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O legado dos imigrantes

na saúde de São Paulo

Há 120 anos, em 14 de agosto de 1904, a Società Italiana di Beneficenza in San Paolo, inaugurava o Ospedale Umberto I, em um terreno próximo à Avenida Paulista. Fruto dos esforços dos imigrantes italianos que chegaram a São Paulo em meados do Século XIX, que criaram a “società” em 1878, para prestar assistência à saúde para a totalidade de imigrantes italianos e seus descendentes no Brasil. Assim como os italianos, outras colônias de imigrantes tiveram atuação semelhante, deixando para São Paulo o legado de instituições que são referências nacionais.

Tempo de leitura: aproximadamente 12 minutos

        A história é conhecida por todos. Após a abolição da escravatura, em 1888, o Brasil, país essencialmente agrícola, passou a incentivar a imigração de cidadãos europeus. Não que a imigração não tenha acontecido antes, mas o fluxo migratório se intensifica a partir de então.

Em São Paulo, principalmente as lavouras de café do interior e, posteriormente, o vertiginoso crescimento das indústrias no início do Século XX foram fatores econômicos que atraíram cidadãos portugueses, italianos, alemães, sírios, libaneses e japoneses, entre outras nações.

Ao chegarem ao Brasil, esses grupos, naturalmente, traziam a sua identidade cultural que se manifestava nas mais diversas formas, desde o vestir, passando pela arte, música, religiosidade, gastronomia, enfim, distantes milhares de quilômetros de sua terra natal, tudo que os unia, fortalecia seus laços em uma terra estrangeira.

Não é de se estranhar que logo esses grupos se organizassem em “sociedades”, agremiações, clubes, associações. Não demoraram a surgir as chamadas sociedades de ajuda mútua, visando a saúde dos imigrantes. Neste momento começam a surgir na capital paulista entidades assistenciais auto financiadas pelos membros das nacionalidades.

Beneficência Portuguesa uma das pioneiras

A Real e Benemérita Associação Portuguesa de Beneficência foi criada em 2 de outubro de 1859 por iniciativa dos comerciantes portugueses Luís Semeão Ferreira Viana e Joaquim Rodrigues Salazar, aos quais se juntou, ainda, Miguel Gonçalves dos Reis.

Originalmente, a instituição destinava-se à ajuda mútua entre os sócios, membros da comunidade portuguesa de São Paulo. 

Os estatutos de 1859 especificavam que “Os Portugueses reunidos como membros d’esta Associação têm por objecto contribuir com os meios pecuniários, e zelo munificiente para minorar os males que sobrevierem a qualquer dos associados.”

Era uma sociedade de ajuda mútua.

Em 1864 os associados, que já eram já 290 pessoas, começaram os preparativos para a construção de uma sede própria. Finalmente, em 1873, foi lançada a primeira pedra do Hospital São Joaquim, erguido na rua Alegre (hoje Brigadeiro Tobias). 

A inauguração foi realizada em 1876 e durante sessenta anos esse funcionou ali o único edifício do hospital Beneficência Portuguesa.

Na década de 1950, já sob a presidência do imigrante português José Ermírio de Moraes, foi construído na rua Maestro Cardim o primeiro edifício do novo complexo do Hospital São Joaquim, inaugurado a 16 de junho de 1957.

Entre 1971 e 2008 a Beneficência foi presidida por Antônio Ermírio de Moraes, filho de José e atualmente por Rubens Ermírio de Moraes.

O complexo hospitalar da Beneficência Portuguesa, assim como os demais sobre os quais falaremos, extrapolou os limites da colônia de imigrantes e atualmente possui um total de 1.080 leitos, 233 destinados a UTI, 52 salas de cirurgia, setores de diagnóstico e ambulatório. Por ano o complexo realiza mais de 35 mil cirurgias e mais de 4 milhões de exames, sendo considerado um dos mais importantes centros de oncologia e transplantes do país.

Os germânicos e o Hospital Alemão Oswaldo Cruz

A colônia paulistana dos alemães foi também uma das pioneiras na criação de uma sociedade de ajuda mútua, ainda no Século XIX e muito devido ao empresário Anton Zerrener, que junto com com Adam Ditrik von Bülow fundaram a Zerrenner, Bülow & Cia. A empresa que trabalhava com importação e exportação de café, expandiu os negócios e originou a Cervejaria Antarctica Paulista.

Em 26 de setembro de 1897 Zerrener capitaneou a fundação da “Associação Hospital Alemão”.

No ano de 1905 a associação compra um terreno de 23.500 m2 no bairro do Paraíso, onde hoje se encontra todo o complexo do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, assim batizado em homenagem ao famoso médico sanitarista brasileiro em 1942.

Apesar do terreno ter sido adquirido em 1905, as obras do hospital só começaram em 1922 e suas atividades se iniciaram no final da década de 1920.

Inicialmente contava com um corpo técnico (médicos, médicas e enfermeiras vindos da Alemanha.

O hospital foi o primeiro a aplicar a radioterapia em São Paulo.

Atualmente o complexo do Hospital Alemão Oswaldo Cruz realiza anualmente mais de 21.000 cirurgias, atende mais de 150.000 exames diagnósticos, além de manter centros de formação profissional e um instituto social.

Dos esforços da comunidade judaica surge o Albert Einstein

Em uma reunião de amigos, em 1955, o médico Manoel Tabacow Hidal apresentou sua ideia de construir na capital paulista um hospital. O sonho de um membro virou o compromisso da comunidade judaica de oferecer à população uma referência na qualidade da prática médica.

A pedra fundamental foi lançada em 1958, no bairro do Morumbi. Nos anos 60, foram sendo entregues alguns departamentos, mas o Hospital Israelita Albert Einstein foi inaugurado mesmo em 1971.

Assim como as outras instituições, o Einstein por meio de parcerias público-privadas ajuda a suprir demandas de saúde de comunidades menos favorecidas.

Ainda na década de 60, criou a Pediatria Assistencial que atendia gratuitamente crianças da região do Morumbi. Em 1997, foi criado o Programa Einstein na Comunidade de Paraisópolis para dar assistência a 10 mil crianças de uma das maiores comunidades carentes de São Paulo e atualmente o Einstein administra 23 unidades públicas de saúde.

A comunidade japonesa e o hospital Japonês Santa Cruz

A imigração japonesa para o Brasil foi uma das mais tardias. Começa em 1908, quando 165 famílias chegam no famoso navio Kasato Maru ao porto de Santos.

No ano de 1926 é fundada a Sociedade de Beneficência Japonesa Dojinkai, com foco no atendimento médico em japonês, conciliando a medicina moderna com a cultura milenar do Japão.

Vale lembrar que, para muitos imigrantes, ainda mais os asiáticos, a barreira da língua é bastante significativa para a sua plena integração social e nesse sentido, a necessidade de um local onde pudessem ser atendidos em sua língua natal.

A comunidade árabe, o Sírio Libanês e sua relação com a Casa da Boia

A história dos hospitais anteriormente mencionados, cada qual ligado aos seus grupos de imigrantes tem muita similaridade entre si, à medida que, inicialmente visavam a proteção da saúde e ajuda mútua de seus grupos étnicos.

Não foi diferente com os imigrantes árabes. Mas, particularmente, a história do Hospital Sírio Libanês se encontra de forma especial e duradoura com a história das famílias Rizkallah e Assad Abdallah.

Na manhã de 28 de novembro de 1921, uma das mais influentes damas da sociedade paulistana, Adma Jafet, recebeu um grupo de amigas em sua casa no Paraíso e naquela reunião, manifestou às amigas o desejo de capitanear a construção de um hospital para a comunidade síria e libanesa da capital.

A ideia foi aceita de imediato e três dias depois, em 1º de dezembro de 1921, o grupo de 27 mulheres da colônia sírio-libanesa fundava a Sociedade Beneficente de Senhoras, entidade jurídica responsável por gerir as doações para a construção do hospital.

Dentre as signatárias, Curgie Assad Abdalla. Curgie era bisavó de Adriana Hannud Rizkallah, nossa diretora Cultural.

Apesar do empenho das senhoras sírias e libanesas, que conseguiram levantar a quantidade de 430 mil réis em apenas 15 dias, levou ainda quase 10 anos para que as obras do hospital fossem iniciadas no terreno que havia sido adquirido no bairro da Bela Vista e mais dez anos para a conclusão da obra e instalações de mobiliário e equipamentos.

Finalmente, em 1941 o Hospital Sírio Libanês estava prestes a ser inaugurado. Mas, a II Grande Guerra explodiu na Europa e o governo do Estado de São Paulo, o governo do Estado, por meio de decreto do interventor federal Ademar de Barros, desapropriou o edifício do hospital para a instalação de uma Escola Preparatória de Cadetes.

O edifício foi “devolvido” à Sociedade de Senhoras em 1943, mas com a condição de aguardar a conclusão da nova Escola de Cadetes que estava sendo construída em Campinas e o prédio só foi efetivamente entregue em 14 de março de 1959 e o hospital só viria começar a funcionar no ano de 1961.

As famílias Rizkallah e Abdallah e sua relação com o hospital

A começar por nosso fundador, Rizkallah Jorge Tahan e sua esposa Zékie Rizkallah, que se envolveram diretamente na captação de valores para a construção do Hospital Sírio Libanês, inclusive com Rizkallah Jorge fazendo parte da comissão de obras e tendo sido um dos grandes doadores, vários membros das famílias Rizkallah e Assad Abdalla integraram, ainda integram e mesmo presidiram a Sociedade de Senhoras, ao longo dos anos.

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