Os 100 anos do
Edifício Sampaio Moreira
A pequena cidade de São Paulo, até meados do Séc. XIX, na virada para o Séc. XX passava por uma enorme transformação urbana. As casas e os cortiços da região central, cada vez mais valorizada, davam lugar a novas edificações. As técnicas construtivas, a tecnologia dos materiais e o avanço no conhecimento técnico fazia com que novas e então “gigantes” construções começassem a mudar a paisagem urbana com edifícios cada vez mais altos.
O edifício Guinle, na Rua Direita, construído em 1913, foi o primeiro em concreto armado na capital. Com sete andares em uma época em que o padrão era, não mais do que quatro, e atingindo 36 metros de altura e, a rigor, pode ser considerado o primeiro “arranha-céu” da cidade. Mas, por essas coisas que ninguém sabe ao certo, o “título” acabou sendo dado a uma edificação que completa 100 anos em 2024: o Edifício Sampaio Moreira, que fica a poucos metros da Casa da Boia.
A edificação foi encomendada pelo comerciante José de Sampaio Moreira ao arquiteto Cristiano Stockler das Neves, responsável pelo projeto. Conta-se, aliás, que na verdade, Moreira fora convencido por Neves a construir o prédio.
Seja como for, o projeto final ficou a cargo de Christiano e Samuel das Neves, que iniciaram a construção do edifício em 1920, entregando o edifício em 1924.
A edificação tem estilo eclético, assim como a Casa da Boia. Faz referência ao Art Noveau e ao Neoclássico, com detalhes construtivos muito detalhados e rebuscados, como portas de ferro com detalhes florais, escadarias de mármore e rica ornamentação na fachada.
O Sampaio Moreira foi construído com concreto armado, estrutura que utiliza armações feitas com barras de aço. Possui 5.360 m² de área construída e um terreno de 596 m².
Sua estrutura é rica em detalhes e a fachada vai se modificando nos diferentes andares.
Assim como a Casa da Boia, o pavimento térreo e os dois primeiros andares tem a estrutura externa revestidas por pedras. Estes pavimentos tem uma estrutura externa bastante distinta dos demais.
Até o sétimo andar, apresenta grandes janelas centrais e laterais até que, em seu oitavo pavimento, tem uma enorme sacada que marca a mudança da fachada para os andares superiores.
Finalmente na cobertura apresenta um terraço com estrutura vazada sustentada por colunas e uma abóbada central, igualmente vazada.
Em sua configuração inicial, cada andar comportava 15 salas comerciais, de 15 m quadrados, que poderiam ser unidas por uma porta, trazendo modularidade ao projeto.
Foi construído com o objetivo de ser um edifício para locações comerciais, principalmente a profissionais liberais. O próprio Christiano das Neves instalou seu escritório em todas as salas do quinto andar.
Samuel e Christiano Stockler das Neves
Samuel Augusto das Neves foi um profissional com atuação destacada e profícua por mais de 50 anos em diversos estados do Brasil, especialmente em São Paulo e no Rio de Janeiro.
Nascido na Bahia, em 1863, e engenheiro agrônomo de formação, executou obras de infraestrutura urbana, construções particulares e públicas, com especial destaque para o projeto vencedor do concurso da Penitenciária do estado de São Paulo (1910) e o plano Melhoramentos de São Paulo (década de 1910).
O escritório de Samuel das Neves era comprador de insumos da Casa da Boia para as obras que realizava. Vários registros dos livros-caixa da Casa da Boia dão conta de transações comerciais entre as empresas.
Nos arquivos da FAU-USP (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo) acha-se um exemplo disso. Uma nota fiscal em que Neves comprou uma torneira de boia, ralos de cobre e canos de chumbo.
Christiano Stockler da Neves foi filho de Samuel. Nasceu na cidade de Casa Branca, SP, em 1889. Formou-se em arquitetura nos Estados Unidos em 1911 e, voltando ao Brasil, passou a integrar o corpo de profissionais do escritório de seu pai.
Christiano se notabilizou pela grande quantidade de projetos desenvolvidos para edifícios comerciais e de escritórios que empregam uma técnica que é, anos depois, muito cara aos arquitetos modernos paulistas: o concreto armado.
O edifício Sampaio Moreira, inclusive, teve sua aprovação dificultada pelo então diretor de obras municipais, o engenheiro Victor da Silva Freire, temeroso de que esse arranha-céu de inspiração norte-americana desvirtuasse o perfil europeu que a cidade adquire no fim do século XIX.
Um patrimônio paulistano no Sampaio Moreira
Não bastasse o edifício Sampaio Moreira em si, com suas belas linhas construtivas, marcar a história da arquitetura paulistana há exatos 100 anos, o prédio abriga, em seu pavimento térreo, outro patrimônio Imaterial da cidade.
Quando o edifício estava em fase final de construção, um imigrante português chamado José Maria Godinho foi se informar sobre as condições para transferir a sua mercearia, fundada em 1888, na Praça da Sé, para o novo arranha-céu da cidade.
Chegou a um acordo com a família Sampaio Moreira, e instalou no edifício a “Casa Godinho”, no momento em que o prédio foi inaugurado. Desde 1924, a Casa Godinho ocupa o térreo do Edifício Sampaio Moreira.
A mercearia foi a primeira da capital a se tornar referência de produtos de qualidade. Assis Chateaubriand, Adhemar de Barros e Jânio Quadros, José Ermírio de Moraes, entre tantos outros, abasteciam suas casas com os produtos da Mercearia Godinho.
A Casa Godinho foi declarada patrimônio cultural imaterial da cidade de São Paulo p Conpresp em 24 de janeiro de 2013 e até hoje os frequentadores do centro podem encontrar no local uma variedade de produtos, como vinhos, queijos, cereais, frutas secas, enlatados e temperos, além de uma variedade de doces, salgados e pães produzidos diariamente.
Vale lembrar que a Casa da Boia também recebeu o selo de Patrimônio Cultural Imaterial da Cidade de São Paulo, no ano de 2016.
Então, fica um convite a quem realiza a visita monitorada na Casa da Boia, para conhecer mais este pedaço da história de São Paulo, localizado a 5 minutos de caminhada pelo centro da cidade.