![capa-blog capa-blog](https://casadaboia.com.br/storage/2022/12/capa-blog.jpg)
São Paulo
Cidade sobre rios
Tão cíclico quanto o regime de chuvas que acompanha as mudanças das estações do ano são as enchentes em ruas e avenidas da cidade de São Paulo. Cíclicas e previsíveis. Mesmo assim, todos os anos, se repetem, causando prejuízos, destruição, eventualmente mortes e doenças.
Quantas vezes, caminhando pelas ruas da cidade, passamos ao lado de bueiros, ouvimos o barulho de água corrente, pensamos em enxurradas, “água escorrendo”, “vazamento”, “galeria pluvial” e tantos outros nomes comuns e não nos damos conta de que ali pode, e a probabilidade é mesmo muito grande, desta água ser um rio, correndo, abaixo de nossos pés, soterrado por camadas de asfalto.
Pense em uma das grandes avenidas de São Paulo.
![](https://casadaboia.com.br/storage/2023/02/vale_do_saracura_1910_vicenzo_pastore.jpg)
Avenida 23 de maio? Lá tem rio embaixo, o Anhangabaú. Avenida 9 de Julho? Embaixo corre o Rio Saracura. Avenida Pacaembu? Corre o rio de mesmo nome. Avenida dos Bandeirantes? Parte dela está em cima do Córrego da Traição. Eliseu de Almeida? Tem o Rio Pirajussara por baixo. Embaixo da Avenida Salim Farah Maluf corre o rio Tatuapé.
Nem precisa citar os três maiores rios da capital, Pinheiros, Tietê e o Tamanduateí.
![](https://casadaboia.com.br/storage/2023/02/corregor_saracura_sendo_refiticado_1937.jpg)
É difícil mesmo crer, olhando para a cidade de São Paulo, que a maior metrópole do Brasil está construída sobre mais de 300 rios, córregos e cursos d’água que neste momento, enquanto você lê este texto, estão passando por debaixo de milhares de construções e milhões de paulistanos. Alguns, por incrível que possa parecer, nascem nas regiões mais urbanizadas da cidade.
É o caso do Rio Saracura. Quer conhecer sua nascente? Vá de Metrô. Desça na Paulista e caminhe poucos metros, nas proximidades do MASP lá estão as nascentes deste afluente do Anhangabaú.
O Córrego do Sapateiro, afluente do Pinheiros, nasce na Vila Mariana, próximo à avenida Sena Madureira. Há a nascente do Riacho da Aclimação, no bairro do mesmo nome, do Riacho Itapeva, próximo à Arena Corinthians, e do famoso Riacho do Ipiranga, na zona sul, próximo ao Zoológico e ao Jardim Botânico.
Em comum aos que em São Paulo nascem ou passam pela cidade, o descaso. A sujeira. A poluição e o abandono por parte do poder público e da população. Uma relação de ódio com as águas, que aflora toda vez que os sufocados cursos d’água “insistem” em sair do local para onde o poder público paulistano imaginou que “incomodariam” menos.
Processo de retificação e canalização
![](https://casadaboia.com.br/storage/2023/02/rio_pinheiros_curso_original_autor_desconhecido.jpg)
Autor da tese de doutorado Viver e Morrer em São Paulo, defendida na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), o historiador Luís Soares de Camargo lembra que a própria escolha do local para a criação da vila que originou a cidade baseou-se na proximidade de dois cursos d’água: o Anhangabaú e o Tamanduateí. “Serviam para a pesca e para levar embora o esgoto e o lixo produzido”, relata.
E foi esse segundo uso o causador da repugnância. “Tais rios, que eram tão importantes, passaram a ser fator de medo e apreensão por conta dos perigos que passaram a representar”, afirma. “Assolada por epidemias, a população entendia que áreas pantanosas ou as várzeas úmidas dos rios eram um criadouro de doenças.”
Teorias médicas vigentes acreditavam que o mau cheiro, ao entrar no corpo via respiração, causava doenças. “Assim, áreas úmidas eram consideradas insalubres. E as regiões secas, por sua vez, eram as mais saudáveis”, explica Camargo.
![](https://casadaboia.com.br/storage/2023/02/rio_pinheiros_retificado_autor_desconhecido.jpg)
“Não por outro motivo a elite sempre escolhia os altos para sua residência. No caso de São Paulo, Higienópolis – a cidade da higiene – se contrapunha ao insalubre Brás, na várzea do Tamanduateí”, diz. O historiador aponta que foi essa “caça aos miasmas” o motivador das políticas de secagem das áreas pantanosas.
Foi por isso que, ainda em 1850, o Anhangabaú tornou-se o primeiro rio canalizado de São Paulo. “No outro lado da cidade, a várzea do Tamanduateí era outro local a ser ‘domado’. As primeiras experiências ocorreram a partir de 1870, quando vários canais foram abertos para dar vazão às suas águas”, relata Camargo.
“No início do século 20, o grande projeto de canalização do Tamanduateí estava sendo completado – e a área ‘saneada’ foi transformada em um grande parque, o Dom Pedro 2º. O Tamanduateí, é claro, foi retificado e canalizado.” (fonte)
Os três principais rios da capital são exemplos da desastrosa política de retificação.
O projeto original de retificação do Rio Tietê previa uma extensa área envoltória desocupada, uma área verde nas margens para que, em momentos de enchente, essas áreas contivessem o excesso de água. Mas, o que se viu, na realidade, foi a construção de avenidas marginais asfaltadas, que impedem essa expansão natural das águas. O processo se repetiu no Pinheiros e nos demais rios.
Os rios determinaram o local de fundação de São Paulo
![](https://casadaboia.com.br/storage/2023/02/tmanduatei_em_curso_normal.jpg)
São Paulo nasceu às margens da confluência dos Rios Anhangabaú e Tamanduateí, este último teve grande importância econômica quando navegável, sendo via de transporte para mercadorias, local de pesca e ponto de encontro de lavadeiras.
![](https://casadaboia.com.br/storage/2023/02/tamanduatei_retificado.jpg)
Até o início do século XX, foi um via de transporte fluvial, atendendo o Mercado Grande (ou Mercado Velho) e o Mercado dos Caipiras que existiam na antiga Rua de Baixo, atual rua 25 de Março, quando barcos transportavam mercadorias e escravos até o Porto Geral.
Frequentemente alagado por estar na área da várzea do Tamanduateí, o local ficou conhecido também como “beco das sete voltas” e ficava onde hoje situa-se a Ladeira Porto Geral, próximo à Casa da Boia.
A relação da Casa da Boia com as águas paulistanas
Ao mesmo tempo em que a cidade de São Paulo crescia vertiginosamente, e, muito razão deste crescimento, a Casa da Boia, que começou com o artesão Rizkallah Jorge produzindo peças de decoração em cobre, foi se tornando cada vez mais uma fornecedora de material hidráulico para a capital paulista.
Canos, tubos, conexões, torneiras, uma variedade de materiais hidráulicos e a boia de caixa d’água, que tornou a empresa famosa passou a ser fornecida tanto para as pessoas, quanto para o poder público.
![](https://casadaboia.com.br/storage/2023/02/catalogo-especial-219.jpg)
Nos livros-caixa da empresa, há diversos registros de venda para a Cia de Águas e Esgotos, de materiais hidráulicos para as tubulações da cidade.
A visão desenvolvimentista da administração pública, necessária para acomodar o crescimento da cidade, mostrou, anos depois, que a decisão de retificar e canalizar os seus rios viria a ser um problema para o futuro da metrópole. Por outro lado, naquele início do Séc. XX, as determinações e exigências para o saneamento básico, exigindo que as edificações contassem com ligações de esgoto e água, contribuiu para a erradicação de doenças e o aumento da qualidade de vida da população e foi um dos fatores responsáveis por este mesmo crescimento.
Neste paradoxo, crescia a metrópole e com ela também, a participação da Casa da Boia nesse processo histórico.