, nosso muito obrigado a todos os que integram a nossa equipe.
Fonte: Por dentro da Casa: Análise das fichas de funcionários da Casa da Boia. Renata Geraissati e Diógenes Sousa