São Paulo e o pioneirismo
da indústria automobilística
Era outubro de 1908. Um empreendedor norte americano, chamado Henry Ford, apresentava ao mercado um automóvel, batizado por ele de “Ford T” e que viria a revolucionar a incipiente indústria de fabricação de automóveis. Não exatamente, pelo veículo em si, mas, sim pela forma com que passou a ser produzido, no conceito de “linha de produção”, que barateou os custos e popularizou o automóvel no mercado norte americano.
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Demoraria ainda cerca de 10 anos para que o Brasil ganhasse a sua primeira fábrica de automóveis. Em 24 de abril de 1919, a diretoria da Ford Motor Company aprovou a criação da filial brasileira da companhia, que seria instalada na cidade de São Paulo e em uma rua muito conhecida da gente.
Sim, a primeira unidade da Ford no Brasil foi instalada na rua Florêncio de Abreu, aqui pertinho da Casa da Boia, em um edifício que até hoje se encontra bem preservado, no número 452. Embora hoje abrigue uma loja, o local é um sítio histórico da maior importância para a indústria brasileira.
Foi neste edifício que, em 1º de maio de 1919, a empresa norte-americana começou a produzir o Ford T, dando início a uma indústria crescente que transformaria a cidade.
O primeiro automóvel de São Paulo
Os Fords T que saíam da fábrica da rua Florêncio de Abreu não foram os primeiros automóveis a circular por São Paulo. De fato a cidade viu espantada a chegada de seu primeiro automóvel no ano de 1891.
O Peugeot que desembarcou no Porto de Santos e subiu a serra para ser o primeiro a circular pelas ruas paulistanas pertencia a um jovem de 18 anos, chamado Alberto Santos Dumont. Sim, o inventor do avião foi o primeiro a ter um automóvel na capital paulista.
Segundo o site “sinaldetransito.com.br”, embora o primeiro automóvel paulistano pertencesse a Santos Dumont, foi seu irmão Henrique o primeiro motorista da cidade.
O site nos conta que Henrique Santos Dumont fez um requerimento ao governador da cidade requerendo baixa do lançamento do imposto sobre seu automóvel, no ano de 1901.
Eis as razões do peticionário:
“…o suplicante (Henrique Santos Dumont) sendo o primeiro introdutor desse sistema de veículo na cidade, o fez com sacrifício de seus interesses e mais para dotar a nossa cidade com esse exemplar de veículo “automobile”; porquanto após qualquer excursão, por mais curtas que sejam, são necessários dispendiosos reparos no veículo devido à má adaptação de nosso calçamento pelo qual são prejudicados sempre os pneus das rodas. Além disso o suplicante apenas tem feito raras excursões, a título de experiência, e ainda não conseguiu utilizar de seu carro “automobile” para uso normal, assim como um outro proprietário de um “automobile” que existe aqui também não o conseguiu”.
Por esse documento nota-se que existia um segundo carro na cidade de São Paulo, em 1901, possivelmente de propriedade do Conde Álvares Penteado.
Além do mérito histórico dessa petição de Henrique Santos Dumont, o documento tem outra característica: é a primeira reclamação de um dono de automóvel ao poder público contra as más estradas e as ruas em péssimo estado de conservação.”
A prefeitura negou o pedido e, como Henrique se recusou a pagar o imposto, a queda de braço teve um desfecho curioso: a licença de primeiro veículo da cidade foi revogada e concedida ao Conde Francisco Matarazzo, homem mais rico da cidade na época.
Embora fosse um produto acessível para poucos, o automóvel se firmou não apenas como o “veículo” de transporte que se propunha a ser, como também um símbolo de status, já que até o início do Século XX a frota paulistana não chegava a 100 automóveis.Todos pertencentes às grandes famílias de empresários, barões do café e do comércio.
A despeito de ser um produto para a elite, a frota de veículos da capital só crescia. Tanto que o primeiro congestionamento de São Paulo foi registrado justamente em um evento para a elite econômica e cultural da época.
Em 12 de setembro de 1911 era inaugurado o Theatro Municipal de São Paulo. Nesta data o centro da cidade viu o afluxo de nada menos do que cerca de 300 automóveis, a maioria conduzidos pelos “chauffeurs”, trazendo a nata da sociedade paulistana para o evento.
Frota aumenta e surge o Automóvel Clube do Estado de São Paulo
Hoje qualquer seguro automotivo oferece assistência veicular, mas no início do Século XX nem se pensava em tal facilidade. Quer dizer, alguém pensou. Um grupo de amigos, proprietários de veículos, criou uma sociedade sem fins lucrativos cujo objetivo era o desenvolvimento do automobilismo no Estado de São Paulo, e tornou-se rapidamente a grande sociedade dos proprietários de veículos automotores.
Fundada no ano de 1935, inspirada no Automóvel Clube do Brasil, de 1907, a entidade oferecia aos seus associados uma gama de benefícios e serviços, como guinchos 24 horas, socorro mecânico e reboque, desburocratização da documentação de veículos, promoção de competições entre outras atividades.
O Automóvel Clube de São Paulo – ACESP, iniciou suas atividades na Rua Martinho Francisco, 53 no bairro de Santa Cecília e o clube, mesmo com a “concorrência” das seguradoras, ainda continua ativo, prestando serviços para os seus associados.
Primeira viagem Rio-São Paulo e São Paulo-Santos
O automóvel, como dissemos, não representou apenas um meio de transporte, mas desde sua concepção povoa o imaginário, como uma máquina para levar o homem a vencer desafios. Do contrário, não haveria as corridas, enduros, rallys…
Foi com este espírito que o francês Jacques Bouly de Lesdain, partiu do Rio de Janeiro, no dia 6 de março de 1908, em um automóvel Brasier 16/26HP, junto com os também franceses Henri Trotet, Gaston Conte e Albert Vivès, com destino à capital paulista.
Nunca antes alguém tinha percorrido as duas mais importantes cidades brasileiras em um automóvel.
Na falta de uma estrada que ligasse as duas cidades do país (a primeira rodovia Rio-São Paulo só seria inaugurada em 1928), o jeito foi encarar caminhos de boiadeiros e trilhas ligando fazendas.
Se hoje, por meio rodoviário, fazemos o trajeto em cerca de 6 a 7 horas de viagem, Lesdain e seus amigos levaram nada menos do que 36… Horas? Não. Dias, para cumprir a aventura.
Em 11 de abril de 1908, centenas de curiosos se reuniram no bairro da Penha, na capital paulista, para receber o herói.
Lesdain agradeceu o carinho dos brasileiros que o orientaram e hospedaram ao longo da aventura e anunciou que prosseguiria a viagem até outras cidades.
Desta forma o francês foi também o primeiro a percorrer de carro o trajeto entre São Paulo e Santos.
Apenas quatro dias depois da chegada de Lesdain a São Paulo, o aventureiro pegou o rumo para o litoral paulista. Ao conde francês, juntaram-se os automobilistas locais Paulo Prado, Antônio Prado, Clovis Glycerio, Bento Canavarro e Luiz Barbosa da Silva, além do jornalista Mario Cardim e de um grupo de mecânicos.
O possante Brasier de Lesdain desta vez foi acompanhado por um Sizaire-Naudin e um Motobloc, todos automóveis franceses. Foram os primeiros carros a ir de São Paulo a Santos, em uma viagem que levou 36 horas.
O primeiro semáforo de São Paulo
No ano de 1935 a frota de veículos da capital paulista já era considerável e as autoridades se preocupavam com as questões relacionadas à segurança.
No bairro do Brás, naquele ano, na chamada “esquina da porteira” os motoristas da capital encontraram pela primeira vez um equipamento que trazia as três luzes: verde, amarela e vermelha.
Era o primeiro de São Paulo, instalado pelo Departamento de Serviço de Trânsito (DST). A instalação do novo equipamento, considerado um aparato de última geração para a época, tinha o objetivo de proporcionar mais segurança nos cruzamentos e dividir as oportunidades de trânsito de acordo com o volume de tráfego de veículos e pedestres.
Na década de 1940, houve muitos testes para implantação do sistema semafórico e a inauguração de semáforos que eram comemoradas como um evento nos bairros da cidade.
O primeiro posto de gasolina ainda está em atividade
Muitos motoristas passam apressados pelo bairro da Aclimação e talvez até mesmo já tenham abastecido seus veículos no posto localizado bem no início da avenida de mesmo nome, esquina com as ruas Pires da Mota e Paes de Andrade sem sequer se dar conta de que ali se encontra o mais antigo posto de combustíveis da cidade e, ainda em pleno funcionamento.
O posto Dansa foi inaugurado no ano de 1929, e é o mais antigo em operação na cidade de São Paulo.
Construído em estilo neocolonial, o Dansa foi erguido pela Anglo Mexican Petroleum Company, precursora da Shell, e seguia um padrão de arquitetura comum à época nos EUA.
Em novembro de 2015, o posto foi tombado pelo Condephaat (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo) devido à “particularidade estilística da arquitetura da edificação” e por ser um “remanescente raro e íntegro de padrão de construção que se repetiu em vários bairros paulistanos”, conforme consta da resolução de tombamento.
Os automóveis e seu impacto em São Paulo
Desde que os sistemas de transporte urbano da capital foram mudando dos trilhos (bondes) para os veículos (ônibus) e a cidade experimentou o crescimento das vias para a circulação destes e dos automóveis, muita coisa mudou na capital paulista.
Ruas estreitas, campos e várzeas deram lugar a grandes avenidas onde os automóveis, ônibus e caminhões pudessem circular. O Transporte sobre trilhos, retomado a passos lentos a partir da década de 1970, com o Metrô não cresce junto com o crescimento da cidade.
O serviço de ônibus, igualmente ineficiente, faz com que aqueles que tem condições continuem a circular pela cidade em automóveis.
Segundo o Denatran (Departamento Nacional de Trânsito), a frota nacional de carros é de 58 milhões. Desse contingente, 6,2 milhões de automóveis estão registrados na capital paulista. 11% da frota nacional de veículos circula diariamente pelas ruas de São Paulo, cruzando nada menos do que 5.895 semáforos em 17.500 km de vias pavimentadas da capital.