Largo São Bento
berço do Hip Hop brasileiro
Em 12 de novembro comemora-se o Dia Internacional do Hip Hip. Este movimento cultural, musical e social surgiu nos Estados Unidos na década de 1970 e desembarcou no Brasil nos anos 80. Embora o movimento tenha se fortalecido nas periferias de grandes cidades, foi no centro da capital paulista que o Hip Hop se firmou no cenário brasileiro.
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A abertura da Estação São Bento do Metrô, em 26 de setembro de 1975, representou uma nova e prática forma das pessoas chegarem ao coração da cidade e, particularmente, à Casa da Boia, que fica a pouco mais de 100 metros da saída da estação.
Por suas características, entretanto, essa estação do Metrô, que tem uma ampla área de convivência, não demorou a se tornar um ponto de encontro de uma galera que, no começo dos anos 80, começou a praticar uma arte recém-criada nos Estados Unidos. O Hip Hop.
Antes de prosseguir, vamos conceituar…
Essa história de Hip Hop se confunde com outro movimento muito importante, o RAP.
Segundo os editores do site www.zonasuburbana.com.br, o Rap é um gênero musical que significa “Rhythm and Poetry” (Ritmo e Poesia), ou seja, é uma forma de poesia cantada a partir de um determinado ritmo.
E disso a gente já consegue ver a presença de duas pessoas fundamentais: o DJ, que a partir da sua criatividade e, muitas vezes, usando outras batidas e ritmos como inspiração, cria uma base musical para que o MC (o Mestre de Cerimônia), crie suas rimas tendo como fio condutor essa base criada pelo DJ. Aqui um parênteses, a rima pode ser tanto improvisada (freestyle), quanto já escrita previamente e declamada ao vivo.
Bom, aí vem o Hip Hop.
Tudo começa quando o Afrika Bambaataa, um dos principais DJs do Bronx (Nova Iorque) entre os anos 70 e 80, afirma que o Rap, o Grafite e o Break tinham a ver um com o outro, já que os três retratavam problemas sociais dos guetos negros da cidade de Nova York e dos EUA como um todo.
Assim, Bambaataa resolveu fundar o movimento Hip Hop composto por 4 elementos: o Break, o Grafite, o Djeeing (a arte de ser DJ) e o MCeeing (a arte de rima sendo MC).
Conceitualmente, enquanto o RAP é uma expressão musical poética, o Hip Hop é um movimento social originado dentro da comunidade negra que se utiliza de outras expressões artísticas, inclusive, o próprio RAP.
No “palco” do Metrô São Bento nasceu o Hip Hop brasileiro
O Hip Hop chegou nas periferias da capital paulista e se instalou na Galeria 24 de Maio e na Estação do Metrô São Bento no início dos anos 1980.
Grupos de break dance se uniam nesses locais para escutar as batidas internacionais. Os integrantes desses grupos, ao ouvirem as músicas, criavam os seus próprios passos de dança para acompanhar. É por essa razão que os primeiros a ter contato com o estilo no Brasil foram os dançarinos de break, chamados de b-boys. Alguns nomes são reconhecidos até hoje, como o pioneiro Nelson Triunfo.
Vale lembrar que naquela época não existia internet, Spotify, streaming, a MTV Brasil nem tinha nascido… então os encontros físicos eram fundamentais para que o pessoal ficasse a par dos novos lançamentos que chegaram ao Brasil em LPS e posteriormente se popularizaram em cópias feitas em fitas K7, tocadas nos rádios toca-fitas portáteis (mas nem tanto) ou boombox.
Além da descoberta das músicas americanas, essa primeira fase também foi marcada por preconceito e marginalização, tanto que muitos artistas sofriam investidas da polícia e eram considerados criminosos simplesmente por ouvir o hip hop. Vários foram os relatos de policiais que quebraram discos, aparelhos de som e ameaçavam os integrantes do movimento.
Em 1984, o Public Enemy, grupo norte americano já consagrado no rap internacional, foi o primeiro grupo estrangeiro a fazer um show em São Paulo, o que provocou grande agitação na cena do Hip Hop à época e também contribuiu para a difusão do estilo entre os brasileiros.
Tudo isso ajudou a impactar os jovens das periferias não apenas de São Paulo como de outras grandes cidades.
O centro como ponto de encontro
Em uma época em que a difusão se dava pelo encontro, o Largo São Bento se tornou o ponto convergente da cultura Hip Hop.
Sábado à tarde. Pátio da Estação São Bento. Centenas de jovens dos quatro cantos da cidade se reuniam, com seus agasalhos coloridos e tênis de cano alto. Grupos uniformizados formavam as equipes de dança, prontas para as “batalhas”.
As “crews”, ou gangues, tinham nomes como Jabaquara Breakers, Dynamic Bronx, Nação Zulu, Crazy Crew, Backspin e Street Warriors.
Metiam a boombox no chão, e ali se apresentavam, trocavam passos de dança, informação musical e detalhes sobre uma cultura que acabava de chegar no Brasil, como recorda o DJ Hum, em palestra apresentada no Sesc Guarulhos, em 2021:
“Nós víamos tudo aquilo acontecendo na televisão, mas era proibido nas danceterias.
Não podia nada, nem entrar de boné, e nem dançar de um jeito diferente. A saída, para aquela cultura, era dançar na rua”, conta.
A opressão é uma das explicações para o fenômeno que tomou conta da São Bento a partir de 1985. Outra delas é o pátio de cimento “lisinho” da entrada para a estação e, o fato dela ser um epicentro para quem vinha das regiões Norte, Sul, Leste e Oeste de São Paulo.
João Break, do Dynamic Bronx, foi quem descobriu a São Bento, justamente fugindo das forças policiais:
“A ideia não era bem de ir para São Bento. Eu e meu irmão tínhamos uma crew no Bom Retiro, chamada Dynamic Bronx, treinávamos na estação do Metrô Tiradentes.
Ali tinha um espaço onde ficavam as cabines telefônicas desocupadas. Um dia, os ‘urubus’ (seguranças que vestem preto) do Metrô subiram e disseram que a gente não podia ficar ali. Resolvemos sair para o rolê.
Fomos para o Centro da cidade, a Praça da Sé, passamos pelo Pátio do Colégio, até avistarmos o Largo da São Bento. Olhamos pra baixo e eu percebi que ali seria o point. Foi assim que começou “, relembra o DJ ao site Music Non Stop.
No meio daquela galera, estava a geração que abriria a clareira para o gigantesco movimento cultural que se tornaria o rap brasileiro alguns anos depois: MC Jack, Thaíde, DJ Hum e a crew Backspin.
O breakdance foi trazido ao Brasil pelo dançarino pernambucano radicado em São Paulo Nelson Triunfo. Ele organizava os rolês em frente à Galeria do Rock, no começo dos anos 80. Em 1984, precisou dar um tempo por problemas de saúde e, quando retornou, um ano depois, soube que o movimento tinha mudado para a estação São Bento:
“Naquela época, não tinha internet. Então, você imagina como eram as coisas. Eu trabalhava de office boy no centro da cidade e, na hora do almoço, um encontrava o outro para trocar ideia. Foi através de contatos telefônicos ou nos encontros. O pessoal que dançava foi contando que a gente descobriu um espaço. Marcávamos das seis da tarde às dez da noite. O pessoal foi aparecendo aos poucos, até que o movimento ficou bem grande” conta João Break.
“Os tempos não eram fáceis. A administração estadual de Paulo Maluf, aquele da ‘Rota nas Ruas’, endeusava a violência policial como forma de reprimir a cultura periférica no Centro. Quando a PM chegava na São Bento, o jeito era pegar a boombox e sair correndo.
Éramos jovens, gostávamos de enfrentar, e tínhamos prazer por algo que estávamos construindo ali” relatou o DJ Hum.
“Com o passar do tempo, isso já por volta de 1987, sem que nós procurássemos ninguém, todo mundo começou a ir à São Bento. Nunca ligamos para um jornal, revista ou emissora de televisão, e de repente o local estava cheio de jornalistas querendo fazer matérias”, lembra o DJ Thaide.
Clima na São Bento começava a “ferver”
Ninguém queria perder as batalhas de dança. A rivalidade começou a esquentar o clima, e o medo era que o comportamento das gangues nova-iorquinas (notabilizadas pela violência) fosse também importado para o Brasil.
O balde de água fria nessa fervura veio em 1987, quando as crews combinaram de segurar a onda na rivalidade.
Além disso, o movimento chamou a atenção de dois artistas já estabelecidos no rock brasileiro: Nasi e André Jung, da banda Ira!.
Ambos se juntaram ao produtor Dudu Marote para lançar a primeira coletânea de RAP genuinamente nacional: o disco “Hip-Hop – Cultura de Rua”, de 1988.
O lançamento ajudou a criar um clima de parceria entre as turmas de diferentes cantos de São Paulo, e a pedra fundamental dessa união veio através de Marcelinho Backspin, um dos líderes do mais importante, e antigo, grupo de dança da cidade.
Marcelinho criou a 1ª. Mostra Nacional de Hip-Hop. Em 13 de março de 1993, nada menos do que dez mil pessoas compareceram ao evento na área do Metrô São Bento. A partir daí, a cultura ganhou as cidades de todo o país
“A cultura Hip-Hop cresceu de uma forma tão imensa, que nos deixa muito feliz. Repercutiu bastante, principalmente com essa molecadinha de hoje, que faz parte da cultura, que participa de campeonatos. Eles dançam muito!
A gente vê que os b-boys e as b-girls, nos dias de hoje, demonstram algo fantástico. Fazem coisas que, naquela época, a gente não conseguia fazer. Eu quero parabenizar todos eles. Que eles continuem assim: firmes, fortes, e com hip-hop no sangue”, finaliza, João Break, em seu depoimento ao site Music Non Stop.
Para quem quiser se aprofundar ainda mais na história, Music Non Stop recomenda o documentário Nos Tempos da São Bento, de Guilherme Botelho, de 2010, disponível no Youtube.
Está em fase produção, também, outro documentário, o “Estação São Bento Hip Hop”.
O Metrô São Bento hoje
Atualmente o espaço da área comum da estação São Bento do Metrô foi concedido à exploração por uma empresa particular à “Pátio Metrô São Bento”. Embora hoje o espaço não reúna mais a multidão que se formou junto com o movimento Hip Hop, o pátio da estação São Bento continua a receber atividades culturais variadas, como shows musicais, apresentação de poesia, aulas abertas de dança, exposições e feiras, tudo isso a poucos metros da Casa da Boia.
Fontes:
https://patiosaobento.com.br/largo-sao-bento-berco-do-hip-hop-brasileiro/
https://musicnonstop.uol.com.br/dia-do-hip-hop-2/
https://www.redbull.com/br-pt/O-surgimento-da-cultura-hip-hop-no-Brasil
https://www.letras.mus.br/blog/historia-hip-hop-no-brasil/
https://www.letras.mus.br/blog/historia-do-rap/
https://www.zonasuburbana.com.br/rap-a-primeira-batida-como-surgiu-o-rap/
https://www.zonasuburbana.com.br/rap-a-primeira-batida-qual-a-diferenca-entre-rap-e-hip-hop/
https://www.letras.mus.br/blog/historia-hip-hop-no-brasil/
https://www.zonasuburbana.com.br/rap-a-primeira-batida-como-surgiu-o-rap/