Os indígenas na formação de São Paulo e a herança de seu idioma nos logradouros da cidade
Indígenas na formação de São Paulo
e a herança de seu idioma nos logradouros da cidade
Quando Martim Afonso aportou à ilha de São Vicente por volta de 1530, essa parte do Brasil pertencia aos índios guaianases, que habitavam o planalto situado ao norte da cadeia marítima mas que, numa certa época do ano, costumavam descer até o litoral para procurar ostras e outros moluscos.
Na ocasião em que os portugueses entraram na baía, alguns índios pescavam à beira da praia. Assustados pelo tamanho dos navios europeus, eles se puseram em fuga, indo relatar aos seus companheiros da aldeia que haviam visto canoas enormes, as quais, comparadas com as suas, eram como as mais altas árvores da floresta em relação à grama dos campos, e que homens de pele branca tinham desembarcado delas, parecendo dispostos a se estabelecer ali.
O chefe dos índios considerou um insulto a conduta dos homens brancos e mandou avisar todos os caciques das vizinhanças sobre o que se passava. Acima de tudo, apressou-se a comunicar o fato a Tibiriçá, que chefiava as aldeias dos campos de Piratininga e por quem toda a nação dos guaianases tinha muito respeito.
Tibiriçá consentira na formação de uma aliança com os estranhos, certamente tendo em vista a vantagem que esta lhe proporcionaria sobre seus inimigos tradicionais.
Com a chegada dos primeiros jesuítas, no meio do século, autoriza a edificação de uma capela rústica dentro de sua aldeia e permite que os padres convertessem seu povo, ele próprio sendo o primeiro catequizado. Os jesuítas, por sua vez, expressaram sua reverência por esse índio considerado exemplar sepultando-o no interior da modesta igreja de São Paulo de Piratininga.
Sem querer ter a pretensão de discorrer sobre um tema tão complexo, foi, resumidamente, desta forma, que nascera a cidade de São Paulo, em 1554.
A partir de 1560, com a fundação da vila de São Paulo, mais três aldeamentos foram instituídos pelos portugueses: São Miguel, Nossa Senhora dos Pinheiros e Itaquaquecetuba, todos no planalto nas imediações da vila, abrigando, sobretudo os tupiniquim e Guaianá.
Estas novas aglomerações rapidamente começaram a substituir as aldeias independentes, transferindo para a esfera portuguesa o controle sobre a terra e o trabalho indígena.
Em princípio instituídas com a intenção de proteger as populações indígenas, na verdade os aldeamentos aceleraram o processo de desintegração de suas comunidades. À medida que os jesuítas subordinaram novos grupos à sua administração, os aldeamentos tornaram-se concentrações improvisadas e instáveis de índios provenientes de sociedades distintas.
A história é conhecida. Os indígenas, não apenas os de São Paulo, mas também eles, foram subjugados, escravizados, muitas vezes, e, convertidos à religião do invasor português, sofreram um processo de apagamento de sua cultura.
Apesar disso, segundo o Censo de 2010, vivem no estado de São Paulo 41.794 indígenas, o que representa 5% da população indígena no Brasil. A imensa maioria vivendo em áreas urbanas (91%).
Os indígenas das etnias Mby’a, Tupi Guarani, Kaingang, Krenak e Terena que habitam terras indígenas estão localizados na faixa litorânea, no Vale do Ribeira, no oeste do Estado, além da região metropolitana de São Paulo.
Os Guarani, Mby´a e Tupi, são a maior população do Estado vivendo em terras indígenas.
Segundo os dados do Censo 2010, na cidade de São Paulo, estima-se que haja mais de 1.000 Pankararu, vindos do estado de Pernambuco, vivendo em favelas como a Real Parque e Paraisópolis.
Indígenas nos limites de São Paulo
Talvez a mais conhecida aldeia indígena da capital seja a do Pico do Jaraguá, onde vivem, segundo a Prefeitura de São Paulo, 719 pessoas. A aldeia ocupa uma área de 1,7 hectares entre São Paulo e Osasco.
Há mais de três décadas, os Guarani do pico do Jaraguá lutam para ver reconhecido seu direito sobre as terras no entorno de suas aldeias, para além do território hoje demarcado. Laudos etnográficos comprovam que sua presença na região é antiga, e remonta a períodos pré-coloniais, mas o pleito sofre com a oposição do governo do estado de São Paulo: parte do território reivindicado pelos Guarani compreende o que, hoje, é o parque estadual do Jaraguá. O estado afirma que a sobreposição da terra indígena (TI) à área do parque pode comprometer a preservação da unidade de conservação. Os indígenas afirmam o contrário: querem manter a floresta em pé.
Nos atuais 1,7 hectare demarcado, não há espaço para cultivos. Para boa parte daquela população, a venda do artesanato representa sua principal fonte de renda. Esse quadro geral torna precárias as condições de vida dos Guarani do Jaraguá. Não há saneamento básico, muitas casas se resumem a casebres de madeira e a mortalidade infantil é alta: a maior da cidade de São Paulo.
Já nos limites da cidade de São Paulo com Embu Guaçu, estão as terras indígenas de Barragem e Krukutu.
Barragem é a maior em população: são cerca de 700 habitantes, sendo 119 crianças de 4 a 6 anos. A escola local ensina em guarani na primeira e segunda séries do ensino fundamental.
Para sobreviver, cada família planta onde há espaço (milho, batata-doce, feijão, mandioca e banana), cria animais e produz artesanato. Todas as tardes, os integrantes da tribo se reúnem para cantar e dançar na casa de orações.
Porém, como as demais aldeias, Barragem é pequena para a sua população. Ocupa apenas 26 hectares e reivindica a ampliação da área. É a mesma situação da aldeia Krukutu, próxima, onde moram 160 pessoas.
O legado da língua nas ruas de São Paulo
Se da cidade erguida com a ajuda dos índios catequizados e escravizados pelos jesuítas restam poucas edificações, o maior legado dos indígenas diz respeito ao seu idioma. O Tupi-Guarani é onipresente nas denominações dos logradouros da cidade.
Anhangabaú, Tabatinguera, ibirapuera, Ipiranga, Sapopemba, M’boi Mirim, Taquari, Tucuruvi… todos esses nomes de ruas ou bairros tem em comum a sua etimologia baseada nas línguas indígenas.
Para terminar essa reflexão sobre a cidade que escondeu o seu passado indígena, a gente traz a “tradução” de muitos destes nomes para lembrarmos que a maior cidade do país nasceu de uma aldeia indígena.
Pequeno dicionário (bem pequeno) das ruas, bairros e logradouros de nome indígena:
Anhangabaú: Oriundo do tupi, ele significa rio ou água do mau espírito. A história mais provável, segundo as fontes oficiais de pesquisa da prefeitura, é que tenha sido batizado assim por conta de algum malefício feito pelos bandeirantes aos índios nas imediações desse rio, que hoje passa sob o asfalto no vale.
Anhanguera: Vem de “anhanga”, diabo, e “puêra”: aquilo que se foi ou velho. Foi o nome dado a Bartolomeu Bueno da Silva, um aventureiro nascido na capitania de São Paulo.
Aricanduva: Aricanduva é uma palavra de origem tupi, que significa sítio das plantas aíris, um determinado tipo de palmas. No século XVII o riacho Aricanduva já era mencionado, assim como um arrabalde da cidade de São Paulo de mesmo nome. A origem da Vila Aricanduva data, aproximadamente, de 1.902 ou 1.905, mas, seu desenvolvimento ocorreu por volta de 1.950.
Ibirapuera: A região que cerca o Parque Ibirapuera já foi, em um passado bastante distante, um terreno alagadiço e parte de uma grande aldeia indígena. O próprio nome da região, aliás, reflete sua origem: Ibirapuera quer dizer “pau podre” ou “árvore apodrecida” no idioma tupi.
Ipiranga: A palavra Ipiranga é oriunda de Ypiranga. Na língua tupi ela junta dois vocábulos: “Y”, significando rio, e “Piranga”, vermelho.
Itaquera: Com seu nome derivado do tupi-guarani, Itaquera quer dizer “pedra dura”. As primeiras referências sobre a região surgiram no ano de 1620 e o seu primeiro nome era “Roça Itaquera”, localizada próxima a Aldeia de São Miguel.
Mooca: Segundo historiadores, o vocábulo é oriundo do Tupi Guarani e possui duas versões, MOO-KA (ares amenos, secos, sadios) e MOO-OCA (fazer casa), expressão usadas pelos índios da Tribo Guarani para denominar os primeiros habitantes brancos, que erguiam suas casas de barro.
M’Boi Mirim: O começo da história dessa região é datado de 1607, quando foram instalados o Engenho de Nossa Senhora de Assunção de Ibirapuera e a primeira extração de minério de ferro da América do Sul, tudo isso próxima a aldeia indígena de “M’Boi Mirim”. O nome da aldeia, aliás, significa “Rio das Cobras Pequenas” na língua indígena.
Pacaembu: O significado desse nome é bastante simples: Terras Alagadas, em função do alto número de rios que haviam na região e que, obviamente, durante as chuvas alagavam e “prejudicavam” os caminhos indígenas.
Pari: É o nome de uma antiga armadilha tupi utilizada para a pesca de pequenos peixes.
Pirituba: Essa região da cidade de São Paulo é nomeada de acordo com a vegetação abundante de taboa (vegetação de brejo) que existia por ali. Combinando o nome desta vegetação (PIRI) com o aumentativo indígena (TUBA) que significa “muito” deu origem a PIRITUBA.
Tatuapé: O nome de um dos maiores bairros da Zona Leste tem a ver com um grande ribeirão encontrado por Brás Cubas e, em tupi, quer dizer Caminho do Tatu.
Tucuruvi: A origem do bairro Tucuruvi vem do tupi-guarani e tem um curioso significado: gafanhoto verde. Diz a lenda que na região localizavam-se diversas fazendas que tinham como atividade serem bases para pastos de criação de gado e que, nesses locais, os gafanhotos verdes eram abundantes.
Tietê: O nome de um dos mais importantes rios da nossa cidade, o Tietê, apareceu pela primeira vez em 1748 em um mapa feito por D’Anvile. Existem vários “significados” diferentes para a palavra, mas a mais reconhecida é “água verdadeira” ou “rio volumoso” devido ao grande volume de água que passa por ele.
Fontes:
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Monteiro, John Manuel de. Dos Campos de Piratininga ao Morro da Saudade: a presença indígena na história de São Paulo. In: Porta, Paula. História da cidade de São Paulo: a cidade colonial. vol.1. São Paulo, Paz e Terra, 2004. p.21.
Oliveira, João Pacheco de. Muita terra para pouco índio? Uma introdução (crítica) ao indigenismo e à atualização do preconceito. In: Grupioni, Luís Donizete Benzi; Silva, Aracy Lopes da (org.) A temática indígena na Escola: novos subsídios para professores de 1º e 2º grau. MEC/MARI/UNESCO, Brasília, 1995. p.61.
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https://brasildedireitos.org.br/atualidades/a-luta-dos-ndios-guarani-no-pico-do-jaragu#:~:text=Aos%20p%C3%A9s%20do%20Pico%20do,Pico%20do%20Jaragu%C3%A1%20viraram%20not%C3%ADcia.