A história da rua 25 de março e algumas personalidades árabes homenageadas em seu entorno
A história da rua 25 de março
e algumas personalidades árabes homenageadas em seu entorno
Uma das mais conhecidas ruas da capital paulista homenageia a data da promulgação da primeira constituição brasileira. Mais do que um polo de comércio, a 25 de março é um polo identitário, onde os árabes se estabeleceram no início do Séc. XIX e lá deixaram profundas raízes.
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Em 25 de março de 1824, foi outorgada pelo imperador brasileiro Dom Pedro I, a primeira constituição do Brasil, uma história que contamos na postagem de nosso blog de março de 2023, intitulado Vinte e Cinco de Março, uma data além de uma rua. Vinte e Cinco de Março se tornou também, em 3 de junho de 2008, o “Dia Nacional da Comunidade Árabe no Brasil”, uma iniciativa do Deputado Jorginho Maluly, aprovada na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados.
Mas, nada é mais identificado à data de 25 de março do que a rua que leva este nome, localizada a poucos metros da Casa da Boia, no centro da capital paulista.
A rua, nascida às margens do Rio Tamanduateí, já teve nomes diversos. Foi a rua Várzea do Glicério, rua das Sete Voltas, rua de Baixo, rua Baixa de São Bento e, no final do século XIX, em 1865, finalmente, ganhou a denominação atual, rua Vinte e Cinco de Março.
Nasceu na beira do rio Tamanduateí, no Beco das Sete Voltas. Isso porque o rio era sinuoso e cheio de “voltas”. Justamente na sétima volta começaria a história da rua.
Quando o rio foi retificado, no século XIX abriu-se, ao seu lado, o traçado da futura Rua de Baixo que, ligaria a Ponte do Carmo ao Porto de São Bento, que depois passou a ser chamado de Porto Geral, justamente no local onde hoje se encontra a “Ladeira Porto Geral”.
Foi nesse momento que passou a se chamar Baixa de São Bento, pois se localizava abaixo do Mosteiro de São Bento. Era então o primeiro local urbanizado da cidade baixa.
Toda região era denominada Várzea do Carmo, uma área inundada pelas cheias do Rio Tamanduateí e rio do Carmo, este que se encontrava próximo a igreja do Carmo e que também nomeava a ladeira e a ponte ao final da região. Aproximadamente onde está a atual Avenida Rangel Pestana.
O rio Tamanduateí teve por anos suas margens utilizadas para banhos, pelas lavadeiras e também para o despejo de lixo. As recorrentes enchentes se tornaram um problema para a população e com a intenção de resolver este problema, em 1810, uma vala foi construída no centro da Várzea para barrar os alagamentos.
Em 1849 tiveram início as obras para retificação do rio. O presidente da província de São Paulo, João Theodoro, cuja gestão foi de 21 de dezembro de 1872 a 29 de maio de 1875 realizou a canalização da primeira parte do Tamanduateí. Theodoro foi responsável por colocar jardins e projetar a Ilha dos Amores, uma ilha no centro do rio, que era usada como espaço de lazer pelos paulistanos.
Em 1890, além de tentar encontrar novas soluções para as enchentes que ainda atingiam a população, o poder público discutia um plano de “embelezamento” da Várzea do Carmo.
Em 1910, então, foi decidido erguer um parque, entregue à população em 1922. Assim, deixa de existir a Várzea do Carmo e surge o Parque Dom. Pedro II, que se tornou um dos mais importantes espaços públicos de São Paulo, por conter grande variedade de árvores, estar ladeado pelo rio e próximo ao centro.
Os árabes se estabelecem na região
Os primeiros comerciantes documentados a chegar na região para desenvolver atividades foram os árabes e a escolha do local passava por inúmeros fatores. O primeiro era que os terrenos eram mais baratos do que nas outras regiões, justamente porque era uma área alagadiça antes da retificação do rio.
É preciso lembrar que os árabes sempre foram hábeis e inteligentes comerciantes e não demoraram a perceber que a região da rua Vinte e Cinco de Março era servida, inicialmente, pelos portos ao longo do Tamanduateí, pelos quais chegavam e saiam mercadorias e, depois, pela ferrovia, que facilitava o trânsito das mercadorias.
Assim, os “mascates” começam a estabelecer as suas casas comerciais e residenciais na Vinte e Cinco de Março quando ela ainda nem tinha este nome.
Por volta dos anos 1870, o Brasil começou a receber migrantes sírios e libaneses com maior intensidade. O cenário internacional que estimulou esse movimento está relacionado com a ocupação do Império Turco-Otomano na Síria e Líbano e também com a instabilidade financeira resultante da presença francesa e inglesa nesses territórios.
Quando os imigrantes chegaram em solo brasileiro, se distribuíram por várias partes do país, incluindo a cidade de São Paulo. Pelo motivo de estarem mais adaptados a pequenas culturas agrícolas, não obtiveram sucesso com empregos em grandes culturas, o que levou à busca por alternativas. O comércio com mercadorias veio como medida de subsistência e deu aos sírio-libaneses a nomenclatura de mascates.
Os comerciantes muitas vezes moravam em pensões baratas, cortiços e nos porões de velhos sobrados nas proximidades da rua Vinte e Cinco de Março e a vocação do local como um pólo atacadista, principalmente de tecidos, cresceu com a dificuldade de importação durante a época da Primeira Guerra Mundial.
Desse modo, abriram-se fábricas do ramo têxtil e de vestuário para cobrir a necessidade de produtos industrializados que não podiam mais chegar da Europa. Essa atividade comercial levou algumas famílias a prosperarem economicamente e como consequência, a expandir seu domínio de mercado e também de terra com a construção de mansões em lugares como Avenida Paulista e bairro do Ipiranga.
No final dos anos 1920, a rua já contava com mais de 500 lojas, segundo a Prefeitura de São Paulo.
A partir dos anos 1930, a rua Vinte e Cinco de Março ficou conhecida como a “rua dos turcos” devido à grande presença de sírios, libaneses e árabes. A denominação é um erro histórico, até porque essas nacionalidades, em grande parte, chegaram ao Brasil, justamente por discordarem da dominação do império Turco-Otomano no oriente. Logo, para um árabe não turco, ser assim denominado constituía até uma ofensa. Mas, como ir contra o senso comum popular?
No final da década de 1930, os imigrantes sírio-libaneses já possuíam mais da metade dos estabelecimentos comerciais de varejo e atacado na cidade de São Paulo, sendo mais conhecidos pelo trabalho com a Indústria têxtil.
O Plano de Avenidas e grandes obras viárias executadas pela Prefeitura nas décadas seguintes auxiliaram na dispersão de prédios residenciais para outras regiões de São Paulo e contribuíram para o caráter comercial da rua e também para sua verticalização.
Em 1960, o complexo próximo à rua Vinte e Cinco de Março já contava com aproximadamente 3,7 milhões de habitantes.
A década de 70 consolidou a Vinte e Cinco de Março e a região como um polo atacadista. Os produtos nacionais reinavam na região, que vendia por atacado para todo o Brasil, mas o perfil da rua começava a mudar. O preço dos imóveis, o comportamento do consumidor “de varejo” e a oferta de produtos, digamos, de procedência duvidosa, começa a transformar a região.
Polo “multicoisas”
Os grandes atacadistas percebem que suas lojas gigantes podiam ser “fracionadas” e o espaço alugado para pequenos comerciantes. Começam, assim, as galerias que passam a vender uma variedade de produtos.
Quem viveu os anos 80 deve se lembrar da febre da “Galeria Pajé”, um edifício inteiro ocupado por pequenas lojas, em sua maioria de eletrônicos, relógios, perfumes, jeans, em sua maioria importados, que atraía consumidores com pouca preocupação com a origem dos produtos. Embora não fosse a única, era a mais famosa.
A fama da região crescia, assim como crescia a ocupação de seus edifícios e lojas com um comércio cada vez mais diversificado.
A década de 90, com a abertura comercial e a expansão da globalização, “inunda” a Vinte e Cinco de Março de produtos importados, primeiramente via Paraguai e mais recentemente diretamente dos fabricantes chineses.
Aliás, assim como no início do Séc. XIX os árabes foram os primeiros a ocupar a região, hoje são os chineses que representam nova onda migratória e se fazem cada vez mais presentes na região.
Hoje não há praticamente nada que não seja encontrado nas milhares de lojas da região. De roupas a brinquedos, de material de papelaria a eletrônicos, de produtos para festas a fantasias, de insumos para artesanato a componentes eletrônicos, de perfumes a celulares, de calçados a objetos de decoração.
Personagens árabes que dão nome às ruas adjacentes
A influência árabe na região da Vinte e Cinco de Março se faz sentir na cultura, na culinária e, claro, na presença do comércio da região. Várias ruas próximas da Vinte e Cinco de Março tem o nome de importantes imigrantes que contribuíram para a sociedade paulistana:
Rua Ragueb Chohfi
Ragueb Chohfi nasceu em Homs, em 1890. Chegou ao Brasil em 1904 onde logo se tornou mascate, assim como muitos de seus compatriotas. Abriu seu comércio na rua Vinte e Cinco de Março em 1922. Empreendedor destacado, tornou-se um dos maiores empresários do ramo têxtil. Foi um membro ativo na coletividade sírio-libanesa, tendo sido um dos fundadores do Club Homs e do Esporte Clube Sírio, além de presidente da Câmara de Comércio Sírio-Brasileira e conselheiro do Lar Beneficente Sírio.
Além da rua que leva seu nome, na região da Vinte e Cinco de Março, ele denomina também a avenida que liga os distritos de São Mateus e Iguatemi, na zona leste de São Paulo.
Rua Niazi Chohfi
Homenageia o empresário Niazi Chohfi, que era brasileiro, descendente de imigrantes sírios que chegaram ao Brasil na virada do século XIX. Nasceu na casa de seus pais, no antigo número 157 da rua Vinte e Cinco de Março , que ficava próxima à Ladeira Porto Geral, em 1912. Seus pais, Nagib e Shucrie, vieram da Síria na virada do século XIX para o XX, e casaram em 1907 no Brasil e nos anos seguintes, seu pai foi trabalhar como mascate, vendendo seus produtos de porta em porta por todo o país, e aqui fez fortuna, chegando a ser considerado o maior importador de tecidos do Brasil.
Entretanto, com a crise mundial oriunda da quebra da Bolsa de Nova York, em 1929, o seu pai perdeu todas suas posses, apenas conseguindo saldar suas dívidas. Tal acontecimento foi marcante na vida de Niazi, já que com apenas 18 anos virou vendedor, estabelecendo-se com seu comércio, a loja Niazi Chohfi, em 1933.
Dali para cá seus negócios prosperam tanto na região que fundou a Cia. Têxtil Niazi Chohfi, referência para todo o mercado da moda e confecções no Brasil.
Rua cavalheiro Basílio Jafet
Basílio Jafet é um dos irmãos Jafet, de origem libanesa, que chegaram ao Brasil no final do Séc. XIX.
Benjamim, João, Nami e Basílio eram os irmãos que imigraram para São Paulo e constituíram fortuna no ramo industrial de tecidos.
Trabalhou como mascate, além de cuidar da pequena loja dos Jafet, na Vinte e Cinco de Março, antes dos irmãos se tornarem um dos maiores industriais do início do Séc. XX.
Rua comendador Abdo Schain
Abdo Schain foi um dos irmãos Shahin que fundaram, na década de 1930, na rua Vinte e Cinco de Março, a Taufic Schahin e Irmãos, que depois mudou para uma rua nas proximidades, chamada Itobi.
Na segunda metade dos anos 1940, Taufic, Michel, Abdo e Cairalla Schain adquiriram quatro tecelagens e continuaram com a loja da Rua Itobi, a rua que ganhou o nome de Rua Cav. Basílio Jafet.
Rua comendador Affonso Kherlakian
O comendador Affonso Kherlakian, de origem armênia, nasceu em 12 de outubro de 1922, vindo ao Brasil com 4 anos de idade, morando desde logo em São Paulo. Naturalizou-se brasileiro e continuou a trabalhar incansavelmente pelo Brasil até seus últimos dias. Foi presidente e fundador da Missão Armênia Católica, distinguindo-se como autor de obras de benemerência, amparando os necessitados, idealizador e participante que foi de várias companhias de fundo social.
É fato notório sua colaboração com a Sociedade Brasil-Armênia, com o Conselho Central da Igreja Católica Apostólica Armênia, com a Sociedade Artística de Melodias Armênias, com a Paróquia Nossa Senhora do Bom Conselho e Igreja Evangélica Armênia do Brasil.
Rua Serop Kherlakian
Serop Kherlakian nasceu no Líbano, em 1886. Formou-se pela Universidade São José, em Beyrouth, como engenheiro civil. Veio para o Brasil e em 1943 e fundou em São Paulo a Indústria de Gravatas e Calçados Santa Terezinha. Em 1961 fundou a firma Irmãos Kherlakian, Exportação Indústria, Comércio e Importação, em São Paulo.
Rua Barão de Duprat
Apesar de Raimundo Duprat não ser árabe a rua paralela à Vinte e Cinco de Março homenageia o político nascido em Recife, em 1863 e que se tornou prefeito de São Paulo em 1911.
Durante sua gestão, importantes e numerosas obras públicas foram iniciadas, dentre elas o aterro definitivo da antiga Várzea do Carmo.