Programas da TV Cultura
que marcaram época
Em nossa última postagem contamos a história do nascimento da TV Cultura, um verdadeiro patrimônio imaterial de São Paulo, abordando sua relação com a cidade, desde os momentos iniciais, na rua 7 de abril, até suas instalações no bairro da Água Branca. Mas, nada marca tanto a memória das pessoas quanto os programas que marcaram época nesses 55 anos da TV Cultura.
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12 de outubro de 1972, 10h45. Neste dia e horário estreou no Brasil, na tela da TV Cultura, com transmissão simultânea pela Rede Globo, um programa infantil, inspirado em um original norte americano. Em sua versão brasileira, uma vila cenográfica, criada José Armando Ferrara, completamente inspirada nas vilas existentes no bairro do Bixiga, era palco das histórias vividas por Armando Bogus, Aracy Balabanian, Sonia Braga, Flávio Galvão e Laerte Morrone, que interpretava um misto de pato e marreco gigantesco e bem amalucado chamado Garibaldo.
A Vila Sésamo foi o primeiro grande sucesso da recente TV Cultura, foi um marco para as crianças da década de 70, inaugurando a tradição de programas televisivos memoráveis, alguns dos quais duraram décadas e que muita relação tiveram e ainda tem com a cidade de São Paulo.
Seja a partir dos estúdios da emissora na Água Branca, de locais como o SESC Pompeia, o SESC Interlagos, o Teatro Franco Zampari, o teatro Fiesp ou a Sala São Paulo, a TV Cultura produziu centenas de programas fiéis aos princípios da Fundação Padre Anchieta, mantenedora da emissora: promover a educação e a cultura.
A gente não tem a pretensão de “escolher” qual, ou quais os melhores, apenas revisitar algumas desta produções que marcaram a cultura brasileira a partir de programas inesquecíveis.
Vox Populi
Foi ao ar a partir da segunda metade dos anos 70. Tinha um formato inovador para a época. A equipe do programa saía às ruas colhendo perguntas de pessoas comuns direcionadas ao entrevistado da semana.
Passaram pelo programa personalidades da política, ciência e cultura. Durou até a segunda metade dos anos 80 e por ele passaram artistas como Caetano Veloso, Chico Buarque e Henfil, e esportistas como Pelé.
Neste programa foi transmitida pela primeira vez na televisão uma entrevista com um então jovem líder sindical chamado Luiz Inácio “Lula” da Silva.
Telecurso 2º Grau
O Telecurso 2º Grau foi criado em 1977 em parceria entre a Fundação Padre Anchieta e a Fundação Roberto Marinho e os programas produzidos na Cultura eram transmitidos também pela Globo, assim como foi o Víla Sésamo.
O programa foi criado como forma de suprir uma enorme lacuna na grade escolar da população brasileira, que tinha enormes índices de evasão escolar. Boa parte da população adulta completara apenas o chamado 1º grau (hoje ensino fundamental) e o Telecurso se propunha a ampliar a grade curricular do 2º Grau (ensino médio). Graças ao programa milhares de pessoas puderam complementar os seus estudos.
Teatro 2
Em mais uma experimentação da TV Cultura, o programa Teatro 2 foi produzido e exibido de 1974 e 1979, com incursões posteriores em 1985, e com reprises esporádicas durante toda a década de 1990 e 2000.
Foram 122 programas que se propuseram a trazer para a linguagem da TV adaptações de textos literários e peças teatrais de grandes autores, como Machado de Assis, Agatha Cristie, Federico Garia Lorca, Nelson Rodrigues, entre outros.
As adaptações eram assinadas por grandes nomes como Antonio Abujamra, Antunes Filho, George Walter Durst.
A turma do Lambe Lambe
A Turma do Lambe Lambe esteve no ar durante 10 anos, sempre apresentada por Daniel Azulay, que mostrou o mundo do desenho e da arte para milhares de crianças em todo o Brasil. Nesse programa, os personagens eram interpretados por atores.
Os personagens consistiam em um grupo de animais falantes com crianças humanas circenses.
O teatro Franco Zampari impulsiona os programas de auditório
Até a década de 1980 os programas da TV Cultura eram produzidos, basicamente, nos estúdios da Água Branca. Mas, a partir da década de 80 a Cultura passa a utilizar diversos espaços da cidade para produzir programas de auditório:
Festa Baile
Em vez de fazer o público sair de casa para dançar, o programa “Festa Baile” trazia as reuniões dançantes para dentro da casa dos telespectadores, nas noites de sábado.
Comandado pelo cantor Francisco Petrônio e pela apresentadora Branca Ribeiro, a atração estreou no dia 7 de março de 1981.
No início, o baile ao vivo era gravado no clube Piratininga, em São Paulo. Com o tempo, localização e apresentadores foram trocados. Entraram Agnaldo Rayol e Cláudia Matarazzo, e as gravações passaram a ser feitas no clube de regatas Tietê.
Para animar a festa, o programa contava com o auxílio da orquestra da Saudade e os participantes, muitos vindos de clubes da terceira idade, dançavam à moda antiga, de rosto colado.
Todas as noites de sábado, um convidado envergava um smoking ou um longo para abrilhantar o baile. Entre eles, os cantores Nelson Gonçalves, Elizeth Cardoso, Antônio Marcos, Emilinha Borba e Ângela Maria.
É Proibido Colar
Foi o primeiro a utilizar as instalações do recém comprado Teatro Franco Zampari estrategicamente localizado ao lado da estação Tiradentes do Metrô, o que facilitava em muito o acesso do público.
Apresentado por Antônio Fagundes e Clarice Abujamra, o programa foi a primeira gincana escolar da TV. A cada edição alunos de duas escolas públicas disputavam provas com perguntas sobre todas as áreas do conhecimento da grade curricular.
A escola vencedora ganhava prêmios, como os microcomputadores, uma novidade tecnológica para a época.
O programa que ia ao ar nas tardes de sábado e atingia picos de 16 pontos de audiência, um número comparável aos mais assistidos programas das emissoras comerciais.
“Colado” no programa, nas tardes de sábado, era transmitido “A Fábrica do Som”, gravado no SESC Pompéia.
O programa foi ao ar entre 1983 e 1984 e mais uma vez mostrou a ousadia da TV cultura em um formato pioneiro:
Com a simplicidade de palco junto à plateia, a inovação maior foi a participação ativa desta, onde o público subia ao palco e cantava com as bandas que se apresentavam.
O programa privilegiava cantores e bandas então consideradas alternativas e que mais tarde viriam a se tornar conhecidos.
Se apresentavam ali pela primeira vez nomes de vanguarda como Arrigo Barnabé e Vânia Bastos, Sossega Leão, Premeditando o Breque, Titãs, Ira! e Ultraje a Rigor. Grupos experimentais de teatro, como Asdrubal Trouxe o Trombone, e performances de poetas como Wally Salomão e Paulo Leminski, encontravam no Fábrica do Som um espaço para levar ao público sua arte.
Viola Minha Viola
Também gravado no Teatro Franco Zampari o programa durou de 1980 a 2015, quando faleceu sua mais famosa apresentadora, a musicista, atriz, pesquisadora e folclorista Inezita Barroso.
Durante anos a chamada música sertaneja “raiz” encontrou no programa uma plataforma para valorizar antigos artistas do gênero e novos talentos.
Sr. Brasil
Falando em música “raiz”, outro programa icônico que, embora não tenha começado na TV Cultura (começou na Globo) deu voz a todos os ritmos regionais do Brasil foi o Sr. Brasil, que estreou na grade da emissora em 2013, comandado pelo ator, compositor, músico e pesquisador Rolando Boldrin.
O Sr. Brasil, gravado inicialmente no Teatro Franco Zampari e depois no SESC Pompeia, era um projeto da década de 1980, idealizado por Boldrin, que, diferentemente do Viola Minha Viola, focado na “música de viola” trazia vertentes da música das cinco regiões do Brasil.
Durou até a morte de seu idealizador, no ano de 2022.
Outra parceria duradoura com o SESC foi o programa Bem Brasil, um programa de música brasileira transmitido ao vivo nas manhãs de domingo, que levava uma enorme plateia a espaços abertos da cidade.
Começou na USP, em 1991 e a partir de 1955 foi apresentado diretamente do SESC Interlagos. Por ele passaram todos os grandes artistas da MPB de então. Durou de 1991 a 2008.
Os infantis
Além do Vila Sésamo e a Turma do Lambe Lambe, já mencionados, muitos adultos de hoje se lembram de forma saudosa de outros programas infantis da TV Cultura que marcaram época:
Bambalalão
Exibido pela TV Cultura entre 1980 e 1990, o programa era apresentado por Gigi Anhelli e Silvana Teixeira.
Era ambientado num cenário similar a um circo e contava com a participação de alunos da pré-escola e do ensino fundamental de escolas previamente inscritas. As crianças entre cinco e 10 anos eram alocadas em duas equipes que se enfrentavam em jogos educativos.
Além das competições, o programa também tinha quadros envolvendo teatros de fantoches, brincadeiras, narração e encenação de contos infantis que encerravam com o bordão: “Esta história entrou por uma porta e saiu pela outra. Quem souber, que conte outra”.
Rá-Tim-Bum
O infantil Rá-Tim-Bum durou de 1990 a 1994, pouco, até perto de outros programas da TV Cultura, mas, marcou uma geração inteira com quadros e personagens icônicos.
Quem, com seus 35 anos não vai se lembrar do Professor Tibúrcio? Um professor aloprado vivido pelo multiartista Marcelo Tas? Ou dos quadros “Senta que lá Vem História” ou “Enigma da Esfinge” ou ainda do ratinho simpático que ensinava noções de higiene pessoal?
O sucesso do Rá-Tim-Bum foi tanto que inspirou a TV Cultura a criar um sucessor que seria, ainda mais icônico na história da empresa:
Castelo Rá-Tim-Bum
O universo lúdico do programa anterior agora se transportava para um castelo de um mago, o Dr. Vitor, que mora com a bruxa Morgana e com seu sobrinho Nino, que por sua vez recebe diariamente a visita dos amigos Biba, Pedro e Zequinha.
Nino recebe a visita dos três diariamente, além das visitas especiais, como as do entregador de pizza Bongô; da charmosa repórter de TV, Penélope; da lenda folclórica Caipora; e de um ET, o Etevaldo.
Para perturbar a vida no castelo, o Dr. Abobrinha deseja derrubar o Castelo e construir em seu lugar um prédio de cem andares.
O Castelo Rá-Tim-Bum é um dos maiores sucessos até mesmo comerciais da TV Cultura, tendo durado de 1994 a 1997.
E por fim, o Roda Viva
De todos os programas aqui citados (e sim, vários ficaram de fora, como o Cata Vento, o Provocações, o Repórter Eco, o Matéria de Capa, o Prelúdio, o Metropolis…), provavelmente o mais respeitado e talvez o mais influente programa de entrevistas da TV Brasileira é o programa como qual encerraremos esta viagem pelo universo de produção da TV Cultura.
O Roda Viva foi ao ar pela primeira vez em 29 de setembro de 1986. Próximo de completar seus 40 anos de existência, o programa é um verdadeiro termômetro da sociedade brasileira, seja pelos temas e entrevistados de cada edição, seja pela repercussão de cada entrevista.
São incontáveis os nomes de personalidades da política, das artes, das ciências, do esporte, dos negócios que o programa já trouxe para debater com os entrevistadores, sempre na forma de arena, tão característico, desde sua primeira edição.
Este pequeno giro por uma programação gigantesca, termina por aqui, sabendo que deixamos muitos programas icônicos de lado, mas com o orgulho de saber que São Paulo e o Brasil, tem a capacidade de manter uma emissora pública cuja qualidade de programação pode ser comparada a qualquer TV do mundo.