Olhos para o céu: a passagem dos dirigíveis por São Paulo
Olhos para o céu
a passagem dos dirigíveis por São Paulo
As grandes viagens transoceânicas pelo ar começaram no início do Século XX, não por aviões, como os que hoje cruzam o atlântico em menos de 10 horas, mas por aeronaves monumentais, os chamados dirigíveis, operados pela empresa do alemão Ferdinand von Zeppelin. Foram as primeiras aeronaves a estabelecer rotas entre a Europa e o Brasil e nos anos 30 sobrevoaram a cidade de São Paulo.
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No dia 15 de outubro de 1928 os cidadãos da cidade de Nova Iorque, Estados Unidos, assistiram, certamente com espanto, o pouso do primeiro dirigível a cruzar o Oceano Atlântico. O lendário dirigível LZ 127 Graf Zeppelin havia decolado de Frankfurt, Alemanha, 112 horas antes e a chegada aos Estados Unidos representou o início de uma era de atuação dos dirigíveis no transporte aéreo transatlântico.
O Brasil não demorou muito para receber a visita do Graf Zeppelin. Em seu voo inaugural na rota da Alemanha para a América do Sul, o Graf Zeppelin chegou primeiro ao Recife, atracando no Campo do Jiquiá em 22 de maio de 1930. Para recepcionar a aeronave estiveram presentes o próprio governador do estado de Pernambuco, Estácio Coimbra e o sociólogo Gilberto Freyre, à época chefe de gabinete do governador.
As linhas regulares estabelecidas entre a Alemanha e as Américas tinham Nova Iorque e Rio de Janeiro, como destinos finais. No Brasil, havia ainda esta parada técnica, no Recife.
Rio de janeiro era o destino final
Em 18 de janeiro de 1937, por meio do Decreto nº 1.383, foram aprovados orçamentos, plantas e especificações relativas ao fornecimento e instalação de maquinários e equipamentos necessários às manobras de aeronaves no Aeroporto Bartolomeu de Gusmão, em Santa Cruz, zona oeste carioca. O complexo foi inteiramente construído pela Luftschiffbau Zeppelin para receber os dirigíveis Graf Zeppelin e Hindenburg.
Entre 1931 e 1937, a Deutsche Luft Hansa (Lufthansa após 1933) operou voos regulares entre a Alemanha e o Brasil, utilizando seus dirigíveis rígidos LZ 127 Graf Zeppelin e LZ 129 Hindenburg. O Rio de Janeiro era o destino final, de onde os passageiros poderiam fazer conexões com serviços de aviões para o Sul do Brasil, Uruguai, Argentina, Chile e Bolívia, que eram operados pela subsidiária brasileira da Lufthansa, a Syndicato Condor.
O aeroporto foi inaugurado em 26 de dezembro de 1936 pelo presidente Getúlio Vargas, com a presença do embaixador alemão Schmidt Elskop. Antes da construção do aeroporto, os dirigíveis rígidos eram guardados no Campo dos Afonsos.
O sítio aeroportuário consistia de um campo de pousos e decolagens, um hangar, alfândega, prédio administrativo, outro prédio para os operadores de rádio, quartos para funcionários, alojamentos para a tripulação, um depósito, uma fábrica de hidrogênio e um ramal de trens, que ligava o local com o centro da cidade a 54 km de distância.
O hangar é o único exemplar original de estrutura construída para acomodar dirigíveis rígidos ainda existente no mundo. Devido a sua importância histórica, foi tombado como Patrimônio Cultural Nacional em 14 de março de 1999.
São Paulo é pega de surpresa e vê sobre a cidade o primeiro dirigível
Era manhã de 11 de maio de 1933, um dia normal na capital paulista, até que às 11h25 surgia nos céus da capital, para espanto da população, o dirigível LZ 127 Graf Zeppelin. A passagem pela capital paulista não estava prevista na rota da aeronave que deveria pousar no Rio de Janeiro.
Mas, devido ao tempo ruim na capital fluminense o comandante do Zeppelin resolveu continuar a voar, sobrevoando, primeiro Santos, litoral paulista, para depois passar pela capital.
A aparição do gigante assustou alguns moradores e fez com que a cidade parasse para ver sua passagem.
O jornal A Gazeta, trouxe em sua capa e na última página uma matéria em que narrava, com grande entusiasmo e excessivas exclamações a passagem do Zeppelin pela cidade:
“… às 11,25, surgiu – surpreza agradabilíssima e inédita! – sobre os arranha-céus da nossa Capital, escoltada por diversos aviões a massa imponente do dirigível teuto!
E voava baixíssimo!
Alvoroço geral!
Em pouco tempo todos os pontos altos de nossa cidade, que permitissem uma observação perfeita das manobras da aeronave germanca foram tomados de assalto!
O predio Martinelli, e os demais arranha-céos!
Os dois viaducto coagularam-se de povo!
E, nas ruas, olhos fitos para o ar, milhares de pessoas seguiram attentas e emocionadas as evoluções da nave do comandante Ekner, que, conforme dissemos linhas atraz, voava a reduzida altura. Em certo momento, mesmo depois de ter realizado duas ou tres voltas sobre o casario de nossa Paulicéa o “Conde Zeppelin” passou metros abaixo do prédio Martinelli. Expressiva saudação do gigante aereo ao gigante de cimento-armado da Paulicea!
Das janellas das cabines do dirigivel os passageiros correspondiam a saudação festiva dos habitantes da Capital!
Rodeavam a gigantesca aeronave, pigmeus guardas de honra, os aviões do nosso campo de Marte. Minutos depois, sempre a pequena altura, e accionado pelos seus poderosos motores, o “Conde Zeppelin” tomava rumo da Capital Federal.”
Quatro anos depois aparece o gigante Hindenburg
Com o sucesso comercial das operações do Graf Zeppelin a empresa Luftschiffbau Zeppelin constroi e coloca em operação, no ano de 1936, o LZ 129 Hindenburg, um novo e ainda maior dirigível que elevou o conceito de conforto nas viagens aéreas.
O Hindenburg cruzou o Atlântico 17 vezes entre 1936 e 1937. Dez viagens para os Estados Unidos e sete para o Brasil.
Foi em uma destas viagens, que o gigante cruzou os céus de São Paulo por duas vezes. Uma, na noite de 30 de novembro, uma noite um pouco enevoada, que não permitiu muito a visualização da aeronave, que voltou no dia seguinte, como relatou o jornal Correio Paulistano, de 2 de dezembro de 1936:
“Apesar do grandioso espetáculo proporcionado ante-ontem pelo grande dirigível alemão, muita gente deixou de admirar a maravilha da moderna aviação devido à pouca visibilidade.
Hontem, entretanto, apesar da tarde cinzenta, quasi toda São Paulo pode observar commodamente as suaves evoluções que o sucessor do Graf Zeppelin fez sobre nossa capital, cortando-a em todos os sentidos.
Os arranha-céos e os demais pontos altos da cidade immediatamente ficaram com seus topos repletos de curiosos. Foi um espetáculo grandioso.
Após algumas evoluções pela cidade o Hindenburg tomou rumo do Rio de Janeiro, onde chegou em boas condições…”.
Palácios voadores
Voar no Zeppelin ou no Hindenburg era uma experiência para poucos.
Para se ter uma noção do que eram esses dirigíveis, vamos lembrar que maior avião atualmente em operação é o Antonov AN-225, um avião cargueiro, que tem 84 metros de comprimento e 18 de altura. Agora segure-se no assento: o Hindenburg tinha nada menos do que 265 metros de comprimento e um diâmetro de 41 metros.
Apesar das dimensões colossais, o Graf Zepellin tinha capacidade para 24 passageiros e 45 tripulantes, enquanto o Hindemburg, respectivamente, até 72 passageiros e 51 tripulantes.
Eles eram dotados de cabines luxuosas, salões de convivência, de jantar e cozinha. Verdadeiros hoteis flutuantes que para se manterem no ar usavam o gás de hidrogênio, altamente inflamável.
Finais melancólico e trágico
Apesar de representarem modernas tecnologias aeronáuticas e um conforto que nunca foi superado (aliás, o Hindenburg é, até hoje, a maior aeronave que já voou), a era dos dirigíveis durou pouco e um dos principais motivos para isso foi a primeira grande tragédia da aviação mundial.
Na noite de 6 de maio de 1937, em Lakehurst, Nova Jersey, Estados Unidos, o Hindenburg se preparava para pousar depois de mais uma bem sucedida viagem intercontinental. Tudo corria bem até que há poucos metros do solo, de repente, o dirigível se consumiu em chamas em poucos segundos.
A bordo estavam 97 pessoas (36 passageiros e 61 tripulantes); houve 36 mortes (13 passageiros e 22 tripulantes, 1 trabalhador no solo).
Muitas teorias tentam explicar o incêndio no Hindenburg. A mais aceita é que por alguma razão, a eletricidade estática provocada pelo toque dos cabos de amarração com o solo, aliada a alguma faísca do sistema de propulsão da aeronave tenha provocado as chamas.
Com a tragédia do Hindenburg e a situação política do final dos anos 1930, quando a Europa estava às voltas com o início da Segunda Guerra Mundial, a Luftschiffbau Zeppelin não deu continuidade às suas atividades. Até já tinha construído o Zepellin II, mas este nunca saiu do solo.
O “Graft Zepellin”, o primeiro, que nunca havia sofrido qualquer acidente, acabou sendo desmontado na Alemanha e sua estrutura foi usada para a construção de veículos e equipamentos para uso na Guerra.
Acabara assim a era dos dirigíveis, que a capital paulista e os paulistanos da década de 1930 tiveram a oportunidade única de apreciar nos céus da Pauliceia.
Fontes:
https://aeromagazine.uol.com.br/artigo/a-memoravel-passagem-do-zeppelin-pelo-brasil_737.html